Estudos indicam sítios arqueológicos e reivindica reconhecimento da Capela Velha como lugar de lazer, turismo, trabalho e práticas religiosas

Moinhos da Capela Velha no Aranha (Brumadinho) | Foto: Gabriela Azevedo – Aedas

Atendendo a uma demanda territorial de lideranças da Associação Comunitária de Aranha, a equipe técnica da Aedas realizou uma série de visitas e entrevistas acerca da área “Capela Velha”, território de grande relevância na perspectiva da memória, do Patrimônio cultural e arqueológico, da comunidade de Aranha, em Brumadinho.

Os estudos resultaram na produção de um Dossiê que identifica um conjunto de sítios arqueológicos e patrimônio de valor histórico, cultural e natural, além de evidenciar e reivindicar o reconhecimento da Capela Velha como lugar de uso e ocupação tradicional pela comunidade de Aranha nos últimos 300 anos, para atividades laborais, de lazer, turismo e práticas religiosas.

Águas abundantes e ocupação tradicional

O distrito de Aranha possui uma vasta história de ocupação territorial, remetendo a povos originários e posteriormente à ocupação de bandeirantes e povos afrodiaspóricos escravizados, que, no séc. 18 construíram um complexo sistema de mineração de ouro no curso das águas da antiga Fazenda Capela Velha. Esse sistema envolvia longos canais hidráulicos e outras estruturas como muros de pedra, cujas ruínas constituem patrimônio arqueológico de grande relevância, em grande parte preservados.

Constituindo o mesmo conjunto histórico do séc. XVIII, havia a capela que deu o nome ao lugar e da qual restam bases da sua estrutura e marcas no chão.

Conjunto de moinhos hidráulicos | Foto: Gabriela Azevedo – Aedas

A antiga fazenda pertencia ao bandeirante José Cerqueira Aranha, cuja influência e poderio estão ligados à própria fundação e nomeação do distrito de Aranha. O território tradicionalmente conhecido como Capela Velha sempre foi de crucial importância na formação socio-histórica, cultural e ambiental da região, pois suas águas abundantes movimentaram modos de vida, economia, constituíram identidade e memória, e abasteceram todo o povoado e região durante séculos.

Foto 1: Águas e Corredeira na área Capela Velha | Foto: Gabriela Azevedo – Aedas

“A água da Capela Velha foi uma água que serviu a todo mundo do Aranha. Porque não tinha água aqui. Eu construí minha casa com a água da Capela Velha. Buscava lá no carrinho, e construí minha casa com a água da Capela Velha. Tinha moinho, eu moía lá milho no moinho de água” (Depoimento de moradora da comunidade de Aranha, C. 73 anos).

No início do século 20 essas águas e corredeiras eram intensamente utilizadas na movimentação dos tradicionais moinhos de pedra, que garantiam o fubá, alimento essencial das famílias e dos animais de criação da época. Nas décadas seguintes, o lugar também teve centralidade nas práticas de lazer, recreação, banhos, turismo e passeios ecológicos da população local e visitantes.

“Nasci aqui no Aranha, tenho 61 anos, tenho 3 netos. A história que eu tenho [da Capela Velha] é que a gente ia todo final de semana pra lá, meus primos de fora vinham nas férias, as amigas da irmã que estudavam fora vinham, meus primos que vinham de SP, era o lugar que a gente tinha pra apresentar.” (Depoimento de moradora da comunidade de Aranha, J. 61 anos).

Compras de terras por empresas, desinformação e restrição de acesso

Em 2022 a comunidade foi surpreendida por informações não oficiais sobre a compra da área pela Vale S.A., mineradora responsável pelo rompimento da barragem que ceifou 272 vidas em Brumadinho e que segue produzindo danos recorrentes e em cadeia em todo o território.

A comunidade de Aranha relata que, com o desastre-crime, houve enlutamento coletivo, interrupção ou perda de atividades culturais, de lazer e recreação, contaminação de águas, solo e ar, desencadeando graves danos à saúde física e psicológica de moradores, bem como a sensação de medo e incerteza acerca do futuro.

Há ainda relatos sobre o aumento excessivo do tráfego de caminhões e outros veículos, produzindo efeitos como poluição sonora, riscos à saúde e à integridade da vida das pessoas, e ainda a perda da liberdade de ir e vir, afetando sobretudo mulheres, crianças e idosos.  

Diante desse cenário, a possível compra de terras pela empresa geradora de danos, torna-se uma fonte de violação de direitos das pessoas em processo de luta por reparação integral, haja visto que se trata de uma área de relevância histórica, arqueológica e ambiental da comunidade.  

A incerteza, desinformação e falta de respostas em relação à aquisição das terras e seus possíveis usos intensificam esses danos. Moradores relatam que, ainda que o território fosse há décadas propriedade particular, sempre foi possível o acesso para práticas de lazer, recreação, turismo ecológico, encontro, convivência comunitária, visitação aos moinhos de pedra e ruínas históricas.

A partir da suposta compra das terras pela Vale S.A., o território tradicional passou a ser monitorado por drones e seguranças, que restringem o acesso da população local a um lugar essencial em sua constituição de identidade e memória.

“Já aconteceu comigo de tentar entrar [na Capela Velha] e eles não deixarem, mas isso machuca, é a mesma coisa de bater na gente.” (Depoimento de morador da comunidade de Aranha, J. 73 anos).

Capela Velha: patrimônio a ser protegido

É importante destacar que, de acordo com a legislação, os sítios arqueológicos que compõem o conjunto da Capela Velha, cadastrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), por arqueóloga da Assessoria Técnica Independente, passam a ser de interesse nacional, sendo “proibidos o aproveitamento econômico, a destruição ou a mutilação dos sítios arqueológicos, antes de serem pesquisados por arqueólogas e arqueólogos” (BRASIL, 2018), com a devida autorização do Iphan.

Imagem do Povoado de Aranha, já denominada Jesus, Maria e José de Boa Vista do Aranha | Fonte: Jardim e Jardim, 1982

O Art.5 da Lei n°. 3.924/1961 define que “qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se refere esta Lei será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e como tal, punível de acordo com o disposto nas leis penais”. Importante pontuar que a preservação dos sítios arqueológicos é direito e dever de todos os cidadãos, e uma competência comum da União, dos estados e dos municípios.

Somando-se a esses elementos, temos ainda a diversidade ecológica de uma mata ciliar bem preservada, com fontes de água e grande potencial turístico de base comunitária. A comunidade de Aranha reforça, assim, a reivindicação de reconhecimento deste território como patrimônio cultural do Estado de Minas Gerais.

Nesse sentido, o “DOSSIÊ CAPELA VELHA: memória, patrimônio cultural, arqueológico e natural na comunidade de Aranha, Brumadinho-MG”, encaminhado à Associação Comunitária de Aranha faz um levantamento dos aspectos históricos, culturais e arqueológicos da Capela Velha, atentando para a necessidade de proteção integral de todo o seu conjunto arqueológico e de seu reconhecimento como território de ocupação tradicional.

Dossiê Capela Velha

Acesse o documento DOSSIÊ CAPELA VELHA: Memória, patrimônio cultural, arqueológico e natural na comunidade de Aranha, Brumadinho.