Decisão foi celebrada em manifestação em frente ao Tribunal, em Belo Horizonte

Atingidos comemoram vitória no TJMG, em BH – Foto: Lucas Jerônimo/Aedas

As pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, conquistaram uma significativa vitória nesta quinta-feira (24). Os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negaram recurso da Vale S/A que tentava invalidar o processo de liquidação coletiva dos danos individuais.  

O julgamento foi comemorado por dezenas de atingidas e atingidos das cinco regiões da Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias que se mobilizaram e realizaram manifestação em frente ao prédio do TJMG enquanto aguardavam o resultado.  

A decisão significa que, se a mineradora não reconhecer, se quiser negar direitos, deverá provar que não causou o dano ou que o dano não tem ligação com o rompimento, a chamada inversão do ônus da prova, da obrigação de contrapor provas apresentadas pela perícia, pelas Instituições de Justiça (IJs) e Assessorias Técnicas Independentes.  

Vitória do Povo 
 
A negativa, nesta semana, do recurso apresentado pela Vale é resultado do processo de organização popular e participação informada das comunidades que, em todas as etapas, cobraram celeridade e justiça. A atingida Paré, da comunidade do Tejuco, em Brumadinho, avaliou o momento. 

“A sensação é muito grande. Não tem nem explicação, não tem. Eu saí de lá de dentro chorando, porque é muito grande. Ninguém sabe a expectativa dos atingidos e que Deus colocou toda a misericórdia dele. Espero que agora também a justiça seja feita com quem fez isso [o rompimento], quem é responsável por isso”, disse.  

O atingido e familiar de vítima fatal Silas Fialho comemorou o desfecho. “Foi muito emocionante, assim, uma das audiências mais emocionantes que eu já passei dentro desse processo como um todo. E olha que não foram poucas e principalmente, a gente, familiar e ter uma vitória dessa hoje, para continuar, dar andamento ne algo que estava travado. Isso para nós é fundamental. Hoje deu um alento, deu uma luz no fim do túnel. Eu tô muito feliz”, frisou Fialho.  

Para Joelisia Feitosa, atingida de Juatuba, a decisão é um marco histórico na caminhada dos atingidos por reparação integral.  

“Sim, minha avaliação é muito positiva, o meu sentimento é de muita emoção hoje. É um dia de muita alegria para nós, atingidos, que é com muita expectativa que nós esperávamos por esse julgamento. A inversão do ônus da prova é, com certeza, um grande avanço e aproximamos ainda mais da nossa conquista da indenização. Nós continuamos na luta, mas é importante demais valorizarmos este momento que só a luta garante essa vitória, e a vitória final está chegando”, afirmou a liderança. 

Como foi até aqui? 

Na primeira semana de outubro deste ano, o juiz Murilo Silvio de Abreu solicitou que a UFMG para que apresentasse um plano de trabalho preliminar conforme pedido pelas IJs, entendendo a necessidade de ampliação e complementação de novas categorias apresentadas pelas ATIs para as IJs.  

Nos dias 10/10/24 e 24/10/24 aconteceram duas sessões de julgamento sobreo tema. O desembargador André Leite Praça, relator do processo, negou provimento ao recurso da Vale para manter a decisão de primeira instância de Dr. Murilo. 

O segundo Desembargador Marcus Vinícius discordou da inversão do ônus da prova, e o terceiro Desembargador Carlos Braga discordou da legitimidade das Instituições de Justiça para representar os atingidos na fase de liquidação.  

O que já havia sido decidido na primeira instância pelo juiz Murilo Silvio de Abreu continua válido para continuar a fase da resolução dos danos individuais homogêneos, reconhecer a legitimidade das Instituições de Justiça para representar as pessoas atingidas nessa fase do processo, para ampliar das perícias, e para determinar a inversão do ônus da prova
 

Atingidos se manifestam na sede do TJMG, em BH – Foto: Lucas Jerômimo/Aedas

O Acórdão do julgamento foi disponibilizado no dia 31/10:

Entenda os objetivos, posicionamento das partes, e atuação da Aedas no processo de liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos

O que é liquidação coletiva, quais objetivos e fases? 

A liquidação coletiva é a saída proposta pelas Instituições de Justiça e pelas Assessorias Técnicas Independentes para promover a reparação dos danos individuais homogêneos das populações atingidas pelo rompimento da barragem da Vale. Os danos individuais homogêneos são aqueles que possuem origem em comum, como neste caso, já que todos foram atingidos pelo rompimento.  

O modelo de liquidação coletiva foi proposto como uma forma de acelerar o reconhecimento dos atingidos e dos danos sofridos, tendo em vista que as ações individuais podem demorar muito mais tempo, além de gerar custos extras com metodologias para comprovação dos danos. Para além dos custos para produção de provas, os processos individuais lotariam as varas judiciais do Estado, o que demandaria muito mais tempo para que cada atingido e atingida tenha seus direitos reconhecidos e reparados.  

No modelo de liquidação coletiva, a proposta é de que ocorrerá primeiro a perícia para levantamento dos danos e depois será construída uma plataforma eletrônica para integrar a etapa da reparação de danos. Durante todo o processo as IJs serão as representantes das pessoas atingidas, que também deverão contar com o apoio das ATI’s durante a elaboração da Matriz de Danos. Porém, até o momento as ATI’s não possuem plano de trabalho implementado para acompanhamento do processo e da liquidação.  

Atualmente estamos na fase em que a perita judicial, a UFMG, vai apresentar seu plano de trabalho preliminar para levantamentos dos danos e critérios para a construção da Matriz de Danos que será usada na reparação.   

A respeito das fases da liquidação, as IJs junto com as ATIs propuseram uma metodologia disposta em 3 fases: Fase de identificação dos grupos de pessoas atingidas e os danos relacionados; fase de valoração, que será realizada após a definição da abrangência e intensidade dos danos; Fase de comprovação de pertencimento ao grupo de atingidos e atingidas, não precisando, portanto, da comprovação de cada dano específico, resolvendo de forma coletiva. 

Quais as propostas da IJs? 

As IJ’s já se manifestaram sobre diversos pontos do processo da liquidação coletiva. Os destaques do que está contido nessas manifestações estão para a ampliação dos estudos e do que já foi identificado como dano e categoria de pessoa atingida até aqui. Além disso, elas defendem que são representantes legais da coletividade das pessoas atingidas e a inversão do ônus da prova, ou seja, consideram que a Vale é quem deve ser responsável por comprovar a não ocorrência dos danos às pessoas atingidas.  

Para as IJ’s é necessário ampliar os estudos já realizados e divulgá-los à toda população. Além disso, as IJ’s defendem que o Ministério Público é legítimo para representar as pessoas atingidas, e que a liquidação precisa ser feita de forma coletiva, para diminuir os riscos de não reconhecimento e pagamento das indenizações individuais. 

O que a Vale defende? 

Por outro lado, a Vale vem recorrendo de todas as decisões do processo de liquidação coletiva, dada pelo juiz Murilo de Abreu. A empresa questiona a ampliação e divulgação dos estudos de danos e da caracterização das populações atingidas, mesmo sabendo que as perícias atuais não alcançam todos os municípios atingidos, e não apontam danos específicos dos povos e comunidades tradicionais. A Vale também questiona a diferença dos escopos de atuação das ATIs e a divisão das fontes de custeio.  

A mineradora obviamente não concorda com a inversão do ônus da prova, pois considera que os atingidos que precisam provar os danos sofridos, mesmo sendo ela a causadora. A Vale também questiona a legitimidade do MP para representar as pessoas atingidas e ainda quer limitar as fontes de custeio das ATI’s.  

É possível perceber que a empresa quer protelar o tempo de definição para início dos pagamentos, inclusive afirmando que o Termo de Compromisso assinado em 2019 alcançou todos os danos possíveis de serem reparados. A empresa afirma que indenizou a maior parte das pessoas atingidas, o que não se comprova na realidade, tendo em vista que há uma profunda discrepância entre os números de acordos apontados pela mineradora e os dados de cadastros de quem recebe o Programa de Transferência de Renda, por exemplo. 

Como a Aedas irá atuar? Quais procedimentos já foram realizados desde o rompimento? 

Para responder esta questão, primeiro precisamos diferenciar os escopos de atuação da ATI. Atualmente nossas atividades estão divididas em planos de trabalhos relacionados às Atividades do Acordo e às atividades do Processo. Importante destacar que o plano de trabalho referente às Atividades do Processo ainda está sendo discutido na esfera judicial. Dr. Murilo deu uma decisão importante que intimou a Vale a depositar os valores necessários para garantir a realização das atividades das ATIs relativas ao Processo.  

O principal papel da Aedas é viabilizar a participação informada e o assessoramento técnico no processo reparatório, no âmbito do acordo judicial firmado em 2021. Quer dizer, a Aedas contribui na construção da autonomia popular, valorizando a atuação das pessoas e comunidades atingidas pelo rompimento das barragens BI, B-IV e B-IVA da Mina Córrego do Feijão da Vale S.A. O princípio que orienta a atuação da instituição é o da centralidade da vítima, levando em consideração as especificidades étnico-raciais, de gênero, geracionais, culturais e sociais. 

A respeito da liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos, a Aedas tem atuado na orientação das dúvidas jurídicas relacionadas ao andamento dos processos da liquidação coletiva, que chegam através dos nossos canais de atendimentos e espaços participativos. Temos respondido muitos questionamentos que chegam dos territórios atingidos e percebemos que existe uma grande demanda de informação quanto o andamento do processo. 

Associado à resposta das dúvidas jurídicas, a Aedas também poderá acompanhar os Estudos de Riscos e a Perícia, como forma de trazer do campo as informações relevantes para construir o entendimento sobre o reconhecimento dos sujeitos de direitos, e para construir a Matriz de Danos, que será de fundamental relevância para facilitar o reconhecimento dos danos sofridos e dos grupos de atingidos. Após a definição do plano de trabalho da perícia, as ATIs terão um prazo para apresentar o plano de trabalho específico para atuar nas atividades da liquidação. 

Enquanto instituição que atua na defesa dos atingidos, nós defendemos a liquidação coletiva dos danos individuais, os procedimentos simplificados para reconhecimento e valoração dos danos, e temos empenhado esforços para dialogar com as instituições de justiça nesta disputa jurídica.  

Como serão identificados os danos?  

Os danos serão identificados por meio de perícia para a coleta de todos os dados necessários para a construção da matriz de danos, documento que apresentará o levantamento e a sistematização dos danos indenizáveis das pessoas atingidas, dos meios de prova admissíveis e da quantificação da indenização.   

Assim, para o juiz Murilo são necessárias novas perícias, nessa fase de liquidação, para que seja possível construir a matriz de danos, que será capaz de possibilitar a adequada e justa reparação. 

Desta forma, a matriz de danos partirá dos resultados dos Subprojetos nº 02, 03, 55 e 58 (fase de coleta de dados) e será complementada pelos novos estudos que serão feitos pela UFMG. Em outubro de 2024, o juiz Dr. Murilo citou o CTC/UFMG para apresentar plano de trabalho preliminar para a liquidação coletiva. 

Esta perícia deverá contemplar uma metodologia que permita a participação direta das pessoas atingidas na concepção, elaboração e execução dos estudos, sem prejuízo da incidência das partes por meio de seus assistentes técnicos. 

Como serão definidos os valores? Cada pessoa irá receber igual? Será definido por núcleo familiar ou por indivíduo?  

Ainda não é possível dizer como serão definidos os valores, pois isso será discutido e construído nessa fase de liquidação. No decorrer desta fase, serão definidos esses detalhes sobre os valores e forma de reparação. O que foi definido na decisão do juiz Murilo é a criação de uma plataforma eletrônica que possibilite aos atingidos o requerimento de pagamento da indenização de forma simplificada, a partir da realidade de cada grupo de atingidos.  

É importante destacar que este procedimento que será instaurado não é ainda a fase de execução dos danos individuais, ou seja, após essa etapa da liquidação coletiva, será necessária uma outra etapa, denominada execução, para que as pessoas atingidas acessem os valores a serem pagos. Nesta etapa de execução é que se definirá o valor da indenização individual.  

Temos que aguardar as próximas definições e andamentos dos processos para sabermos como serão definidos os valores, como e quando serão feitos os pagamentos. 

Quem realizou acordo individual irá aproveitar do processo coletivo? Como proceder?  

Esta é uma pergunta extremamente importante, pois no Termo de Compromisso firmado entre a Vale e a Defensoria Pública foi prevista a solução consensual dos conflitos nos casos de liquidação individual. O que isso significa? Significa que os atingidos podem utilizar formas extrajudiciais para resolver esta demanda de reparação individual dos danos sofridos, mas não está impedido que também possam recorrer à via judicial.  

Então, aquelas pessoas que fizeram acordo extrajudicial com a Vale podem ingressar em outras modalidades de reparação, como a ação coletiva, para buscar a reparação de danos que serão reconhecidos após a finalização da Perícia. Isto, porque, as conquistas coletivas poderão ser aproveitadas pelo atingido que realizou acordo, sendo um direito do atingido receber a diferença dos valores ainda não reconhecidos e indenizados.  

Porém é importante destacar que estas previsões também foram pautadas pela Vale nos acordos extrajudiciais individuais. É preciso ter muita atenção na hora de assinar qualquer documento, principalmente os que envolvem algum acordo de quitação da indenização. Normalmente os acordos propostos pela Vale tem este efeito de limitar a possibilidade do atingido de também participar de qualquer outra forma de reparação integral.  

Então, finalizando a questão, entendemos que é direito dos atingidos, que firmaram acordo extrajudicial, receber a diferença de valores que não foram indenizados, porém é preciso estar atento no caso a caso, verificando as cláusulas de cada acordo. Nós sugerimos procurar um acompanhamento jurídico para verificar o caso e entender melhor quais possibilidades de atuação que poderão ser realizadas após o firmamento de um acordo extrajudicial com a Empresa.  

Em caso de falecimento do atingido antes da liquidação individual, como procederá à sucessão dos direitos?  

Cada caso precisa ser analisado individualmente, pois a situação que cada um se encontra pode influenciar nos direitos sucessórios dos familiares que ficam. Além disso, como ainda não estão definidos os critérios para o estabelecimento da condição de pessoa atingida e suas várias subcategorias, é difícil responder com precisão como cada familiar poderia atuar em caso de falecimento. O ideal é consultar um advogado particular ou a Defensoria Pública quando a fase da liquidação coletiva se iniciar. Ademais, o próprio Ministério Público também irá auxiliar no momento oportuno. O importante é ficar atento/a aos canais de comunicação das assessorias para saber os próximos passos e poder entender o que fazer a partir do seu próprio caso.