Pessoas atingidas participam de Formação em Direitos Humanos nas regiões 1 e 2
Atividade incluiu debate sobre a cartilha Justiça sem Barreiras e registros no aplicativo de denúncias MP Radar Ambiental.


No dia 21 de junho, aconteceu a Formação em Direitos Humanos promovida pela Aedas, nas comunidades atingidas das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba. A iniciativa integra um conjunto de ações voltadas à promoção da justiça social e à garantia dos direitos humanos de grupos historicamente vulnerabilizados no território atingido.
Nas atividades, as pessoas atingidas dialogaram sobre a cartilha Justiça sem Barreiras – O impacto dos Marcadores Sociais da Diferença no acesso à justiça no contexto da reparação integral. O material apresenta personagens que representam o dia a dia das pessoas atingidas contando histórias que mostram como os marcadores — como raça, gênero, pessoas com deficiência, pessoas idosas, crianças, adolescentes e jovens, população LGBTQIAPN+ e pessoas que vivem em situação de desigualdade econômica – se manifestam na vida delas.
Formação e fortalecimento comunitário
A FDH foi um espaço participativo coletivo de aprendizado e fortalecimento político das comunidades atingidas. O objetivo foi oferecer informação acessível e crítica, dialogando com o conteúdo da cartilha e promovendo o protagonismo popular no processo de reparação.


Na R1, o encontro aconteceu na Pinacoteca de Brumadinho. Para Schirlene Gerdekin, da comunidade Aranha, o debate sobre vulnerabilidade no território é fundamental: “É importante para a gente nesse processo de reparação não esquecer de dar prioridade para esses grupos, porque num ambiente desse de crime, onde houve o rompimento, é necessário levar em consideração esses grupos que historicamente são mais sofridos.”


Na R2, a formação ocorreu na Escola Municipal Frei Groot em Betim. Maria Gorete da comunidade Santa Ana em Igarapé, fala sobre os direitos: “É muito importante, não só para mim, mas para toda a comunidade, saber quais os direitos que a gente tem e quais os deveres também. Na minha comunidade, falta água para o lugar que eu moro, por exemplo.” Ela reforça, também, que por ser uma mulher negra, o preconceito é uma barreira que incomoda e exclui: “Tem lugares que eu nem gosto de ir. Eu não gosto de ir por causa da minha cor.”
João Índio, liderança do povo indígena Aranã na R1, fala sobre acesso: “Às vezes você tem que ter só acesso como indígena ou como negro, como quilombola, isso é complicado. Mas eu acho legal quando você tem essa diferença, mesmo que seja um pouco mais barrado, é interessante porque você é tratado de maneira especial, diferente.”
Conversamos com Cecília Godoi, coordenadora geral da equipe de Marcadores Sociais da Diferença da Aedas, que explicou a motivação do trabalho: “A metodologia foi construída pensando nos marcadores sociais da diferença, considerando que para cada um dos marcadores existe um conjunto de regimentos, regras, legislações que protegem o direito das pessoas e isso garante acesso à justiça e a Aedas, a partir de diversas frentes, facilita o acesso a informações técnicas e jurídicas por meio da educação popular”.
Cecília Godoi disse ainda que “a partir disso, a gente consegue comunicar para as pessoas atingidas quais são os empecilhos e barreiras impostas quanto ao acesso a direitos e organizar uma série de informações e materiais físicos ou virtuais, onde elas possam estar cada vez mais compreendendo tanto a própria condição, quanto as formas de se comunicar e de fazer as suas reivindicações por direitos no processo de reparação.”
Iridiani Seibert, gestora da equipe MSD na Aedas também comentou sobre os objetivos dos trabalhos: “O objetivo foi dar instrumentos para as pessoas atingidas para fortalecerem sua organização enquanto sujeitos de direitos. Nesse sentido, a gente abordou as temáticas do acesso à justiça e a direitos a partir dos Marcadores Sociais da Diferença (MSD) trazendo um pouco do histórico do nosso país e como isso se reflete aqui no contexto do rompimento, como as pessoas atingidas são atravessadas pelos marcadores.”
Crianças e Adolescentes sujeitas de direitos
Enquanto os debates ocorriam nos grupos e plenária, as crianças e adolescentes também dialogaram sobre os temas da formação em Direitos Humanos em atividades propostas pela Aedas durante a Ciranda.
Jaddy Rodrigues, adolescente atingida de São Joaquim de Bicas, alerta: “Nós lutamos para tentar ver a melhora, para que não só os adultos, mas também as crianças e adolescentes vejam a realidade como ela é, porque junto nós conseguimos. A gente tenta reivindicar para ver se isso não acontece mais para os outros estados que estão saudáveis. É legal as crianças estarem presentes (no espaço participativo) para verem a realidade mesmo.”


Suporte no registro de denúncias


Além da cartilha, foi apresentado também o aplicativo “MP Radar Ambiental”, uma iniciativa do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão que fiscaliza e orienta todos os Ministérios Públicos do Brasil. O aplicativo, criado originalmente pelo MP do Amapá, é uma ferramenta que facilita a denúncia de crimes e danos ambientais em qualquer lugar do país.
As pessoas atingidas também receberam um manual explicativo produzido pela Aedas com o passo a passo para baixar e acessar o aplicativo. Nele, as denúncias podem ser feitas através de texto, fotos e vídeos.
Kalahan Battiston, da equipe MSD Aedas, destacou as funcionalidades do aplicativo: “A gente consegue ver no mapa vários pontos com vários tipos de crimes ambientais, que perpassam por queimadas, poluição sonora, poluição do ar e da água. Há uma lista grande de denúncias que você pode realizar lá. O aplicativo vem como mais uma ferramenta para dar visibilidade aos danos ambientais que as populações atingidas vêm enfrentando, principalmente na questão da reparação socioambiental.”
Marcia Medeiros, da Comunidade Tradicional Ribeirinha Rua Amianto, destacou que, para a sua comunidade o aplicativo será bastante útil: “Eu acredito que isso vai ajudar muito na luta da reparação, porque a gente vai ter mais acesso para poder fazer uma denúncia, principalmente na questão dos danos ambientais. É o que a gente precisa para poder ter uma reparação mais justa.”
Lúcio de Souza da comunidade FHEMIG, na R2, avaliou positivamente o aplicativo: “É só a gente pegar as especificações e fazer as denúncias, principalmente para a comunidade que está na beira do rio, que sabe o que a gente está passando. É muito bem-vindo o aplicativo, eu gostei.”
Frank dos Reis, da comunidade São Conrado em Brumadinho, também ressaltou a utilidade do aplicativo: “Ele ajuda a mostrar às pessoas que têm menos conhecimento em tecnologias que nós podemos, sim, contribuir e fazer denúncias.”
Desigualdades que se aprofundam
Os dados coletados a partir do censo do IBGE e de levantamentos feitos pela própria Aedas durante o cadastro e diagnóstico das famílias atingidas nas regiões 1 e 2, permitiu a escuta de centenas de pessoas. A análise desses dados revelou que as vulnerabilidades sociais preexistentes foram agravadas após o rompimento e durante o processo de reparação.
Em destaque, a cartilha também traz dados importantes no caso do acesso à água, conforme o quadro a seguir.

Em azul, temos os dados para o Brasil, em vermelho para a R1, em amarelo a média dos dados dos municípios que compões a R2, em verde a população atingida e assessorada pela AEDAS na R1 e em laranja para a R2. Assim, entende-se que no Brasil; 16% da população não tem abastecimento pela rede geral de água, mas para R1 a proporção é maior que a média nacional, representando 21,2% da população. Já na R2 a porcentagem de quem não possui abastecimento pela rede geral de água é bem menor se comparada à média nacional, representando 4,1%.
Podemos ver ainda, que as pessoas assessoradas pela Aedas nas duas regiões, possuem uma porcentagem significativamente maior de falta de acesso à água encanada do que a população total (R1 – 48,2%; R2 – 9,82%), o que pode indicar maior vulnerabilidade dessas famílias.
“A gente vê que, entre as comunidades assessoradas, temos uma discrepância numérica enorme, por exemplo, em relação as pessoas que não têm acesso à água encanada e tratada. O que a gente tem visto comparado a média estadual e à média nacional, é um dado que chama atenção e reforça como é ver uma população vulnerabilizada. Com a gravidade do rompimento da barragem, a gente compreende que, se essa comunidade não tivesse nessas condições – de vulnerabilidade social, econômica e política -, o rompimento teria muito menos chance de acontecer”, comenta Cecília.
O papel do sistema de justiça e da ATI
A cartilha também orienta sobre o funcionamento do sistema de justiça e apresenta os principais atores envolvidos, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Poder Judiciário e o próprio Estado. Além disso, são apresentadas ferramentas jurídicas importantes, como a Ação Civil Pública (ACP), que tem papel estratégico no processo coletivo de reparação dos danos.
“A ação civil pública é uma ferramenta usada para defender direitos difusos e coletivos de um grupo que sofreu o mesmo tipo de dano. É um importante instrumento de luta por parte das organizações não governamentais e, no caso do Brasil, temos um avanço e uma alteração positiva nas possibilidades de construção de proteções ao meio ambiente e às populações atingidas a partir de crimes ambientais”, destaca Cecília.
Justiça sem barreiras: um horizonte possível
A Formação em Direitos Humanos marca mais um passo na caminhada por justiça social, equidade e reparação digna para todas as pessoas atingidas. Ao reconhecer e enfrentar as desigualdades, constrói-se um caminho mais justo, com participação e respeito às múltiplas vozes da comunidade.
“Temos a defesa das Assessorias Técnicas Independentes, que tornam essa construção possível como uma resposta voltada ao fortalecimento de todos e quaisquer mecanismos que busquem a proteção dos direitos humanos e dos direitos ambientais – que sabemos não ser separados Construímos tudo isso como uma ferramenta para empoderamento das comunidades atingidas e como uma reivindicação cada vez mais lúcida sobre a garantia de direitos”, conclui Cecília.
Texto: Isis Oliveira e Lucas Jerônimo | Aedas