A atividade percorreu os municípios de Betim, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas

Visita iniciou na comunidade do Fhemig, em São Joaquim de Bicas / Foto: Diego Cota – Aedas

Comissões das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, na Região 2, receberam a visita do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), na última quinta-feira (23/11), para dialogar sobre temas do Acordo Judicial de Reparação, e outros temas como saúde, enchentes e demandas individuais não previstas no acordo. A visita organizada pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais do Ministério Público (Cimos) percorreu comunidades de São Joaquim de Bicas, Betim e Mateus Leme. 

A coordenadora da Cimos, promotora Shirley Machado de Oliveira, explicou que a iniciativa de estar mais próximos das comunidades partiu da demanda das próprias comissões de atingidas e atingidos, além de ser objetivo da instituição acompanhar de perto a execução do Acordo Judicial de Reparação. 

“Ficamos todo o dia visitando, reunindo com as lideranças, até em alguns lugares que elas entenderam que o Ministério Público deveria conhecer próximo ao rio, questões envolvendo enchentes, abastecimento de água. Isso para nós é muito rico, pois esclarece, demonstra pontos muito sérios e graves que permanecem necessitando de um olhar das Instituições”, contou. 

Em todos os espaços organizados para diálogo, os questionamentos das comissões foram divididos em blocos temáticos: Saúde, Socioambiental, Enchentes, Anexo 1.1, Programa de Transferência de Renda, Anexo 1.3, Indenização Individual e Direito à Assessoria Técnica Independente. 

Durante toda a visita, a ouvidoria do MPMG realizou o cadastro de demandas das atingidas sobre temáticas que não fazem parte do Acordo Judicial de Reparação, como questões relacionadas à saúde e enchentes. 

O dia de atividades teve início na comunidade Fhemig, em São Joaquim de Bicas, em visita ao casal de atingidos Marli de Jesus e Antoninho Ferreira, que evidenciaram para a equipe os danos causados pelo rompimento e agravado pelas enchentes, com impactos negativos na agricultura, criação de animais e vivência na localidade. Em seguida, foi realizada uma reunião na comunidade Vale do Sol, com as comissões de São Joaquim de Bicas, Igarapé e Juatuba. 

Seguindo a programação, no período da tarde, foi realizada uma visita na residência do atingido Wilivis Lemos, na Colônia Santa Isabel, em Betim, onde foi explicado para a comitiva do Ministério Público as consequências provocadas no período pós-rompimento com as cheias do Rio Paraopeba e do Córrego Goiabinha, que inviabiliza a moradia dessas pessoas na localidade. Logo após, foi realizado o diálogo com as comissões de Betim, Mário Campos e Juatuba, no Museu da Hanseníase. 

As atividades do dia se encerraram com uma visita aos Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), na comunidade tradicional de matriz africana terreiro de candomblé Nzo Nguzu Kukia, localizado no município de Mateus Leme. Foi a oportunidade para o MP conhecer os atravessamentos que os danos do rompimento da barragem de Brumadinho causaram na possibilidade de cultivar a tradição religiosa na bacia do Paraopeba. 

Segundo a promotora Shirley, a Cimos planeja visitar todas as regiões atingidas da Bacia do Paraopeba até o final do ano e, após isso, será promovida uma atividade para as devolutivas. O formato ainda será definido. 

A seguir, contamos os detalhes sobre as temáticas abordadas durante a visita.

Questão hídrica na Região 2

O rompimento de 2019 trouxe graves danos à questão hídrica na Bacia do Rio Paraopeba, a começar pela contaminação com rejeitos de mineração da calha do rio, desde a confluência com o Ribeirão Ferro-Carvão, em Brumadinho, até a Represa de Três Marias, quando o Paraopeba encontra com o Rio São Francisco. Para as comunidades ribeirinhas, um dos agravantes é a perda da autonomia hídrica que possuíam, por meio da captação da água potável em poços e cisternas. 

A água, que era abundante para os diversos fins, tornou-se dúvida e fonte de mal-estar após 25 de janeiro de 2019. Em São Joaquim de Bicas, a Vale disponibiliza, desde o desastre-crime, água potável para a população que reside no raio de 100 metros da margem do rio. Quem está além desse limite recebeu, por mais de dois anos, água potável disponibilizada pela prefeitura em caminhões-pipa e depois, desde novembro de 2021, passaram a ser abastecidos pela Copasa. 

O fato de a população atingida ter se tornado cliente da Copasa trouxe algumas dificuldades, que foram relatadas para as representantes do Ministério Público, na quinta-feira (23/11). As atingidas reclamam que a Copasa não presta um serviço de qualidade, tendo em vista a demanda e as características das comunidades. Além disso, a perda da autonomia hídrica representou uma conta a mais todo mês para pagar. 

As atingidas cobraram do MP e da Secretaria de Estado da Saúde (SES) posicionamento sobre a demanda das atingidas para aumento do limite, hoje em 100 metros, para serem incluídas na ação de fornecimento de água potável pela Vale. A SES disse que está em fase de negociação com a mineradora para ampliação dessa área e que uma eventual atualização corresponderia ao perímetro que sofre com inundações nos períodos de enchentes. Já a promotora Shirley informou que corre em justiça um inquérito para apurar os danos das enchentes e, com isso, as consequências provocadas aos poços e à autonomia hídrica das comunidades ribeirinhas. 

Para quem já era abastecida pela Copasa em 25 de janeiro de 2019, como é o caso da região do Citrolândia, em Betim, há a denúncia de piora significativa da qualidade da água que chegou nas torneiras nos meses seguintes ao rompimento. É o caso da atingida Mirian Suzane Papp, da comunidade Vila Nova, em Betim. Ela relatou a situação e entregou um ofício para a promotora Shirley. 

“Entregamos um ofício que já está guardado há muito tempo, esperando, tentando fazer com que eles nos ouçam, nos deem atenção, porque nós precisamos. Há cinco anos estamos esperando uma resposta sobre qual é o mistério da água contaminada que chegou para nós por 6 meses. Que o MP nos ouça, entenda o nosso lado, pois mesmo morando a 700 metros do Rio, no alto, nós tivemos prejuízos e danos à saúde que ninguém até hoje resolveu”, disse.

Atingidas relataram para o MPMG danos à saúde  

A qualidade da água é também um dos fatores relacionados à preocupação das pessoas atingidas com a saúde. Durante o diálogo com o Ministério Público, foram diversos os relatos de danos à saúde que apareceram no período pós-rompimento. A atingida Dinalva Barbosa Leal, da comunidade Fhemig, relatou que vários os vizinhos, ao realizar o exame de sangue, tiveram constatado o elevado teor de metais no sangue. Ela reclama do atendimento insuficiente para a situação das pessoas atingidas. 

“Em relação à saúde, tem pessoas que já fizeram os exames e está constatado que deu alterado com chumbo, manganês e bário no sangue e até hoje não fez outro exame para poder olhar como que está a situação dessa pessoa. Vamos na UPA e o atendimento é péssimo. A gente quer que as nossas demandas, que acabaram de ser levadas daqui, tenham soluções. Queremos respostas, tem que ser rápida, não pode tardar”, disse. 

Quem pôde ouvir de perto esses relatos foi a promotora Vanessa Campolina Rebello Horta, coordenadora da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, do MPMG. Ela defendeu a construção de um protocolo de saúde no SUS que seja específico para o atendimento de populações atingidas por barragens. 

“É um desafio grande, porque é ele – o protocolo – não existe. O SUS não tem um direcionamento para monitorar as pessoas expostas a metais, ou seja, um protocolo para ter esse olhar específico de quais seriam as necessidades em saúde dessas pessoas. Eu acredito que essa escuta das comunidades auxilia a formação do nosso juízo, assim como é que a questão pode ser mais bem conduzida, porque como a gente não tem a resposta, a melhor forma é construir coletivamente”, disse.

A atingida Lindaura Prates, também do Fhemig, conta que as solicitações de reuniões com o Ministério Público, assim como com outros órgãos responsáveis pela saúde, têm por objetivo buscar a resolução da situação enfrentada pelas atingidas. “Tem vários problemas de saúde, não só no nosso território, mas em vários locais da bacia. A gente recorre aos postos de saúde, os exames são demorados, o diagnóstico para dar uma resposta são demorados, os remédios ficam complicado até para as pessoas comprarem. Estamos pedindo essas reuniões para a gente ser ouvido e ver que caminho tomar”, contou. 

Para a promotora Vanessa Campolina, o diálogo foi a oportunidade de buscar melhorias para as atingidas. “Esse olhar específico de chegar no território, escutar essas pessoas, ver o que que está acontecendo, ajuda também a não ficar somente no ideal e mental do que seria o acordo. Então a gente entende isso como uma experiência muito enriquecedora, não é só você verificar que se está cumprindo ou não o acordo, mas é ter um olhar e ver como que isso pode melhorar, o que pode ser feito para que efetivamente essas pessoas sintam-se reparadas”, disse. 

Comissões cobraram solução para lacunas do PTR na Região 2 

A ocasião também contou com a presença de representante da Fundação Getúlio Vargas (FGV), gestora do Programa de Transferência de Renda (PTR). As atingidas levaram alguns questionamentos com o objetivo de buscar resoluções para as lacunas do PTR existentes no território atingido. 

Nos cinco municípios da Região 2 há lideranças que solicitam a inclusão de suas comunidades no programa. Cada uma delas com questões específicas que demonstra a diversidade de formas que a população foi atingida pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Realidades afetadas que não estão incluídas no PTR podem ser verificadas, como é o caso do município de Mário Campos, que faz divisa com Brumadinho. 

Quem teve a oportunidade de relatar para o Ministério Público e para a FGV foi a atingida da comunidade Maria Antonieta, Renata Resende. Ela explicou os danos vividos após o rompimento pela comunidade e apresentou no mapa a proximidade com o Córrego do Feijão, local do desastre-crime. “Depois do rompimento, o transporte de minério – que passa pelas comunidades de Mário Campos – triplicou. Nossas casas estão rachando, nós estamos sofrendo danos e, além deles, afetações à saúde e nada tem sido feito”, contou. 

A atingida Santa Rodrigues, do Conjunto Dicalino Cabral da Fonseca, questionou a não inclusão de toda a regional do Citrolândia no PTR e alegou que, mesmo aqueles que vivem fora do perímetro definido nas poligonais, sofrem com as consequências provocadas pelo rompimento. Ela citou o abastecimento de água em comum e as circunstâncias que foram agravadas como motivo de piora da qualidade de vida da população da regional. “É a primeira vez que a gente está sendo ouvido pelo Ministério Público, então aproveitamos a oportunidade para poder colocar as nossas questões e demandas. Nós esperamos que, a partir dessa reunião, tenha algo diferente”, disse. 

Outras questões foram levadas pelas atingidas ao MP e à FGV. A atingida Edalgiza Martins de Oliveira, da comunidade Santa Ana, em Igarapé, destacou como negativa a demora do procedimento entre o cadastro e a aprovação no programa, relatando que há meses que as atingidas da sua comunidade aguardam o retorno e o início do pagamento. Segundo ela, essa demora é um complicador na vida das pessoas que aguardam, desde 2019, alguma ação de reparação. 

Atingida Edalgiza Martins de Oliveira, da comunidade Santa Ana (Igarapé)

A coordenadora-adjunta de Relacionamento do PTR, Marcela Galvani Borges, informou que todos os estudos para definição das poligonais pelo critério Território já foram realizados e que não haverá novas inclusões por meio desse critério na Região 2. Além desse, o edital que define as regras do PTR estabelece como critérios: comunidades que sofreram desabastecimento de água e/ou que receberam obras emergenciais devido ao rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. 

Enchentes mudaram a dinâmica da vida de ribeirinhos na R2 

As primeiras visitas da manhã e da tarde foram a duas famílias atingidas de localidades que sofreram com as enchentes no período pós-rompimento: Fhemig, em São Joaquim de Bicas, e Colônia Santa Isabel, em Betim. Duas realidades que puderam evidenciar para o Ministério Público os danos, de ordem material e moral, causados pelo rompimento e agravado pelas enchentes, com impactos diversos na dinâmica da vida dessas pessoas. 

O atingido Wilivis Lemos, que recebeu a equipe em sua casa, na Colônia Santa Isabel, considera importante esse momento de escuta e de reconhecimento da situação que vive desde o rompimento, em 2019. Sua situação é uma amostra de uma realidade da comunidade, localizada na margem do Córrego Goiabinha. “Faltam 2 meses para completar 5 anos do rompimento, do crime que foi cometido, e até a data de hoje nada mudou, só vem a piorar, tanto a minha saúde quanto a saúde da minha família e dos outros atingidos que moram na calha da bacia”, expressou.

A atingida Lucimar Veloso, da Colônia Santa Isabel, falou de alguns aspectos que afetaram a vivência da comunidade. “Com a contaminação, ninguém pode mais pescar, ninguém pode usar o Rio como lazer. Muitas pessoas que construíram suas casas na beira do Rio para encontros familiares, perderam isso. Porque não tem como levar uma família para desfrutar daquilo, que é um patrimônio natural, e que está com esses danos todos.” 

A busca pelo direito à reparação para as comunidades tradicionais 

A terceira visita do dia foi realizada na comunidade tradicional de matriz africana terreiro de candomblé Nzo Nguzu Kukia, localizado no município de Mateus Leme e que faz parte do PCTRAMA. Em uma roda de conversa, atingidas e atingidos explicaram para as representantes do Ministério Público como o rompimento e a poluição das águas afetam a manutenção da tradicionalidade. 

As águas do Rio Paraopeba sempre foram reverenciadas pelas comunidades tradicionais da região, estando ligadas aos festejos, a purificação, sendo fonte de alimentos, entre outras finalidades, que não puderam mais ser acessadas. Com isso, tradições foram prejudicadas, como exemplo, a de buscar o pescado para consumo e para oferecer aos dois Orixás da casa Nzo Nguzu Kukia – que são de água doce. O peixe, antes uma dádiva, agora precisa ser comprado, afetando uma tradicionalidade de muitos anos. 

Outro aspecto levantado é o fato de que após o rompimento a comunidade passou a precisar se deslocar para um local diferente para manter algumas tradições. Locais distantes, que provoca desgaste físico para acessar, aumento dos gastos financeiros e deixando a comunidade vulnerável à discriminação religiosa nessa nova localidade. 

O atingido Tata Nindegue, integrante da comunidade tradicional, explicou sobre a relação essencial com o meio ambiente. “Nós povos e comunidades tradicionais temos um olhar clínico, delicado e muito específico para os bens da natureza. Nossa religião é uma religião ambientalista, nós somos defensores do meio ambiente. Então a visão que a gente tem do meio ambiente, a gente tenta transmitir para as pessoas que adentram para dentro das nossas comunidades. A importância de você preservar as matas, os rios, de preservar a vida, além de tudo. Então, é um trabalho que a gente vem fazendo, que a gente vem lutando e mostrando para a comunidade o tanto que o entorno desse Rio perdeu, o tanto que a que as pessoas que utilizavam esse Rio perderam”, disse.

Ele avalia que o diálogo foi construtivo e espera um retorno positivo para as demandas colocadas para o MP. “A importância do Ministério público é muito grande pra gente, pelo fato de você estar abrindo a comunidade para um órgão do estado, que está aqui ouvindo as nossas demandas, as nossas dificuldades e nos auxiliando em relação a todo o processo, que é longo e demorado, mas se você não tiver o apoio fica difícil caminhar. Foi uma honra recebê-los aqui hoje, eles deram pra gente a nossa maior importância, que é o nosso poder de fala”, afirmou.

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Texto e Fotos: Diego Cota – Aedas