TJMG remarca audiência para julgar recurso da Vale S.A. que pode afetar ATIs e pedido de sigilo nos estudos realizados pela UFMG
Mineradora tenta limitar os recursos para que as ATIs desenvolvam suas atividades com limite de gastos, além de querer impedir acesso aos resultados de estudos realizados pela perícia judicial no território atingido

Foi remarcado para o dia 8 de agosto o julgamento de um dos recursos da Vale S.A. relacionado ao rompimento da barragem de Brumadinho. No recurso que será julgado na 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a mineradora tenta limitar os recursos para que as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) desenvolvam suas atividades com limite de gastos, além de querer impedir acesso aos resultados de estudos realizados pela perícia judicial no território atingido
O julgamento estava marcado para o dia 1º de agosto e foi adiado para o dia 8 do mesmo mês. Abaixo segue a Certidão com a nova data e horário do julgamento.
Relembre o Caso
O recurso apresentado pela mineradora em 31 de janeiro de 2024 versa sobre três pontos principais: a) a divulgação dos resultados de perícias realizadas pelo Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG); b) a possibilidade de utilização dos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico; c) a limitação do custeio e do escopo de atuação das Assessorias Técnicas Independentes.
Divulgação dos Estudos da UFMG
Como se sabe, a UFMG foi nomeada perita do juízo com o objetivo de realizar diversos estudos para dimensionar os danos causados pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, de responsabilidade da mineradora Vale S.A. Porém, a partir de Acordo Judicial celebrado com o Estado de Minas Gerais e os Compromitentes, alguns desses estudos foram extintos ou condensados em um único.
Em 26 de julho de 2022, o então juiz da 02ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Dr. Elton Pupo Nogueira, ao analisar pedido realizado pela UFMG, com a indicação de conclusão das perícias, determinou que os subprojetos finalizados fossem tornados públicos nos autos da ação judicial.
A decisão foi confrontada pela Vale S.A., que apresentou recurso para que os resultados fossem mantidos em sigilo. Segundo a mineradora, após o Acordo Judicial, que previu a extinção e a aglutinação de diversos estudos da UFMG, não haveria motivo para os resultados se tornarem públicos.
Acontece que a empresa foi incapaz de explicar o receio de que os estudos sejam divulgados e acessados pelas pessoas atingidas, limitando-se a alegar que os resultados não poderiam ser utilizados por já terem sido objeto do Acordo Judicial.
Sendo assim, em 24 de novembro de 2023, o juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Dr. Murilo Silvo de Abreu, decidiu, ainda em primeira instância, pela manutenção da publicidade dos resultados, informando que deixar os resultados de forma pública é garantir os direitos à participação informada e a transparência do que foi produzido nos territórios.
Custeio das Assessorias Técnicas Independentes

Atingidos participam de formação em direitos humanos em Brumadinho – Foto: Aedas
Conforme tem agido ao longo do processo de reparação, a Vale S.A. busca limitar o alcance e a autonomia das Assessorias Técnicas Independentes e, para isso, tenta limitar os recursos disponíveis para execução das atividades.
A principal linha de argumentação da empresa é de que o Acordo Judicial estipulou o teto de R$700 milhões de reais para a contratação de estruturas de apoio, que atuariam para a reparação dos danos coletivos e difusos. Não satisfeita com o teto estabelecido, a empresa pediu judicialmente para que todas as atividades realizadas pelas ATIs sejam restritas à matéria do Acordo.
O assunto já foi objeto de inúmeros recursos, que não apenas dificultam a celeridade da reparação das pessoas atingidas, mas, sobretudo, criam incertezas e uma constate limitação da atuação judiciária.
Em decisão do dia 24 de novembro de 2023, o juiz Dr. Murilo Silvo de Abreu apontou que:
“Se o Acordo não tratou dos pedidos principais relativos aos danos supervenientes, individuais e individuais homogêneos, é certo que as medidas processuais necessárias para a garantia do contraditório e ampla defesa efetivos em relação a tais pleitos não podem ser limitadas às disposições do Acordo. De frisar uma vez mais: as medidas implementadas pelo juízo em relação aos pedidos principais de reparação expressamente excluídos do Acordo não podem se submeter às suas cláusulas.
Exatamente por isso é que as atividades das ATIs que se relacionam com a reparação dos danos supervenientes, individuais e individuais homogêneos não se submetem à fonte de custeio prevista no acordo (R$ 700 milhões de reais, cláusula 4.4.11).”
Porém, o magistrado considerou que, como as Instituições de Justiça não haviam feito distinção entre as atividades que vinham sendo executadas pelas ATIs, a) atividades do Acordo Judicial e b) temas como demandas emergenciais ou direitos individuais, a separação do custeio das diferentes atividades precisaria de um marco inicial.
Dessa forma, ele decidiu que todas as atividades anteriores aos Planos de Trabalho aprovados pelas Instituições de Justiça em 09 de março de 2023, seriam custeadas com os recursos do Acordo (conforme o teto dito acima), mas, que após isso as demais atividades deveriam ser custeadas pela Vale S.A. em uma ordem de 70% para atividades do acordo e 30% para as demais atividades, não limitadas ao teto.
Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico
Os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico são uma série de investigações que avaliam o impacto do rompimento à saúde humana e ao meio ambiente ao longo do tempo. A primeira etapa dele vem sendo elaborada pelo Grupo Engenharia de Proteção Ambiental (Grupo EPA), custeado pela Vale S.A., para avaliar os potenciais riscos e, caso necessário, definir estratégias de acompanhamento de saúde pública.
Esses Estudos são feitos em etapas para levantar e avaliar a informação do local e as preocupações da comunidade,; gerar dados ambientais; e selecionar e validar dados que sirvam de base para quantificação do risco e avaliação da exposição, considerando cada população potencialmente exposta, analisando a contaminação tóxica de forma detalhada e orientada ao entendimento do risco para o organismo humano, pela exposição a múltiplos contaminantes.
O principal ponto de divergência da Vale S.A. em relação aos Estudos está no fato de que, em sua decisão, o Dr. Murilo de Silvo Abreu, se manifestou no seguinte sentido:
“Como se vê, o ERSHRE e as demandas emergenciais, relacionam-se com os danos supervenientes, individuais e individuais homogêneos dos atingidos (…) As atividades de acompanhamento do ERSHRE e das demandas emergenciais pelas ATIs garantem aos atingidos a participação informada, o efetivo acesso aos ESHREs, bem como a formulação e o acompanhamento das demandas emergenciais”
Ou seja, a empresa tenta limitar o alcance dos resultados dos Estudos de Risco, de modo que somente se apliquem para reparação de direitos coletivos e difusos, e não também a casos emergenciais ou individuais. A resistência em relação à ampliação do conhecimento dos danos causados e suas formas de reparação indicam a permanente tentativa da empresa mineradora na restrição do reconhecimento e reparação de direitos nos territórios atingidos.
Contrarrazões das Instituições de Justiça (Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, o Estado de Minas Gerais, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal
As Instituições de Justiça (IJs) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, o Estado de Minas Gerais, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal) defenderam a decisão recorrida, esclarecendo que os ERSHRE preveem uma fase de avaliação e validação dos dados disponíveis em cada território atingido, podendo o Grupo EPA aproveitá-los.
Quanto às perícias, as IJs defendem que não podem serem mantidas em sigilo por sua importância cientifica e interesse público e social, além de servir como prova na reparação individual que está sendo discutida no processo coletivo.
Por fim, elas defenderam a separação do custeio das ATIs em atividades do acordo e atividades do processo, com fundamento na Política Nacional de Populações atingidas por barragens – PNAB.
Efeito suspensivo negado
O desembargador relator negou suspender os efeitos da decisão recorrida, como pedido pela Vale S.A., por entender que o recurso não preencheu os requisitos necessários para a concessão do efeito suspensivo pretendido.
Isto porque, a Vale S.A. não comprovou o risco de dano grave ou de difícil reparação que justificasse a concessão do efeito suspensivo sem antes garantir a manifestação das Instituições de Justiça.
Assim, a decisão continua valendo até o julgamento do recurso, que será no dia 1º de agosto.
Procuradoria de Justiça pede arquivamento e indeferimento do Recurso
Após a instauração do recurso, as Instituições de Justiça apresentaram defesa (contrarrazões) defendendo o indeferimento dos pedidos da Vale S.A., reforçando a necessidade de manutenção das atividades das ATIs, a importância dos Estudos serem publicizados, dado o viés e científico, a transparência e o direito de informação das pessoas atingidas, o que não ofende a coisa julgada.
No último dia 01 de maio de 2024, a Procuradoria de Justiça de Ministério Público de Minas Gerais acompanhou o entendimento das demais Instituições de Justiça para que não sejam aceitos os pedidos realizados pela Vale:
“Acrescento que, há relevância científica, bem como interesse público e social nos estudos e nas perícias realizadas, que também possuem valor para as ações de reparação e mitigação dos danos ocasionados pelo rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho, razão pela qual, não podem ser desentranhados dos autos.”
Próximos Passos
O caso agora segue para julgamento no dia 1º de agosto de 2024 perante a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e terá a relatoria do Desembargador André Leite Praça. A audiência será realizada por meio de videoconferência às 13h30 minutos.
Não será julgado tema referente às indenizações individuais. Essa questão será avaliada em outros recursos apresentados pela mineradora.