Três curtas produzidos pelas pessoas atingidas foram selecionados para a Mostra Educação: “Adolescer”, “Nós” e “Ciranda Encantada” 

Pessoas atingidas das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba, acompanhadas por técnicas da Aedas, na Praça Tiradentes, em frente ao painel da 20ª Mostra de Cinema de Ouro Preto | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Produzidos nas oficinas de comunicação promovidas pela Aedas Paraopeba em outubro de 2024, os filmes-memória criados por pessoas atingidas chegaram às telonas na 20ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, dentro da Mostra Educação, que ocorreu entre os dias 25 e 30 de junho. 

Os filmes selecionados integraram a programação com o tema central “Lugares de memória: acervos e acessos”, destacando experiências em que o audiovisual e a educação dialogam com as comunidades e territórios, apresentando diversas formas de experimentação sonora e imagética. 

Filmes selecionados: 

Frame do filme “Nós”, criado por pessoas atingidas de Brumadinho | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Adolescer: O filme acompanha a jornada de adolescentes atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, pertencentes às comunidades da Região 2 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas). A narrativa poética explora como as memórias desse evento atingem o processo de adolescer e como esses jovens, com coragem e resiliência, seguem na luta pela reparação.

Isis de Oliveira, comunicadora na Aedas Paraopeba e uma das produtoras do filme ‘Adolescer’, comentou sobre a produção do filme: “Foi muito gratificante poder participar da construção do filme com os adolescentes. Na Mostra, eles puderam ver todo o processo audiovisual que criaram chegar a outras pessoas, e isso foi emocionante, pois o objetivo era justamente esse: contar suas memórias e anseios por um futuro melhor, transpor limites e chamar a atenção para tudo o que ainda acontece no território atingido, para que, assim, se possa fazer justiça e garantir direitos”. 

Marcos Rocha, Yasmim da Costa e Laura Deolindo, diretores/as do filme Adolescer | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Nós: O filme reflete sobre o lugar e o território a partir de fotografias que revelam o passado, o presente e a esperança por um futuro de justiça para as pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale na Bacia do Rio Paraopeba. 

Diego Cota, um dos produtores do filme ‘Nós’ e comunicador da Aedas Paraopeba, comentou sobre sua contribuição no projeto: “Foi muito gratificante contribuir na construção do filme Nós. Durante toda a Oficina, foi notável o intenso envolvimento das atingidas na elaboração de cada fragmento para o vídeo, desde a escolha das fotos até a seleção dos efeitos sonoros. O filme reflete muito bem a narrativa coletiva, a partir da reflexão sobre a vida no território violado. É muito importante que essas vozes ecoem em espaços diversos da nossa sociedade, levando a denúncia sobre os danos causados pelo desastre-crime na Bacia do Paraopeba”.  

Foto oficial antes da exibição dos filmes, com pessoas atingidas do Filmes “Nós” e “Adolescer”, técnicas da Aedas e demais participantes e produtores que tiveram seus filmes selecionados | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Ciranda Encantada: O filme apresenta o relato de crianças atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Elas compartilham como a Ciranda Infantil transforma suas vidas, oferecendo momentos de alegria, novas amizades e a chance de resgatar a infância por meio do brincar e da conscientização sobre seus direitos. 

Luana Farias, coordenadora da Ciranda na Aedas Paraopeba e uma das produtoras do filme ‘Ciranda Encantada’, destacou: “É muito importante para nós — e para as crianças — assistirem aos seus filmes em tela grande. É uma oportunidade de verem seus processos de criação e produção dentro da Ciranda, e de terem suas histórias atingidas contadas para um público mais amplo”.  

Foto oficial da Sessão Educação Infâncias. Na imagem, as crianças atingidas de Brumadinho, Eloá e Maria Clara, junto às técnicas da Ciranda da Aedas Paraopeba. | Foto: Felipe Cunha/Aedas
Eloá Soares e Maria Clara Soares, crianças atingidas de Brumadinho que participaram do filme Ciranda Encantada, junto às técnicas da Ciranda, Janaina Rocha, Scarlet Souza e Luana Farias | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Encontro da Educação 

Elaine Bezerra durante a mesa “Territórios: memórias em comunidade” | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Durante a 20a Mostra de Cinema de Ouro Preto, também aconteceu uma mesa de debate promovida pela Rede Kino, da qual participou Elaine Bezerra, coordenadora de comunicação na Aedas Paraopeba.  

Elaine integrou a mesa “Territórios: memórias em comunidade”, que propôs refletir sobre o cinema como ato comunitário e político, capaz de fabular novos mundos possíveis a partir dos territórios e ressaltou o papel dos filmes-memória para a preservação da memória coletiva, destacando sua importância na disputa de narrativas. 

“A construção de um dispositivo fílmico que, a partir da memória pessoal e coletiva, contribui para fortalecer as pessoas atingidas e não deixar cair no esquecimento a dimensão do que foi o desastre-crime, no qual ceifou 272 vidas. A importância da mesa “Territórios: memórias em comunidade” foi justamente debater sobre os filmes-memória como parte dessa disputa de narrativa”, diz.  

Público participante da mesa “Territórios: memórias em comunidade” | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Vozes dos atingidos e histórias em foco 

Anastácia do Carmo, atingida de Brumadinho e mãe de uma das vítimas, esteve na mostra e participou do filme ‘Nós‘. Ela destacou:“Achei muito importante mostrar a diversidade no nosso filme ‘Nós’. Ele mostrou meu filho, vítima do rompimento, e um pouquinho do antes e depois do rompimento. O filme foi muito importante por trazer esses aspectos”. 

Anastácia do Carmo, atingida de Brumadinho e mãe de uma das vítimas, durante sessão de exibição do filme | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Maria Aparecida da Silva (conhecida por Paré), atingida da comunidade do Tejuco, em Brumadinho, também participou da mostra. Ela contou: “Perdi meu irmão no rompimento. Eu era agricultora na época, ele também. O filme ‘Nós’ deixou registrado um pouco de nós: muitas lembranças do que éramos e do que nos tornamos — algo que não escolhemos ser”. 

Eliana Ribeiro, também atingida do Tejuco, participou do filme ‘Nós’ e comentou: “Fiquei feliz de estar aqui hoje, de conhecer Ouro Preto, de estar em uma mostra de cinema. Agradeço à Aedas por essa oportunidade”. 

Eliana Ribeiro e Paré, moradoras atingidas do Tejuco | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Leandro Damasceno, também morador atingido do Tejuco e participante do filme Nós, refletiu: “O Nós é uma forma de sobrevivência não só nossa, mas do território — nós como futuro e como esperança. São memórias que, depois do rompimento, trouxeram outros nós”. 

Em foco, Laura Deolindo, Leandro Damasceno e Valdeci, pessoas atingidas pelo desastre-crime, durante a sessão de exibição dos filmes que protagonizam | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Laura Deolindo, adolescente atingida de Igarapé, e que participou do filme Adolescer, falou sobre o processo da construção do filme durante as oficinas de comunicação: “Dei ideia de algumas coisas, escrevi o poema que aparece no filme — eu gosto muito de escrever. O que eu mais achei legal foi que, onde gravamos a primeira parte, em uma sala de aula, tinha um caderno com o alfabeto em Libras, e eu pensei: por que não colocar isso no filme? Foi uma experiência muito boa”. 

Laura Deolindo, adolescente atingida de Igarapé e que participou do curta ‘Adolescer’ falando na sessão de debate pós-exibição dos filmes | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Maria Clara Soares, criança atingida do bairro Dom Bosco, em Brumadinho, expressou sua alegria ao estar na Mostra: “Estamos felizes em mostrar o nosso filme, o nosso filme Ciranda Encantada”. 

Eloá Soares e Maria Clara Soares, irmãs atingidas de Brumadinho e que participaram do filme Ciranda Encantada | Foto: Felipe Cunha/Aedas

Assista aos filmes  

Frame do filme “Ciranda Encantada” na exibição da mostra | Foto: Felipe Cunha/Aedas

A exibição dos filmes-memória em uma mostra de cinema para outros públicos, permitiu dar visibilidade às histórias pessoais e coletivas das pessoas atingidas.

Por meio dessas narrativas, o público pôde se aproximar, ainda que minimamente, da realidade das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem ocorrido em Brumadinho, compreendendo a profundidade dos danos sociais, emocionais e ambientais.  

As exibições dos filmes-memória contribuíram para sensibilizar e ampliar o diálogo sobre a urgência da reparação integral em territórios atingidos pela mineração e da memória coletiva, reafirmando o valor de ouvir as vozes daqueles e daquelas que viveram e vivem diretamente as consequências do desastre-crime. 

Confira os filmes exibidos na Mostra e mais seis produções realizadas nas oficinas de comunicação da Aedas: 

Filme-Memória – YouTube 


Veja mais fotos:

Texto e fotos: Felipe Cunha – Aedas Paraopeba 

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