Atingidos e atingidas do Paraopeba realizam ato em Belo Horizonte pela continuidade do auxílio emergencial
Com o fim do PTR anunciado para outubro, lideranças cobram celeridade da justiça no julgamento da ação civil pública em trâmite na Segunda Instância

Atingidos relembraram, por meio de cartazes, os danos relacionados ao desastre-crime | Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Em dia de luta promovido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), centenas de pessoas atingidas das cinco regiões da Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias, atingida pelo desastre-crime da Vale em Brumadinho, se reuniram nesta quinta-feira (25/09), em Belo Horizonte, para cobrar da justiça mineira uma solução diante do fim do Programa de Transferência de Renda, anunciado para o próximo mês.
Atualmente, está em trâmite no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) uma Ação Civil Pública que pede a criação de um novo auxílio emergencial para a população atingida. Próximo do fim do PTR e sem a perspectiva de início de um novo auxílio, as lideranças e o movimento dos atingidos alertam para o agravamento das vulnerabilidades do território.

Ato reuniu atingidas e atingidos das cinco regiões da Bacia | Foto: Valmir Macêdo
O dia de luta teve sua concentração no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), na região Centro-Sul da capital. De lá, os atingidos realizaram uma marcha até a Unidade Afonso Pena do TJMG, onde promoveram uma manifestação durante a manhã.
No TJMG, lideranças atingidas, representantes do MAB e das ATIs foram recebidos pela juíza auxiliar da Presidência Marcela Maria Pereira Amaral Novais para uma reunião. O objetivo foi dialogar sobre as pautas que estão em andamento no tribunal, em especial a ação referente ao novo auxílio emergencial.
Na ocasião, foram entregues para a juíza uma carta-manifesto das Comissões de atingidas e atingidos das Regiões 1 e 2 solicitando ao presidente do TJMG a urgência no julgamento da Ação Civil Pública, um memorial da ação elaborado pelo MAB e o estudo elaborado pela Aedas sobre a continuidade do PTR.
De acordo com a juíza Marcela, o julgamento deve acontecer apenas em novembro, uma vez que ainda não foi definida pelo TJMG a câmara de direito público que vai julgar a ação.
Confira abaixo os documentos entregues no TJMG:
No TJMG, também foi entregue pelas pessoas atingidas o estudo “PTR: continuidade e não redução”, um estudo requerido pelas Comissões de Atingidos e Atingidas das Regiões 1 e 2.
Lideranças e movimento cobram celeridade da justiça frente ao fim do PTR
Neste dia 25, completam 6 anos e 8 meses do rompimento que matou 272 pessoas e levou devastação ambiental e uma série de danos socioeconômicos, socioambientais e às tradições em centenas de quilômetros ao longo da calha do Rio Paraopeba até a Represa de Três Marias.
A população atingida segue sofrendo na pele os danos do desastre-crime da Vale. O PTR era, até então, a única reparação palpável na vida das pessoas, que não puderam ver no território, e em especial no rio, a reparação prometida pelo Acordo Judicial, assinado pelas Instituições de Justiça, Estado de Minas Gerais e Vale, em 2021.
A falta da reparação na vida das pessoas é a principal queixa e argumento para a continuidade de um auxílio emergencial, como está previsto na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab) e na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
A atingida Claudia Saraiva, da comunidade Ponte das Almorreimas, de Brumadinho, destacou que a finalização do PTR acontece de forma diferente do que havia sido definido no Acordo. “O emergencial era a única garantia que o povo tinha para comer. A gente veio pedir celeridade. Não era essa a promessa, era gradativamente para que as pessoas se preparassem. É preciso que esse emergencial venha para ontem. Viemos pedir que olhem os atingidos, porque muitas pessoas vão ficar com condição mínima de sobrevivência”, alertou.
Lucimar Benfica, da comunidade Santa Ana, de Igarapé, chamou a atenção para a vulnerabilidade que tende a agravar no território atingido com o fim do PTR. “São muitas pessoas hoje lutando por isso. Isso aí [Auxílio Emergencial] era o mínimo. A gente não precisava estar aqui, ninguém pediu para ser atingido e a gente está nessa luta já vai fazer sete anos. Para os atingidos não sai nada, tudo é agarrado. A gente só quer que a lei seja cumprida para todos, o mais rápido possível, porque a população precisa desse dinheiro. Já é muito pouco e cortando o restinho que a população recebe, a situação vai piorar muito”, afirmou.
Atingida da comunidade do Tejuco, em Brumadinho, Maria Aparecida (Paré), destacou o processo de adoecimento no território atingido. “Nós que perdemos os familiares, sofremos tanto. Igual no dia de hoje (25), é muito sofrido. A gente tem que implorar para ser reconhecidos, tem que implorar com a justiça para reconhecer que a gente perdeu um ente querido. Isso é muita injustiça. Temos que implorar por uma migalha, porque são milhões e milhões que correm e a gente, atingidos, ficar brigando e implorando por uma migalha. Não é para comprar luxo, é para comprar remédios. Estão todos adoecidos. Com esse corte definitivo em outubro, como vai ser?”, questionou.
Junto com a cobrança pela celeridade na ação, que se encontra na Segunda Instância desde o mês de abril, as lideranças relataram a sensação de injustiça de ter que estar sempre cobrando por um direito que já está garantido na legislação estadual e nacional.
“É muito triste estar na casa da justiça implorando uma esmola. O que nós estamos querendo é viver, sobreviver. O PTR ou o novo auxílio é o nosso direito, mas nós estamos tendo que implorar. Isso é muito duro para nós”, relatou Capitã Pedrina, atingida da Região 2 e integrante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA).
“Novembro está longe para quem está dependendo e o corpo não aguenta. Arrume um jeito, se vira, mas não deixa o povo morrer à mingua. Meu encaminhamento é exigir que, na falta de tempo para julgar, que fique prorrogado o PTR até que se resolva o direito ao Auxílio Emergencial”, sugeriu a atingida em sua fala durante a reunião.
Joelísia Feitosa, atingida do bairro Cidade Satélite, de Juatuba, destacou que a vulnerabilidade vivida pela população atingida contrasta com os lucros vultuosos da mineradora responsável pelo desastre-crime e pelos danos que atravessam a vida do povo atingido. “Nós estamos falando é de garantir a sobrevivência dessas milhares de pessoas e dizer que precisamos sair daqui com uma data. É urgente. Não dá para pular um mês sem PTR, sem remédio. E infelizmente, é por causa da Vale que nós estamos aqui. É importante frisar isso”, afirmou.
“Precisamos inclusive que seja reposto o valor que foi cortado desde março. O juiz Murilo determinou que fosse dado, a Segunda Instância decidiu por bem não dar. A Vale continua lucrando, o povo morrendo de fome. Enquanto isso o tempo passa, nós vamos morrendo sem respostas”, explicou Joelísia para a juíza auxiliar Marcela Maria Pereira Amaral Novais.
Segundo Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB, a lei dos atingidos por barragens deve ser cumprida e o povo anseia por uma definição do Tribunal. “Estamos chegando a um limite. A realidade do povo é morte. Minas Gerais e esse Tribunal tem uma responsabilidade muito grande com o que está acontecendo e nós confiamos em vocês. Nós temos ciência que se cumprir a lei, temos firmeza, clareza, convicção, legitimidade pela nossa história pela construção da Lei, que vai dar certo. Mas agora precisa ajustar o tempo, porque agora é uma questão de vida ou morte. O povo está com a expectativa de uma data”, disse.

Lideranças atingidas dialogaram com presidência do TJMG sobre a ação em andamento na Segunda Instância | Foto: Isis Oliveira/Aedas
Em manifestação, população atingida destaca necessidade de um novo auxílio emergencial
Do lado de fora do TJMG, centenas de atingidas e atingidos de diversas comunidades da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias manifestaram, por meio de faixas, cartazes e depoimentos, os danos vivenciados após o rompimento e a importância da continuidade do auxílio emergencial, uma vez que a reparação não se faz presente no território, mesmo após quase sete anos do desastre-crime.
Para o atingido Márcio da Silva, da comunidade Pires, de Brumadinho, é notável o processo de adoecimento da população, por não poder mais usufruir do rio e da terra.
“Isso [encerramento do PTR] é uma coisa absurda que não pode acontecer, porque não tivemos nenhum reparo, principalmente na questão da saúde. Cidade doente, problemas mentais, psicológicos. Então, de forma alguma, isso não pode acontecer, porque as pessoas dependem disso. As nossas plantações estão contaminadas, não pode nem chegar perto do rio, porque está contaminado, peixes mortos, nossos pés de laranja, nossos palmares todos contaminados”, contou.
A atingida de Juatuba, Nelina, mora a 400 metros do Rio Paraopeba. Ela criticou os valores do programa e lamentou os danos sofridos pelo Rio Paraopeba com o rompimento da barragem.
“Cada dia as coisas estão mais caras e essa metade da metade foi uma covardia. Vir de um salário (mínimo) para a metade e depois para a metade da metade foi uma injustiça. A partir do momento que destruíram o rio, destruíram nossa vida, destruíram nossa cidade, destruíram nossa saúde”, contou.
A atingida Maria da Glória de Jesus, de Mário Campos, levou para a manifestação uma sacola de remédios, antidepressivos e outros medicamentos, para denunciar os gastos que tem com saúde. “Eles falam que a gente foi indenizado, que o rio já teve reparação e nada disso teve. A gente começou ganhando um salário-mínimo, de um salário baixou para meio e de meio baixou para 370 reais, que não dá nem para pagar os remédios”, afirmou.
“Hoje eu tenho depressão, sou diabética, sou hipertensa. Só nos meus remédios, eu gasto mais de 200 reais, fora os que eu pego no posto. Trouxe para mostrar, não trago caixa, eu trago é os remédios que está aqui. A gente está querendo saber se a reparação foi feita. E, cadê, que nós não vimos? A água está suja lá. Nós não temos nada. Aí fica nós sofrendo lá com 370 reais”, questionou a atingida.

Atingida Maria da Glória | Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Os danos à saúde também foram relatados pela atingida Maria Aparecida dos Santos, de Mário Campos. Segundo ela, o PTR era um complemento na renda diante do contexto de danos causados pelo rompimento.
“É um dinheiro que ajuda na renda, não só minha, mas muitas famílias. E estava ajudando demais. Agora que eles cortaram, tem muita gente passando aperto. Aí a gente veio hoje na manifestação para ver se eles continuam e Deus está no controle que vai ter que continuar, porque a Vale está dando muitos problemas, muita poeira, muito minério. O pessoal está tudo com coceira no corpo, dor de cabeça, diarreia, vômito. Então, tem que voltar a pagar a gente de novo. Nós vamos correr atrás, nós vamos conseguir”, afirmou.

Atingida Maria Aparecida dos Santos, de Mário Campos | Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Atingidas da comunidade Charneca, de Betim, lamentaram a situação do Rio Paraopeba durante a manifestação. Segundo Flávia Cristina Miranda o rompimento inviabilizou a prática da pesca na comunidade, acabando com a renda dos pescadores, fato que causa muita tristeza.
“Nós estamos sofrendo com o Rio Paraopeba por não ter mais a liberdade que nós tínhamos, por não ter mais lazer e muito menos a gente ter os peixes como tinha antes, tinha muito peixe e não faltava as coisas para nós. E com esse negócio de ter acontecido sobre o PTR também foi outra tristeza, porque nós dependíamos muito, precisava muito dele”, relatou.
“Nós não fomos na Vale para destruir nada. Ela que foi na foi na porta de cada um sem pedir licença e destruiu famílias e famílias e ainda o nosso rio. A Vale tem que dar um jeito, recuperar o rio a gente não recupera, mas a dignidade nossa, que nós não mexemos com ninguém, nós temos que correr atrás, tem que recuperar”, disse.
Relato similar é o da atingida Adriana Aparecida da Cruz, também da comunidade Charneca. “O PTR é muito importante para a população que mora na beira do rio, porque a população não tem culpa do que aconteceu. Ninguém esperava por isso, ninguém anunciou que iria acontecer da Vale, dos rejeitos, os peixes morrendo. E o pessoal fica à mercê da Vale e a gente não tem culpa nenhuma de morar na beira do rio. A gente recebeu a notícia com muita angústia, tristeza, porque não era para acabar agora”, contou.

Atingidas da comunidade Charneca, de Betim, relataram sobre os danos à comunidade | Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Relembre o trâmite da Ação Civil Pública, que aguarda julgamento no TJMG
Em virtude da redução pela metade do valor do PTR recebido pelas pessoas atingidas, no dia 14 de março de 2025, a Associação Brasileira dos Atingidos por Grandes Empreendimentos (ABA), a Associação Comunitária do Bairro Cidade Satélite (Ascotélite) e o Instituto Esperança Maria (IEM) protocolaram uma Ação Civil Pública solicitando a garantia de Auxílio Emergencial e/ou do Programa de Transferência de Renda (PTR).
Em decisão proferida no dia 28/03, o juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte concedeu liminar determinando que a Vale S.A. realizasse o pagamento de auxílio emergencial às pessoas atingidas. A mineradora Vale, por sua vez, recorreu da decisão na Segunda Instância e teve seu recurso acatado, no dia 24 de abril, pela juíza Maria Dolores Gióvine Cordovil. Com isso, a complementação das parcelas do PTR e o eventual novo auxílio emergencial ficou suspenso até o julgamento da ação.
O julgamento estava previsto para o dia 25 de agosto quando a juíza Maria Dolores declinou da competência do caso, deixando indefinidos a competência do julgamento e a data para ser julgada a ação. Atualmente, o TJMG ainda vai definir qual será a câmara – e a turma de desembargadores – que vai julgar a ação. Somente após essa escolha, vai ser definida a data da apreciação da pauta.
Comissão de Direitos Humanos ALMG
Além do ato no TJMG, as pessoas atingidas foram à ALMG onde acompanharam reunião da Comissão de Direitos Humanos, que debateu denúncias de mineração irregular em esquema denunciado pela Polícia Federal na Operação Rejeito.




Fotos: Valmir Macêdo/Aedas
Reportagem: Isis Oliveira e Valmir Macêdo
Texto: Diego Cota