Em entrevista à Aedas, o pesquisador e advogado Emiliano Maldonado (ADAI) explica sobre o marco regulatório proposto pelo Veredas Sol e Lares.


Emiliano Maldonado, advogado, pesquisador e assessor da Adai, em apresentação sobre marco Regulatório para gestão popular da geração distribuída. Registro feito durante seminário microrregional Revelações (Grão Mogol, agosto de 2022). Fotografia: Assessoria de Comunicação Aedas

A inovação no projeto Veredas Sol e Lares (D0632) é de diversas dimensões: na dimensão técnica, inova ao construir a maior usina fotovoltaica flutuante do Brasil, entregando resultados que podem contribuir no aprimoramento dessa modalidade de geração de energia; em termos metodológicos, propõe formas de participação popular na elaboração de propostas e diretrizes para o desenvolvimento socioeconomico, contribuindo para construir novas formas de planejamento com participação comunitária; em termos de gestão, constroi a primeira experiência de gestão popular e associada da geração distribuída do Brasil. A criação dessa nova forma de administrar a geração distribuída de energia elétrica só é possível com o engajamento das comunidades desde o início do projeto, em março de 2018, momento a partir do qual teve início o trabalho de pesquisadores populares no acompanhamento e participação informada das comunidades de abrangência do D0632.

Para possibilitar essa nova perspectiva sobre a gestão da geração distribuída, o projeto Veredas Sol e Lares também teve de construir inovações jurídicas, ou seja, propor formas de descrever e regulamentar as atividades da primeira associação de prossumidores da geração distribuída de energia elétrica no Brasil. Esse trabalho é chamado de construção do marco regulatório da Associação Veredas Sol e Lares. Sendo assim, foi necessário construir um estatuto que fizesse valer os princípios participativos construídos junto às comunidades e que respeitasse a legislação federal sobre a geração distribuída de energia elétrica no Brasil.

Para conduzir essa tarefa, a Aedas contratou a Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (ADAI), instituição que atua como consultora técnica no D0632. Compreenda melhor a ADAI e o trabalho de construção do marco regulatório, acompanhe a entrevista com Emiliano Maldonado Bravo, assessor da ADAI vinculado ao D0632. Doutor em Direito, Política e Sociedade no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), emiliano é professor, pesquisador e advogado

“O projeto Veredas também é inovador (…) pois de forma inédita propõe um projeto que conjuga a construção de uma experiência tecnológica fotovoltaica inovadora com propostas metodológicas participativas que estimulam a criação de tecnologias sociais voltadas para atender os interesses das populações de baixa renda na região”.

ASCOM VEREDAS – O que é a ADAI e qual o papel dessa associação no projeto P&D0632? Quais os principais produtos de seu trabalho?

EMILIANO (ADAI) – A Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual (ADAI) foi contratada pela AEDAS para a prestação de serviços de consultoria técnica no projeto Veredas Sol e Lares. Ela atua no projeto desenvolvendo atividades e produtos referentes ao “marco regulatório” e à construção de “metodologia de participação social”. Essas atividades fazem parte da implementação, operação e manutenção da usina solar fotovoltaica flutuante construída sobre o reservatório da PCH Santa Marta no município de Grão Mogol, Minas Gerais, pelo P&D0632.

A ADAI foi fundada em 1993 e hoje atua no território nacional. Ela iniciou seus trabalhos na Região Sul do Brasil com a missão de representar e garantir a defesa dos direitos dos atingidos por barragens. A ADAI presta assistência social, serviços de assistência técnica e extensão rural à seus associados que são, em maioria, famílias ribeirinhas ou reassentadas. Há 28 anos, a ADAI estabelece convênios de cooperação técnica para prestar serviços a famílias atingidas por barragens e a atores sociais do sistema elétrico brasileiro. Com isso, a entidade assiste hoje diretamente cerca de 14.000 pessoas em mais de 41 projetos executados. A associação trabalha com parceiros públicos e privados, a nível nacional e internacional, tendo inclusive recebido premiações nacionais. A própria ELETROBRAS considera a ADAI uma referência na assistência técnica das famílias atingidas por barragens. 

ASCOM VEREDAS – Quais são os princípios que orientam esse trabalho de assessoria? Como eles são aplicados à experiência do Veredas Sol e Lares?

EMILIANO (ADAI) – Os profissionais e voluntários de diversas áreas de atuação (técnica, financeira, administrativa e jurídica) trabalham com metodologias da matriz freiriana. A educação popular inspira a atuação da entidade e sua relação com as populações assistidas. A entidade conduz experiências de pesquisa-ação e pesquisa militante construídas na assessoria jurídica popular, além de fortalecer metodologias participativas em projetos no campo das tecnologias sociais. O próprio Projeto Veredas Sol & Lares é um exemplo disso. Essas diversas experiências produzem uma influência econômica e social de alcance muito maior, em nível local, regional e nacional.

Atualmente a ADAI trabalha na articulação e implementação de ações nas áreas das tecnologias sociais. Por exemplo, placas solares de baixo custo para aquecimento de água, cisternas para captação de água e a Produção Agroecológica Integrada e Sustentável – PAIS. Tudo isso com a finalidade de melhorar as condições de vida das Famílias atingidas por Barragens em todo o território nacional. Outra ação importante da ADAI são os programas de capacitação e formação com atingidos por barragens e parceiros. Esse trabalho tem o intuito de fortalecer a auto-organização das populações atingidas e desenvolver metodologias de participação social que fortaleçam a transição energética, estimulando e popularizando a produção fotovoltaica de energia elétrica no Brasil.

Em resumo, há cerca de três décadas a ADAI realiza pesquisas e projetos que revelam o grande potencial sociotransformador da aliança entre a promoção de direitos e o acesso à produção de energia solar.

ASCOM VEREDAS – O projeto Veredas é considerado inovador em diferentes dimensões: de engenharia, metodológico, distributivo, de pesquisa, regulatório… Gostaria que você falasse de alguns aspectos desse pioneirismo. Qual o contexto atual do investimento público em P&D na área energia no Brasil e em Minas Gerais? Qual o padrão de distribuição desses recursos e como o Veredas se insere nesse contexto? 

EMILIANO (ADAI) – Sempre é bom recordar que o investimento público em Pesquisa e Desenvolvimento [P&D] do setor energético está determinado por duas normativas: A primeira é a Lei nº 9.991/2000, que trata da política de P&D do setor elétrico no Brasil. A outra são os parágrafos 1º e 2º do Artigo 218 da Constituição Federal de 1988, que determina a finalidade da pesquisa tecnológica no país. Estamos falando de um valor significativo de recursos que devem atender uma finalidade social e os ditames constitucionais que direcionam as pesquisas científicas do Brasil. Entre 0,5% a 1% da receita dos agentes do Sistema Elétrico Brasileiro são destinados para a projetos de P&D. Esse montante atinge em torno de R$ 2 bilhões por ano.

Contudo, mesmo tratando-se de investimentos previstos em lei, verifica-se que o padrão de investimento não priorizou a região do semiárido de MG.Sobretudo, observa-se uma carência de projetos de P&D voltados para pensar inovações e tecnologias voltadas para a população de baixa renda.

Portanto, o projeto Veredas também é inovador nesse aspecto. Pois de forma inédita propõe um projeto que conjuga a construção de uma experiência tecnológica fotovoltaica inovadora com propostas metodológicas participativas que estimulam a criação de tecnologias sociais voltadas para atender os interesses das populações de baixa renda na região. 

ASCOM VEREDAS – Agora, em aspectos regulatórios: Quais os principais traços do marco regulatório proposto pelo Veredas Sol e Lares? Quais os principais traços da legislação sobre geração distribuída no Brasil? Como o Veredas incide sobre ela?

EMILIANO (ADAI) – No tocante ao marco regulatório, o projeto Veredas viabilizou a criação da maior Associação de Prossumidores do Brasil, que almeja abarcar centenas de famílias mineiras. Além disso, trata-se de uma experiência inédita pela sua dimensão quantitativa e qualitativa, pois essa associação terá um número elevado de beneficiários que tradicionalmente não teriam condições econômicas de adquirir esse tipo de tecnologia para geração distribuída de energia elétrica. Soma-se a isso o fato de que essa associação criará um “consórcio” com a AEDAS, a fim de que as duas possam seguir gerindo e fortalecendo o processo organizativo dessas famílias.

Esse tipo de arranjo institucional permite que as duas entidades tenham a sua independência, mas ao mesmo tempo prevê uma série de atividades e objetivos em comum entre as associações consorciadas. 

Sobre a legislação da geração distribuída no Brasil, importante mencionar que foi aprovada recentemente a Lei º 14.300/22, a qual estabeleceu um novo marco regulatório nessa temática. Nesse sentido, a ADAI e AEDAS acabaram acompanhando o desenvolvimento do marco regulatório do setor e incidindo no seu aprimoramento. Dentre as melhorias verificadas, podemos apontar que a nova legislação permitiu uma diversidade maior de  modalidades institucionais e também instituiu o Programa de Energia Renovável Social PERS, que abre um leque de possibilidade de investimentos para a população de baixa renda.

ASCOM VEREDAS – Você considera ser possível replicar a experiência de gestão popular da geração distribuída do Veredas no Brasil? Quais as condições para isso e quais seriam os benefícios dessa expansão?

EMILIANO (ADAI) – Sim, é possível replicar e aprimorar a experiência de gestão popular da GD do Veredas no Brasil. Contudo, esse tipo de experiência exige um conjunto de investimentos públicos que precisam ser assumidos pelo Estado. Esses investimentos precisam ser efetivados a partir de políticas públicas direcionadas para a população mais pobre do país. 

A replicação desse tipo de projeto poderia trazer inúmeros benefícios sociais, ambientais e, inclusive, econômicos para a região e para o sistema elétrico. Dentre as possibilidades observadas ao longo do projeto, foi verificado que haveria viabilidade econômica para replicar o projeto veredas e torná-lo uma ferramenta para efetivar a transição energética para o público de baixa renda.