Reparação Individual: atingidos exigem o direito à liquidação coletiva em reuniões com defensores públicos, procurador-geral e desembargador do TJMG
Atos ocorreram nesta segunda (05), dia Internacional do Meio Ambiente. A Aedas acompanhou os atingidos nos diálogos com representantes das Instituições de Justiça

No Dia Mundial do Meio Ambiente, atingidos da Bacia do Rio Paraopeba foram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e às sedes das Instituições de Justiça em Belo Horizonte denunciar os danos sofridos e cobrar pelo direito à reparação individual.
Após a suspensão da decisão que dava início à fase de liquidação da sentença no Paraopeba e a manifestação da Defensoria Pública contrária à liquidação coletiva, os atingidos da Bacia se reuniram em Belo Horizonte para uma agenda de diálogo com as instituições que são suas representações jurídicas no processo.



O ato ocorreu na sede do TJMG durante o turno da manhã. À tarde, as pessoas atingidas foram à sede da Defensoria Pública Estadual (DPE) e, em seguida, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Santana, atingida da comunidade Vale do Sol em São Joaquim de Bicas (MG), falou da importância do meio ambiente na vida das pessoas e lamentou a convivência com metais pesados na água e no solo das comunidades após o rompimento.

“As doenças, as águas contaminadas, os animais, a biodiversidade fazem parte da nossa saúde e fazem parte da nossa vida. Não é minério, não é metais pesados, ninguém vive sobre metais pesados nem sobre minério”, afirmou a atingida.
Reunião com desembargador
No TJMG, um grupo de atingidos se reuniu com o desembargador André Leite Praça, desembargador dos recursos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os atingidos apresentaram ao desembargador a visão dos territórios sobre o processo de reparação e denunciaram a gravidade que a demora de respostas está causando nas comunidades.
Na ocasião, também foi entregue uma Carta aos Desembargadores da 19ª Câmara Cível do TJMG. Confira o documento abaixo:

As pessoas defendem que a liquidação seja realizada em uma única ação judicial, de maneira coletiva, seguindo a decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu, no dia 14 de março, que foi suspensa pelo TJMG após recurso da Vale. Por meio da Liquidação Coletiva as pessoas podem contar com uma entidade científica (UFMG), além do apoio de suas ATIs e das próprias Instituições de Justiça para determinar: quem sofreu os danos; quais os danos foram sofridos; quais as provas desses danos; como deve ser a reparação e qual o valor de reparação de cada tipo de dano.
A Aedas foi convidada pelos atingidos a acompanharem a reunião com o desembargador. Enquanto Assessoria Técnica Independente, a Aedas explicou sobre o rito de aprovação dos processos no Tribunal.
O advogado Rawy Sena, da equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI), falou sobre o retorno da reunião no Tribunal de Justiça. Ele explicou que a decisão favorável à posição dos atingidos ainda não foi julgada.
“O desembargador informou que o recurso em questão, acerca da liquidação, ainda não está pronto para ser julgado, ou seja, não foram apresentadas todas as defesas para que o processo seja apreciado”, explicou Rawy.
Outro ponto tratado na conversa com o desembargador relator foi sobre o posicionamento da Defensoria Pública. No dia 16 de maio, a Defensoria Pública Estadual (DPE) se manifestou no processo discordando do procedimento de Liquidação Coletiva e sugerindo que sejam buscadas soluções amigáveis com a mineradora Vale S.A. Segundo a manifestação, cada pessoa atingida deve buscar individualmente a identificação, o reconhecimento, e a reparação de seus danos por meio de processos ou negociações individuais.

A posição não foi bem recebida pela população atingida que não foi ouvida pela Defensoria antes dessa manifestação.
“Os atingidos apresentaram (ao desembargador) que não concordam com a manifestação da Defensoria Pública porque se acham completamente desconsiderados, tendo em vista que não foram escutados pela Defensoria”, informou Rawy sobre a reunião no TJMG.
Reunião com defensores públicos

No turno da tarde, as pessoas atingidas foram à sede da Defensoria Pública de Minas Gerais, no bairro Barro Preto, em BH. Representantes das cinco regiões, acompanhados por suas assessorias técnicas, foram recebidos por defensores públicos. Na pauta, a manifestação da Defensoria do dia 16 de março, contrária a liquidação coletiva.
Os atingidos denunciaram a dificuldade de diálogo com a mineradora, com demandas emergenciais mais básicas como água potável, e do sentimento de injustiça após mais de 4 anos do rompimento.
Estiveram presentes na reunião com os atingidos a defensora pública Carolina Morishita e o defensor Antônio Lopes de Carvalho, que atuam no Núcleo Estratégico para Proteção de Vulneráveis em Situação de Crise em Minas Gerais. A defensora pública Caroline Loureiro, da Chefia de Gabinete também participou da reunião. A Defensoria se comprometeu em manter o diálogo e ouvir a população e as Assessorias Técnicas Independentes.
Flávia Gondim, advogada e coordenadora institucional da Aedas no Paraopeba, apontou a necessidade de um diálogo técnico sobre os caminhos processuais e lembrou que foram apresentados, pelas ATIs, estudos com alternativas ao processo.
“Como assessoria dos atingidos e assistente técnico das IJs, fizemos entrega de documentos que foram estudos detalhados, tanto em relação aos danos levantados como em relação aos caminhos processuais. A gente fez essas entregas e estamos à disposição. Se o espaço é para diálogo, e a discussão ela é de tese jurídica, nós, as assessorias técnicas, temos estudos que pensam os caminhos processuais”, apontou Flávia Gondim.
Durante a reunião na Defensoria, a Aedas sugeriu uma reunião com diálogo técnico e a retomada do Documento H, solicitado e entregue no ano de 2022 às Instituições de Justiça. O documento apresenta um estudo sobre os caminhos processuais.
Reunião com o procurador-geral

No final da tarde, os atingidos se dirigiram para a sede do Ministério Público de Minas onde foram recebidos pelo Procurador-Geral Jarbas Soares Júnior. Ele se comprometeu em defender os interesses da população atingida e a manter o posicionamento, por parte do Ministério Público, favorável à liquidação coletiva.
“Nós entendemos que o processo coletivo é o mais adequado, é o mais rápido, é o que já está na mesa. Então, a inversão disso agora será muito prejudicial. As pessoas já estão passando necessidade e, se nós entrarmos nessa discussão agora, nós não vamos chegar a lugar nenhum”, disse o procurador-geral aos atingidos.

Caminho mais justo e ágil
Para Joceli Andreoli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), não é possível que os atingidos enfrentem a Vale de forma individual, buscando individualmente advogados e gerando provas individualmente.
“O debate que nós estamos fazendo é que a liquidação deve ser coletiva dos direitos individuais, ou seja, nós temos que construir um caminho de saber identificar todos os atingidos com celeridade, de saber valorar o dano e ter uma aplicação ágil”, explicou Joceli.
Carta das crianças da Bacia do Paraopeba

Durante as reuniões no TJMG e nas Instituições de Justiça, foram entregues cartas escritas nos espaços da Ciranda pelas crianças atingidas, com o apoio da equipe de Pedagogia. O documento traz a leitura das crianças sobre os danos sofridos nos territórios e a necessidade de reparação com um olhar específico.
“Queremos ter o direito de sonhar, de ter uma vida boa, de poder ir para a escola tranquilas e brincar aonde for sem sentir medo. Queremos beber água limpa, comer comida saudável, nadar no rio, pescar e ter esperança de um dia ter o rio limpo. Queremos que nosso futuro seja melhor do que o que a gente vive hoje”, dizem as crianças na carta que também defende as Assessorias Técnicas Independentes.
Acesse o documento abaixo:
Equilíbrio de forças na Justiça

A liquidação coletiva é também um caminho que dá mais equilíbrio na relação atingido versus o tamanho econômico e técnico de uma mineradora multinacional como a Vale S.A. Por isso a defesa dos atingidos de reivindicarem coletivamente na justiça contra a poluidora-pagadora.
“A posição dos atingidos é que a liquidação se dê de maneira coletiva, até para tentar equiparar um pouco em relação à Vale, que é uma das maiores mineradoras do planeta, que tem todo o aparato técnico-financeiro para conseguir os melhores experts. Os atingidos, se não houver uma ação contundente do judiciário mineiro e das Instituições de Justiça que atuam no caso, eles não conseguirão, por via individual, ter uma reparação justa, tendo em vista a disparidade que há quando vai se judicializar algo ou litigar contra a Vale”, explicou o advogado Rawy Sena, da Aedas.
Meio Ambiente
O Dia Mundial do Meio Ambiente tem relação direta com a luta das pessoas atingidas por reparação. Cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração contendo diversos metais pesados e substâncias químicas, oriundas do processo minerário, foram lançadas no meio ambiente com o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A., em janeiro de 2019.
O desastre-crime resultou, ainda, em uma imensa tragédia humana com 272 vítimas fatais, das quais 3 ainda seguem não encontradas.
Os severos impactos socioambientais (sobretudo aqueles que representam potencial risco à saúde humana) e econômicos oriundos do desastre sociotecnológico têm como principal meio de contínua difusão as águas superficiais do rio Paraopeba, as águas subterrâneas, os solos, sedimentos, a fauna e a flora, agravando o contexto de danos e perdas aos atingidos e atingidas.
Texto: Valmir Macêdo