Agenda abordou o andamento da Liquidação Coletiva dos Danos Individuais, o Plano de Trabalho do Processo e a Reparação Socioambiental 

Atingidas e atingidos das cinco regiões da Bacia do Paraopeba se reuniram na sexta-feira (22/03 – Dia Mundial da Água), com o juiz Murilo Silvio de Abreu e representantes das Instituições de Justiça, na 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte. A agenda foi articulada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). 

A agenda, que foi acompanhada de um ato realizado na parte externa do TJMG, resultou em encaminhamentos importantes para a Liquidação Coletiva dos Danos Individuais, para o Plano de Trabalho do Processo e a Reparação Socioambiental. Na reunião de sexta, a representante da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), Carolina Morishita, apontou que a entidade atuará de forma colaborativa com os responsáveis na Segunda Instância para o julgamento da liquidação coletiva. Por sua vez, a promotora Shirley Machado informou que o órgão iria apresentar manifestação favorável à liquidação coletiva até o final do dia. 

Liquidação Coletiva: movimentações recentes 

São mais de cinco anos do desastre-crime e ainda não teve avanço significativo na reparação aos danos individuais da população atingida ao longo da calha do Paraopeba. 

Em dezembro de 2023, o juiz Murilo Silvio de Abreu inaugurou o procedimento de liquidação coletiva, acolhendo pedido das Instituições de Justiça. 

Após a decisão em primeira instância, a empresa Vale S.A. recorreu ao TJMG (2ª instância), em fevereiro, para impedir o andamento da liquidação. O desembargador André Leite Praça, relator do caso, rejeitou o pedido da mineradora de suspender a decisão. Entretanto, o caso aguarda julgamento da 19ª Câmara Cível, onde três desembargadores vão julgar, em segunda instância, o recurso da Vale e, assim, o andamento da liquidação coletiva. 

É importante destacar que a decisão de dezembro não foi suspensa e continua válida para o andamento da fase que visa o levantamento dos danos, desde Brumadinho até a Represa de Três Marias. Para o julgamento em segunda instância, ainda se faz necessário a manifestação das Instituições de Justiça acerca do recurso da Vale.

 

Outra informação importante dentro desse assunto foi dada pelo juiz Murilo. Ele explicou que pretende realizar uma reunião de preparo com as partes do processo para iniciar a discussão sobre metodologia inicial para o trabalho da perícia. Será, na prática, o início da construção da proposta da liquidação coletiva. 

Participou da audiência pela Aedas, Verber Alves de Souza, gestor operacional da equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação. “Tivemos o posicionamento do Dr. Murilo em relação aos encaminhamentos. Futuramente a gente espera alguma movimentação para construção inicial da metodologia básica que vai discutir a Liquidação dos Danos Coletivos”, contou. 

Audiência com Juiz Murilo de Abreu. Foto: Amélia Gomes / MAB

Juiz indicou a homologação de Plano de Trabalho das ATIs 

Com o Termo de Compromisso, assinado entre IJs e ATIs em julho de 2023, e a separação entre as atividades do Processo e do Acordo, as assessorias dos atingidos do Paraopeba tiveram sua atuação limitada ao Acordo Judicial com prioridade ao apoio técnico na definição dos projetos do anexo I.1; apoio na participação dos PCTs nas etapas do anexo I.3 e I.4; apoio à participação informada. Com isso, algumas demandas do território tiveram o acompanhamento inviabilizado, tais como as questões emergenciais, o acompanhamento do Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), entre outras atividades não enquadradas dentro do Acordo Judicial. 

Na sexta-feira, as representantes das atingidas relatam para o juiz a situação vivenciada no território e a necessidade de acompanhamento pelas ATIs. O juiz Murilo se comprometeu a realizar os procedimentos para homologação do Plano de Trabalho do Processo elaborado pelas ATIs, que visa a atuação acerca dessas demandas. 

Em sua fala, Verber, da Aedas, destacou a urgência da aprovação. “Após os cortes, a ATI não teve nenhuma previsão para atuar com essas questões. A aprovação do Plano de Trabalho do Processo é muito relevante e urgente. A assessoria não tem escopo para atuar sem essa garantia institucional”, afirmou. 

Atingidas cobram por transparência da Reparação Socioambiental 

O Programa de Reparação Socioambiental é uma das partes do Acordo que não prevê uma estrutura de participação da população atingida. A ausência de participação agrava o cenário em que diversos problemas de saúde são relatados pelas pessoas atingidas que vivem com a insegurança em relação à contaminação. Para citar alguns exemplos, o estudo que confirmou a presença de bactérias resistentes a antibióticos no Rio Paraopeba e os resultados da pesquisa da Fiocruz e UFRJ, que apontou altos índices de metais pesados, inclusive em crianças

O pedido por participação e transparência já é uma demanda reiterada pelas lideranças. Na audiência, Maria Santana Alves, da comunidade Vale do Sol, de São Joaquim de Bicas, falou dos impactos vivenciados e destacou a necessidade de informações sobre os danos e as ações nos territórios. 

“A gente precisa de uma definição sobre o que está acontecendo conosco, no nosso terreno. E, mesmo porque, agora vem o Anexo I.1, que são os projetos de demandas dos atingidos. Nós estamos com os projetos pensados, mas como fazer o projeto se não sabemos se pode usar o território?”, questionou. 

“Nós somos comunidades vulneráveis, que não dá conta de digerir esse processo todo. A ATI é a nossa mão direita, a nossa ferramenta de trabalho e nossa voz. Limitar as ATIs é limitar os atingidos. Peço e gostaria que as ATIs nos assessorassem no processo”, completou a atingida, reforçando a demanda por garantia de acompanhamento em demandas essenciais para o território. O Plano de Trabalho do processo, que tem a expectativa de homologação, vai possibilitar que a ATI atue, inclusive, em assuntos referentes à Reparação Socioambiental. 

Luta das atingidas é diversa 

Durante a reunião, um grupo de atingidas e atingidos das cinco regiões manifestavam em frente ao prédio do TJMG, localizado na Avenida Raja Gabaglia. Ao longo da tarde foram diversos os depoimentos, em alto e bom som, que caracterizavam as motivações para a luta das atingidas. Abaixo, alguns deles de atingidas da Região 2. 

Maria Zélia Coelho (à esquerda) e Maria Aparecida (à direita), da comunidade São Marcos (Citrolândia), Betim

– Maria Zélia Coelho, da comunidade São Marcos, de Betim:

“Nós estamos aqui hoje porque precisamos da nossa reparação, da nossa indenização já. Nossa água está suja, nós precisamos de água limpa, e a Vale não resolve. Tem que resolver essa indenização, porque tem muita gente precisando.” 

– Maria Aparecida, da comunidade São Marcos, de Betim:

“Eu tinha pé de laranja que não está dando mais. Minha bronquite, que era mais branda, agora está mais forte.” 

Cristina (à esquerda) e Sônia (à direita) durante ato do dia 22 de março

– Sônia Maria Freitas, da comunidade Paquetá, de Betim:

“A Vale acabou com vidas, famílias, peixes, natureza e com a nossa saúde também. Eu mesma estou tratando da minha saúde com remédio por causa da minha água, que foi contaminada. A gente está aqui reunido, buscando força pra nós vencermos.” 

– Cristina Maria da Silva, da comunidade Tereza Cristina, em São Joaquim de Bicas:

“A gente vêm buscando isso há cinco anos, lutando pelos nossos direitos em busca da Reparação Integral, porque se a gente não for atrás dos nossos direitos, eles não vão saber o que a gente está passando e precisando. É a gente mostrando nossa insatisfação, indignação com tudo que aconteceu.” 

Texto e Fotos: Diego Cota