Mobilização cobra respostas mais céleres na justiça e busca no caminho coletivo uma garantia para reparações individuais mais justas

Atingidos participam de ato público por direitos em BH – Foto: Felipe Cunha/Aedas

Quatro meses antes de completar cinco anos do desastre-crime, a população atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho aguarda por respostas efetivas para os danos causados aos seus direitos individuais. 

Na manhã desta terça-feira (26), dezenas de pessoas ocuparam a frente da 2ª Vara da Fazenda Estadual, em Belo Horizonte, para cobrar participação e a garantia de que liquidação da sentença genérica, que condenou a Vale a reparar todos os danos causados pelo rompimento, ocorra pelo processo coletivo.

Reunião com juiz Murilo Silvio de Abreu 

Dentro do prédio da 2ª Vara da Fazenda, lideranças atingidas das cinco regiões da Bacia do Rio Paraopeba e Lago de Três Marias, junto do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e das três Assessorias Técnicas Independentes (Aedas, Nacab e Guaicuy), se reuniram com o juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo processo, e a ele entregaram carta de reivindicações das comunidades atingidas sobre a liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos e a importância das Assessorias Técnicas Independentes.

Lideranças atingidas se reúnem com juiz da 2ª Vara da Fazenda, em Belo Horizonte. Na mesa, representantes das IJs – Foto: Felipe Cunha | Aedas

De acordo com Flavia Gondim, da coordenação institucional da Aedas, o saldo foi positivo. “Foi reforçada a dimensão do reconhecimento das pessoas atingidas, todos os pontos da decisão que precisam ser mantidos e ainda reafirmamos a disposição, como Assessoria Técnica, para contribuir, tanto com o diagnóstico desenvolvido em todo esse tempo, como também com os estudos e pareceres jurídicos, enquanto assistentes das IJs e assessoria dos(as) atingidos(as)”, pontuou. 

Também foi frisada por parte da Aedas a importância das ATIs seguirem atuando no processo, que “a paridade de armas em relação à Vale precisa ser garantida”. 

As pessoas atingidas ali presentes e o Movimento dos Atingidos por Barragens destacaram a dimensão do desastre-crime e ressaltaram a importância de que as autoridades responsáveis deem celeridade ao processo e respostas efetivas. 

A reunião com o juiz contou com representantes da Defensoria Pública Estadual (DPE) e do Ministério Público Estadual (MPMG), que fizeram falas sobre a importância daquele momento. 

Participação por direitos

Nascida e criada no Tejuco, em Brumadinho, Dona Valdeci Rodrigues, 67 anos, foi junto com amigas e vizinhas da sua comunidade para o ato em Belo Horizonte. Segurando um cartaz nas mãos, ela cobra que a empresa poluidora cumpra com suas responsabilidades.

“Fui muito prejudicada. Eu tinha minhas galinhas, depois desse “trem da Vale” (rompimento) perdi minhas galinhas, eu mexia com costura. Tem horas que a gente não tem cabeça pra nada, meus neto com problema de saúde. É muita poeira, a gente limpa a casa de manhã e de tarde já está suja. A gente tá muito prejudicado. É muito complicado e tem complicação até hoje. Na Globo, a Vale tá fazendo tudo, mas a gente não tá tendo resposta. Eu só quero meu direito”, conta.

Dona Valdeci Rodrigues, de Brumadinho, durante ato público em BH – Foto: Valmir Macedo/Aedas

A pauta das pessoas atingidas havia sido contemplada em uma decisão de 14 de março de 2023. Nessa decisão, o juiz aceitou a petição apresentada pelas Instituições de Justiça (IJs) em agosto/2022 com pedido de instaurar “Liquidação de Sentença” para dar início ao processo de apuração dos danos individuais causados pelo rompimento às pessoas atingidas. Pouco menos de um mês depois, a Vale S.A. recorreu da decisão. O pedido da mineradora foi acolhido e a decisão foi suspensa.

No dia 6 de setembro, o juiz Murilo Silvio de Abreu se retratou da decisão e o processo coletivo voltou para a 1ª instância, para que ele tome uma nova decisão.

A Vale deve se manifestar até o dia 2 de outubro sobre a petição das Instituições de Justiça que requereu a liquidação coletiva em agosto de 2022.

A reunião e o ato desta terça reforçaram a pauta das pessoas atingidas para que a decisão se mantenha favorável aos territórios atingidos. 

E o que é liquidação?

A palavra “liquidação”, no sentido jurídico, significa determinar o objeto da condenação, permitindo que a fase de execução do processo seja possível. Ou seja, permite que as pessoas atingidas saibam exatamente o que é devido, individualmente, pelos danos causados pelo rompimento.

São objetivos da fase de liquidação:

1. definir QUAIS são os danos que podem ser indenizados;

2. definir os VALORES/PREÇOS desses danos (valoração/precificação). A Aedas entende que as pessoas atingidas devem decidir, a cada caso, se a reparação será por meio de indenização (pagamento em dinheiro correspondente ao prejuízo), compensação (substituição daquilo danificado por algo similar) ou recuperação (retorno daquilo danificado às suas condições originais);

3. definir QUEM SÃO as pessoas credoras, ou seja, as pessoas que têm direito a esses valores e

4. indicação das FORMAS E CRITÉRIOS de comprovação da situação de pessoa credora.

Reunião sobre PTR com Instituições de Justiça e FGV

Uma outra agenda de mobilização das pessoas atingidas foi no Ministério Público Estadual (MPMG). Na pauta, o Programa de Transferência de Renda (PTR), uma medida de reparação socioeconômica prevista do Anexo I do Acordo Judicial de Reparação, que trata dos danos coletivos.

Dentre as reclamações das pessoas atingidas, estão a não inclusão de comunidades atingidas no programa, até hoje sem ter acesso ao PTR; dúvidas sobre as diferenças entre as poligonais e os georeferenciamentos; e ainda as divergências de acesso ao direito entre pessoas da mesma família, com casos de inclusão de uma pessoa e negação para outra.

As pessoas atingidas também reivindicam transparência da FGV nos cadastramentos por comunidade. Uma das pautas apontadas pela Região 2 é a localização do escritório da FGV para os demais municípios e também a denúncia da redução dos pontos de atendimentos volantes.

Na Região 1, Brumadinho, há conflitos porque algumas pessoas recebem 100% e outras não. Outro ponto diz respeito a previsão de pagamento de casos com revisão e de informações mais precisas sobre pagamentos de retroativos.

A Aedas, enquanto assessoria técnica, tem encaminhado uma série de ofícios e pleitos coletivos.

A reunião contou com a presença de Priscila Chagas, gerente de campo do da FGV e de Rodrigo Santos, da coordenação do PTR pela FGV, no Núcleo de Relacionamento do Programa.

Pelas Instituições de Justiça, estão a promotora Shirley Machado, do Ministério Público Estadual, e a defensora pública Carolina Morishita, da Defensoria Pública Estadual.

Atingidos participam de reunião no MPMG, em BH – Foto: Valmir Macedo/Aedas

Nas demais regiões da Bacia do Paraopeba, uma das reclamações das pessoas atingidas é a ausência de poligonais. As poligonais são os mapas territoriais que delimitam quais comunidades têm direito a serem incluídas no Programa. Muitas regiões atingidas em toda a bacia denunciam estarem isoladas do direito ao PTR.

Documentos elaborados pela Aedas

Leia o Memorial de Demandas Emergenciais abaixo:

Leia a Sistematização de Demandas abaixo:


Fotos do Ato ‘Atingidos e Atingidas de MG e ES em Luta” em Belo Horizonte

Atingidos do Rio Doce e Paraopeba se encontram e unificam as lutas no dia 26/09/2023 – Fotos: Felipe Cunha e Patrícia Sousa / Aedas

Veja também: