Cidades impactadas pela mineração: seminário em Brumadinho reuniu familiares e sociedade atingidos pela minério-dependência
Familiares de vítimas fatais, associações comunitárias e religiosas, ambientalistas e parlamentares se reuniram para buscar soluções conjuntas para territórios atingidos.

Um rompimento, 272 mortes, mais de 12 milhões de metros cúbicos de lama e inúmeros danos causados à natureza e a histórias de vidas. O Seminário Cidades Impactadas pela Mineração fez um balanço do que realmente fica para Brumadinho e para os territórios atingidos pela exploração de minérios em Minas Gerais.
Quatro anos após o rompimento em Brumadinho e sete depois do rompimento em Mariana, diferentes rastros deixados no solo, na água e na vida e memória de centenas de familiares mostram os impactos que a exploração de minério podem causar a cidades e regiões. As famílias atingidas continuam cobrando por justiça e punição às empresas que insistem em continuar e aumentar a extração de minério no estado.
“Porque se todos tivéssemos aprendido com Mariana, Brumadinho não tinha rompido. Mariana rompeu, depois de 3 anos Brumadinho também rompeu. Então, em 3 anos, a gente teve uma média de 300 mortes. Graças a Deus, pelo menos agora, tem sido feita ações para evitar que os rompimentos matem mais pessoas porque senão, o nosso estado de Minas Gerais, poderá matar muito mais”, afirmou Alexandra Andrade, presidente da Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão).
Além de Brumadinho, o evento reuniu associações e comunidades de Mariana, Macacos, Moeda além de estudantes, pesquisadores e ambientalistas. O seminário fez parte da programação em memória e denúncia dos 4 anos de rompimento realizada pela Avabrum e ocorreu no dia 24 de janeiro na Faculdade ASA, em Brumadinho.
Presente no Seminário, o Padre René Lopes foi pároco em Brumadinho durante anos e trabalhou no acolhimento às famílias que perderam entes após o rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão. Participando pela primeira vez em um evento sobre o tema após o desastre-crime, o padre se emocionou ao relembrar a morte de centenas de pessoas e todo o trauma vivido pela comunidade.
“Qual o impacto da mineração? Fica o lixo para nós darmos conta dele agora. Rompe-se uma barragem todos os dias no nosso coração. Rompe-se uma barragem todos os dias no meu coração. Há uma lama que invade a nossa vida todos os dias. Esse é o impacto”, respondeu Renê.

O padre citou trechos do hino da cidade de Brumadinho, que faz referência a suas belezas naturais, como as serras e o Rio Paraopeba; e chamou atenção para os impactos causados pela mineração. Ele também questionou a capacidade das empresas mineradoras de medir a dor e o sofrimento das famílias.
“Nós não vamos recuperar o rasgo da natureza, não vamos recuperar com máquinas e trabalhadores. E o impacto existencial, quem vai recuperar? Como se mensura uma indenização para o impacto existencial? A Vale, ela tem essa capacidade de mensurar uma dor, de mensurar a sua dor, de mensurar a dor de cada um de nós?”, afirmou René.
Memorial e a história contada pelos familiares
A psicóloga e familiar de vítima fatal, Kenya Paiva, da Avabrum, relembrou os impactos causados pela mineradora sobre a memória das 272 vítimas fatais. Um memorial idealizado pelos familiares em 2019 está sendo construído próximo à comunidade Córrego do Feijão. O local servirá como memória e também como sepulcro dos segmentos corpóreos das vítimas.

A Associação de familiares cobra e reivindica a governança do memorial para as famílias, para que elas administrem o memorial de maneira independente da mineradora.
“Não vamos aceitar a ingerência da empresa num espaço idealizado por nós, o espaço sepulcro. Naquele lugar, naquele vale de lama, a Vale será vista como Vale assassina. Essa história é nossa, então quem conta somos nós. Essa travessia nos pertence. Memorial para eternizar a história de 272 mortes da maior tragédia-crime da América Latina. 272 vítimas, presente, presente, presente”, afirmou Kenya.
Processo criminal contra os responsáveis
Em fevereiro de 2020, um processo criminal começou a tramitar na Justiça mineira com o acolhimento da denúncia do Ministério Público de Minas Gerais contra 16 pessoas por homicídio qualificado por 270 vezes (270 pessoas mortas). A denúncia também abrangeu a Vale e a subsidiária no Brasil da empresa de consultoria alemã Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da barragem que se rompeu.
Sob o risco de prescrição, com os quatros anos no dia 25/01 em Brumadinho, dois dias antes, a Justiça Federal aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 16 pessoas e as empresas.
Segundo o advogado do Observatório Penal de Brumadinho, Danilo Chammas, o o monitoramento dos processos é feito tanto no Brasil quanto na Alemanha. O acompanhamento é feito com duas instituições alemãs. Uma é o Centro Europeu para Direitos Humanos e Constitucionais e a outra é a Misereor.

“Além do processo penal que tramita aqui no Brasil, existe uma iniciativa lá na Alemanha, não só de processos indenizatórios, que já são bem conhecidos, mas para responsabilizar criminalmente, perante a Justiça alemã, os atores alemães que contribuíram com o crime, para que essa tragédia acontecesse”, explicou Danilo, que também é assessor jurídico da Renser (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário).
Mesa Comunidades
O seminário também contou com a participação das comunidades impactadas. Lideranças da Zona Quente e representantes do Comitê de Lideranças de Brumadinho, da comissão de atingidos de Paracatu de Cima (Mariana), e da comunidade de Macacos, também participaram da mesa.
O momento foi de apresentar a trajetória nesses 04 anos de cobrança por justiça e reconhecimento. Silas Fialho, liderança da Zona Quente e representante do Comitê de Lideranças de Brumadinho, lamentou os danos sentidos diariamente pela população brumadinhense e demora nas ações de reparação em Brumadinho.

“Brumadinho não é a cidade da reparação, é a cidade da indignação, da dor e do sofrimento de cada um de nós, que acorda, todo santo dia, e dorme clamando por justiça que é o mínimo. O mínimo que eles têm que fazer por nós. É o alento do familiar, é o alento do amigo, é o alento do parente, do conhecido, de uma cidade. Esse é o nosso clamor”, criticou Silas.
A verdade sobre a mineração
A educadora ambiental e ambientalista, representante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais (MovSAM), Teca, também chamou atenção para o lado dos impactos deixados pela mineração, para além do dinheiro e lucro das empresas.
“Ver claramente a verdade sobre a mineração. E não é ver só nos dados, no que é os impactos, é sentir o sofrimento que a mineração causa. E perceber a falácia que é impelida igual lavagem cerebral em Minas Gerais de que sem mineração a gente não vive. A gente percebe diariamente que não é real”, apontou Teca.

“Agir com força e conhecimento”
Cassilene Ribeiro Oliveira, liderança da comunidade de Macacos (Nova Lima-MG) relatou o sofrimento do território que sofre com o que chamou de “lama invisível” e os impactos da ameaça de um rompimento. Para ela, falta a participação e informação por parte das mineradoras.
“Aprendi que preciso participar da condução de cada rota de fuga, aprendi que cada seminário não pode ser um show, mas sim abrir a palavra para que a comunidade tire suas dúvidas e saiba quem é quem no plano de emergência”, disse.
Cassilene também relembrou que a comunidade precisou se apropriar do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM)
“Comecei brigando pelos direitos da minha comunidade, mas vi que isso ainda era pouco. Fui estudar o PAEBM, conversei e conheci muita gente. E hoje entendo que não basta apenas ficar gritando e pedindo justiça, é preciso agir com força e conhecimento”, afirmou.

Minério-dependência
O professor doutor André Luiz Freitas Dias, do Programa Polos de Cidadania da UFMG, falou sobre a minério-dependência e a relação prejudicial que causa aos territórios.
“A minério-dependência é um complexo processo histórico espetacular integrado de violenta e recorrente tentativa de instauração de histórias e pensamentos únicos, e de gestão totalitária das condições de existência e de resistência nos territórios, por parte das empresas mineradoras e dos governos. É fundamental analisarmos a minério dependência para além da questão financeira”, afirmou o professor.
O seminário também contou com a presença de deputados estaduais, vereadores dos municípios de Brumadinho e Mário Campos e representantes da prefeitura municipal e da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
Semana de Luta e de Luto
Do dia 22 a 25 de janeiro, uma série de atos e manifestações foram realizados clamando por justiça, memória e encontro de todas as joias do desastre-crime da Vale S.A, ocorrido em 25 de janeiro de 2019.

Dentro da programação de atividades dos 4 anos do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, também aconteceram:
Dia 22: Dia da Memória: familiares e ciclistas percorreram Brumadinho com nomes das 272 vítimas fatais.
Dia 23: “Ato Pelos Rios, Pelas Águas e Pela Vida”, em São Joaquim de Bicas..