Mineradora ingressa com Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça contra a divisão das fontes de custeios das atividades realizadas pelas ATIs em atividades do Acordo e atividades do Processo.

Foto Reprodução: SECOM/STJ.

Suposta Violação do Acordo

A Vale alega que as decisões anteriores são nulas, pois violam o Acordo Judicial para Reparação Integral realizado em 2021. Segundo a Mineradora, estas decisões podem causar prejuízos à governança instituída no Acordo para reparação dos danos decorrentes do rompimento. Aduz também que essas violações resultam em desembolso de recursos indevidos pela Vale, desvinculados do teto do Acordo.

O argumento central do recurso da Vale é que o Acordo, ao estabelecer as obrigações da mineradora para reparar integralmente os danos socioambientais e socioeconômicos causados em decorrência do rompimento da barragem de Brumadinho, resolveu a maior parte dos pedidos formulados pelas Compromitentes nas primeiras ações civis públicas.

No tocante aos danos individuais, a empresa poluidora afirma que o Acordo ratificou o Termo de Compromisso celebrado com a Defensoria Pública de Minas Gerais, que estabeleceu parâmetros para a reparação dos danos individuais passíveis de individualização. Em outras palavras, a Vale faz um esforço argumentativo para afirmar que os pedidos relacionados aos danos individuais passíveis de individualização são alcançados pelas previsões e diretrizes pactuadas no Acordo.

Nesse sentido, compreende que somente as perícias relacionadas aos danos individuais deveriam ter continuidade e permanecer fora do teto do acordo, assim como os Estudos de Riscos à Saúde Humana e Risco Ecológico. Diz ainda que o restante das obrigações, que a empresa considera acessórias, incluindo o trabalho das assessorias técnicas e auditorias, não deveriam ter suas fontes de custeios fora do teto do valor do Acordo, que previu o teto financeiro de R$ 700 milhões para contratação de estruturas de apoio.

Nas razões para recorrer ao STJ, a Vale retoma a infundada tese de haver contradição entre os votos dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento do recurso sobre as fontes de custeio das ATIs. A Vale afirma que a decisão ampliou o custeio esperado e, em tese, apresentaria um cenário de incertezas. 

A respeito da admissibilidade do recurso, a mineradora abre sua argumentação com três questionamentos, que já foram exaustivamente respondidos ao longo dos processos. Ela questiona a continuidade das atividades da perícia após celebração do Acordo; questiona a necessidade homologação judicial dos Planos de Trabalho das ATIs; e questiona a natureza dos ERSHRE.

Argumentos da Vale

  • O Acórdão questionado não sanou as omissões e contradições apresentadas em sede de Embargos de Declaração[1]: afirma que os desembargadores não se pronunciaram detidamente sobre a distinção das atividades das ATIs e a alocação correta dos recursos. Segundo a mineradora, o Acórdão não considerou o apontamento da LATACI a respeito da impossibilidade de separar todos os custos decorrentes das atividades das ATs, a suposta ausência de divisão dos Planos de Trabalhos, e a homologação com ressalvas dos referidos planos. Prossegue aduzindo existir uma contradição relativa à governança dos ERSHRE, posto que o Acórdão criou uma previsão inexiste no Acordo sobre a exclusão das atividades relacionadas aos ERSHRE com a condução no âmbito do processo judicial. Isto porque considera que se é reconhecida a natureza difusa e coletiva dele, sua governança deveria estar dentro dos limites do Acordo, que resolveu os danos coletivos. Neste ponto requer que a governança dos ERSHRE e metodologia sejam vinculadas ao Acordo; a não inclusão do custeio das ATIs para acompanhamento dos ERSHRE nos custos fora do teto do Acordo; e que, por entender que ainda não há como dividir o escopo das atividades das ATIs, a divisão das fontes de custeio se dê somente após homologação dos planos de trabalho;
  • Ofensa à coisa julgada, posto que a decisão viola os temos do Acordo[2]: afirma que o Acordo previu a governança do ERSHRE; a continuidade de parte da perícia em primeira instância; e o custeio de todas as atividades das ATIs;
  • O Acordo extinguiu a quase totalidade dos pedidos formulados nas ações de origem, incluindo-se o pedido de contratação de assessoria técnica para o processo[3]: afirma que no momento da celebração do Acordo foi destinado 700 milhões para contratação de estruturas de apoio, o que inclui o trabalho das ATIs, que deveriam apresentar plano de trabalho único, sem haver previsão para atividades desenvolvidas fora do teto financeiro previsto. Prossegue aduzindo que as determinações acessórias aos danos excluídos do Acordo foram revogadas e extintas com a celebração do Acordo, incluindo o dever de contratar ATIs para as atividades do processo.
  • Perda do objeto das atividades periciais em andamento antes do Acordo[4]: afirma que apesar do Acordo ter extinguido a maioria das pesquisas, a UFMG continuou a realizar os estudos e apresentou resultados, violando o Acordo.
  • Validade das convenções entre as partes, no que diz respeito aos Planos de Trabalhos das ATIs[5]: afirma que para haver a divisão das fontes de custeio é preciso definir a separação das atividades das ATIs, o que só seria possível após homologação dos planos de trabalhos. Aduz que a o juiz de primeira instância homologou com ressalvas os planos de trabalhos, que não foram ajustados pelas ATIs.

Confira o recurso na íntegra:

ATI é direito das pessoas atingidas

Consideramos importante contrapor as alegações da mineradora desde já. Estes argumentos apresentados pela Vale não são novidades nos processos nos quais ela figura como ré, tendo sido reiteradamente rejeitados pelos juízes e desembargadores.

Por mais que a empresa se esforce em parecer estar preocupada com a governança para reparação integral dos danos, não é o que ocorre na prática, haja vista suas condutas de não cooperar com o bom andamento dos processos judiciais às quais ela figura como ré. Suas práticas de recorrer insistentemente de todas as decisões, no último dia de prazo, como afirmou Dr. Murilo na última decisão, não são ilegais, mas também não podem denotar um interesse da mineradora em colaborar com a reparação dos danos sofridos pelas pessoas atingidas. De igual modo, contestar a necessidade de atuação das ATIs, a divergência de escopo e a divisão das fontes de custeios é também contribuir para um processo de violações que se amplifica com o tempo, considerando o tempo decorrido do rompimento até agora, os atrasos na implementação e execução das medidas reparatórias, a completa ausência de previsão para a reparação integral, e ferir o direito reconhecido à participação informada da população atingida no acompanhamento do que não foi objeto do acordo judicial de 2021.

Destaca-se que para a Vale o direito das pessoas atingidas de ter o acompanhamento técnico das assessorias independentes é uma obrigação acessória. Este argumento é contrário ao que está previsto na Política Estadual de Atingidos por Barragens e pela Política Nacional de Atingidos por Barragens, que determinam que as ATIs têm a função de garantir que as pessoas tenham acesso à participação informada no processo de reparação integral, sendo, portanto, um direito indispensável para o andamento, acompanhamento e concretização das medidas e processos que envolvem a reparação integral de todos os danos decorrentes do rompimento.

É direito da população atingida por barragem: assessoria técnica independente, de caráter multidisciplinar, escolhida pelas comunidades atingidas, a expensas do empreendedor e sem a sua interferência, com o objetivo de orientá-las no processo de participação.

Próximos passos

Devemos acompanhar as próximas movimentações processuais, nas quais as Instituições de Justiça devem manifestar no processo a defesa dos direitos das pessoas atingidas, e aguardar o julgamento da Corte superior.


[1]  Argumenta que viola o art. 1.022, I e II, do CPC. Art. 1.022: cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento.

[2] Argumenta que viola os artigos: 485, V, e o 512 do CPC, e art. 16 da Lei n° 7.347/85. Art. 485, V, CPC: o juiz não resolverá o mérito quando: V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; art. 502, CPC: denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso; art. 16 da Lei n° 7.347/85: a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. 

[3] Argumenta que viola o Art. 487, III, b, do CPC, que diz que haverá resolução de mérito quando o juiz homologar uma transação.

[4] Argumenta que viola o art. 485, VI, do CPC, que diz que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual.

[5] Argumenta que viola os arts. 139 e 190, § único, ambos do CPC, que tratam das competências dos juízes, e que estabelecem que de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas no artigo 190, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.


Texto: Equipe Estratégias Jurídicas da Reparação / Aedas.