Visitas buscaram verificar a execução de projetos do acordo entre Vale e Estado de Minas

Atingidos participam de reunião com membros do MPMG na AVABRUM / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas

Comunidades atingidas de Brumadinho receberam, nesta segunda-feira (11), uma comitiva de representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para visitas aos territórios atingidos. Atingidos e atingidas apresentaram uma série de questionamentos, propostas e reivindicações. 

O objetivo das visitas foi verificar se o que está previsto no acordo judicial firmado entre Vale S/A, Estado de Minas e Instituições de Justiça, em 04 de fevereiro de 2020, para a reparação de danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Vale S/A no dia 25 janeiro de 2019 está chegando de fato às pessoas. 

Participaram do dia de encontros representantes da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG (CIMOS/MPMG), da Ouvidoria da CIMOS, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-Saúde/CRDS-Centro), do Central de Apoio Técnico do MPMG (Ceat/MPMG), da Coordenação de Acompanhamento Metodológico e Finalístico na reparação do Paraopeba (CAMF/Lataci), da Fundação Getúlio Vargas (FGV Projetos e FGV PTR) e do Comitê Pró-Brumadinho (Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais/SEPLAG).

Dezenas de pessoas participaram das reuniões que se iniciaram pela manhã e aconteceram na sede da Associação de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento de Brumadinho (AVABRUM), na Comunidade Tradicional Ribeirinha Amianto, Ponte das Almorreimas, no Tejuco e Aranha.  

As visitas, roteiro e cronograma foram articuladas previamente entre a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG (CIMOS) e as Comissões de Atingidos e Atingidas e Lideranças da Região 1 com a mediação da Aedas. Os encontros também contaram com o trabalho de técnicos e técnicas da Aedas.  

A promotora de justiça Vanessa Campolina Rebello Horta, coordenadora da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Centro, liderou a comitiva do MPMG representando a promotora Shirley Machado de Oliveira, da Cimos, que, por motivos de saúde, não pôde estar presente.  

Promotora Vanessa Campolina durante encontro com familiares de vítimas fatais / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas

Vanessa Campolina destacou a importância do momento de escuta e reafirmou o compromisso do MP com as atingidas e atingidos:  

“Você tem direitos individuais, tem direitos coletivos, tem questões que envolvem Defensoria pública, Ministério Público Federal, Estadual, Ministério Público do Trabalho. Tem também questões que são voltadas para a promotoria local. As questões são complexas, são muitas, mas o objetivo é coletar o máximo de informação para a gente poder fazer essa avaliação e conseguir dar uma resposta suficiente para as pessoas atingidas”, afirmou a promotora, que também propôs um prazo de até cinquenta dias para responder às questões apresentados pelos atingidos durante as visitas. 

Familiares  
 
No início da manhã, na sede da AVABRUM, familiares de vítimas fatais e atingidos destacaram que o acordo judicial firmado entre a Vale e o Governo de Minas não contempla a realidade das famílias das pessoas que perderam suas vidas e que, por isso, os danos e traumas se repetem e se agravam sem reparação justa.  

Durante o encontro, os participantes atingidos fizeram memória em relatos emocionados sobre suas Joias e a vida depois do rompimento. Eles denunciaram as violações de direitos que, de acordo com eles, são invisibilizados. 

Os familiares pontuaram a necessidade de que a AVABRUM tenha recursos para desempenhar suas atividades na busca por justiça, já que a Associação se mantém com a contribuição dos associados e trabalho voluntário.  

Outro ponto levantado no encontro na AVABRUM foi a demora para as devolutivas de demandas apresentadas ao Ministério Público. Eles se queixaram pelo fato de ‘sempre falarem e não serem de fato ouvidos’ diante das urgências e do quadro de sofrimento. 

Os familiares demonstraram ainda perplexidade e indignação diante da possibilidade de concessão de habeas corpus ao ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, réu por homicídio doloso qualificado e crimes ambientais no caso do rompimento, em julgamento no Tribunal Regional Federal, em Belo Horizonte, nesta quarta-feira (13). 

No julgamento, um desembargador votou pela concessão do habeas corpus ao ex-presidente da mineradora. Em seguida, um segundo magistrado pediu vistas do processo, ou seja, mais tempo para a análise e a sessão foi suspensa.  

Familiares de vítimas fatais apresentam reivindicações ao MP / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas

Durante a visita do MP à AVABRUM, Nayara Dias Porto, que perdeu seu esposo, Everton Lopes Ferreira, no desastre crime, frisou a necessidade de celeridade nas respostas para a solução de problemas vividos pelas famílias: 

“Na verdade, a gente quer retorno, porque, não sei quantas reuniões iguais essas nós já tivemos, só que nós nunca tivemos retorno, entendeu? E a gente agora está esperando essas respostas. Tomara que dessa reunião a gente tenha dessa vez a gente consiga esse retorno que a gente espera. Mas de qualquer forma é muito importante a gente possa esses momentos, é muito importante”.

Comunidade Amianto e Pires 

Na Comunidade Tradicional Ribeirinha Amianto e Pires, os representantes das entidades públicas se reuniram com atingidos e fizeram uma caminhada pela rua principal e propriedades que ficam às margens do Rio Paraopeba.  

Atingidos participam de encontro com o MPMG / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas

Na pauta do diálogo, estiveram questões vivenciadas pelos atingidos como o Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada; sobre o Programa de Transferência de Renda; danos agravados pelas enchentes; acessibilidade e acesso a direitos para Pessoas com Deficiência. 

Os moradores da área convivem com problemas constantes, já que suas propriedades foram atingidas pela lama de rejeito de minério e, depois do rompimento, a sensação de insegurança permanece junto das marcas de destruição.  

Maurílio Dias Jardim, da Associação Para Inclusão de Mulheres e Pessoas Com Deficiência (AMPARE), destacou o cenário de insegurança e as condições das pessoas com deficiência: 

“A comunidade Amianto é uma comunidade ribeirinha, chama atenção para o fato de não ter placas de aviso sobre as enchentes, ou de fuga. Depois do rompimento, o sinistro vem pra gente todo dia. O rio todo dia traz os rejeitos pra nós e com a enchente piora. É um agravante. E para as Pessoas Com Deficiência a gente precisa considerar esse agravante, porque as pessoas têm mais dificuldade. A gente precisa levar isso em consideração porque senão é mais uma falha nossa.” 

Ponte das Almorreimas  

Na Ponte das Almorreimas, atingidos denunciaram problemas referentes a uma estação de tratamento de água que, segundo eles, foi construída sem estudos prévios, sem diálogo com a comunidade, não estaria tendo utilidade e que a ocupação do espaço não se deu da devida forma, como destaca Claudia Saraiva, atingida da comunidade: 

“Olha, a gente já foi ouvido várias vezes. Dessa vez, eu espero que a gente seja escutado, que o MP saia daqui com a realidade que nós vivemos hoje, pelos impactos. Não fomos nós que cometemos crimes e a assim eu espero que eles, dentro das limitações que eles têm, eles possam fazer alguma coisa pela gente, né? Como em termos de ajuste de conduta para indenizar tanto individualmente como essa comunidade como um todo pelos impactos dessa obra, da estação de tratamento.” 

Fotos apresentadas pela atingida na reunião mostram que, inclusive, parte da estação de tratamento de água já chegou a ficar submersa em períodos de chuva, o que seria também resultado da falta de planejamento e adequação do equipamento. 

“Gostaria que fosse cobrado do município a responsabilização sobre essa obra. Porque há uma mistura em relação as compensações e as indenizações. A Vale deveria ter comprado as terras pra fazer a obra. A gente tem que dar o sangue do povo de Almorreimas para outros sobreviverem? Estamos sem água. Em que essa obra beneficiou a comunidade? Isso é um elefante branco.  Será que vão minerar aqui também?”, questionou a atingida Cleria Nogueira, moradora da comunidade.

Tejuco 

Na comunidade do Tejuco, a reunião ocorreu no final da tarde, na casa paroquial da Igreja Nossa Senhora da Mercês. Os atingidos e atingidas apresentaram questões referentes ao sistema hídrico, que vem sofrendo gradativos problemas e que estes não recebem atenção das autoridades responsáveis.  

Marco Antônio, da Associação de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos, expôs a situação de agravamento de danos. “Há 300 anos o Tejuco é abastecido pelas nascentes da própria comunidade. Porém, essa água vem diminuindo de alguns anos pra cá. A Vale vem avançando dos anos 2000 pra cá e com o rompimento a comunidade foi um dos principais acessos por terra para se fazer o resgate das vítimas e para isso uma estrada é reaberta. Tem a estrada que liga a comunidade à mina do Córrego do Feijão, aberta pela Vale em 2003 para comprar e vender minério entre as empresas. Com a passagem dos caminhões com rejeito na estrada, ela foi assoreando o reservatório principal de água que está abaixo dessa estrada.” 

Ainda de acordo com Marco Antônio, “de 25 de janeiro de 2019 até o final de 2020, a comunidade ficou sem ser reconhecida pela Vale como zona quente e sem receber água como recebe atualmente. A água começou a chegar na comunidade muito suja, com cheiro ruim e em quantidade menor”. 


Evandro de Paula, morador do Tejuco, também da Associação de Defesa Ecológica da Serra dos Três Irmãos, reforçou que até hoje as pessoas tomam água contaminada já que, segundo ele a Vale não fez a reparação na rede (entupimento, vazamento) que deveria ter sido feita. “Frequentemente ocorre fechamento de registro e após a assinatura do acordo houve a diminuição de caminhões pipa, deixando a comunidade sem água e o período que a comunidade fica sem água é controlado pela Vale. A promotora disse que cabe multa para a empresa, mas até hoje nada ocorreu. A comunidade já sustentou Brumadinho com a água, estão querendo tirar da gente a mata que sustentou a gente por mais de 300 anos e entregar pra mineradora. Sem contar o barulho dia e noite, a chuva que leva lama para a casa das pessoas e derruba os muros, por exemplo.” 

Aranha  

Já no início da noite, na Comunidade Aranha, o diálogo se deu em torno de pautas como os anexos 1.1 e 1.4 do Acordo, saúde, meio ambiente, transporte público, com destaque para a zona rural, insegurança pública, PTR e acessibilidade para pessoas com deficiência. Dezenas de pessoas estiveram presentes na reunião ocorrida na sede da Associação Comunitária.  
 
Lideranças da Comunidade Aranha e Melo Franco fizeram uma apresentação do atual contexto dos territórios. Eles denunciaram, por exemplo, o sucateamento de espaços e equipamentos públicos e a precariedade no abastecimento de água.  

Atingidos do Tejuco durante visita técnica do MPMG / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas

Segundo Alexandre Gonçalvez, da Pastoral da Terra, um estudo da Fiocruz, de 2020, realizado no Parque da Cachoeira, Córrego de Feijão, Tejuco e Aranha mostrou que todas as crianças têm algum nível de contaminação por metais pesados e Aranha aparece com níveis mais elevados. “Uma das exigências urgentes era trazer água potável para as escolas e até hoje não chegou nenhuma gota d’água. Até hoje, foram feitas apenas 30 análises de água. Não houve nenhuma amostra de ar. Há uma pesquisa da Aedas que mostra que altos índices de Arsênio no ar. Essas medidas emergenciais que a comunidade exigiu nenhuma delas foram atendidas”, afirmou Gonçalvez. 

Marcus Vinicius Dias, familiar de vítima fatal e liderança do bairro Salgado Filho, destacou em sua fala ao MP que as pessoas sofrem com a insegurança hídrica, que passam dias e semanas sem água para beber, para atividades básicas e apontou outros problemas. “O MP pode fazer para ajudar com isso, fiscalizar. Como lidar com esses problemas e encontrar as soluções? São quase 5 anos de crime. O bairro também não tem PSF, o hospital da cidade fica distante, não tem investimento da atenção básica de saúde, investigação de metais pesados precisa ser de forma particular, e verba na prefeitura de Brumadinho tem”. 

Outros problemas foram apontados  como falta de abastecimento de água, danos causados pelas obras de reparação, danos criados e agravados em razão das enchentes, dúvidas em relação à execução do Anexo 1.1, críticas às auditorias da execução do Acordo, desinformações em relação ao aumento da mancha de inundação, contaminação e demais questões ligadas à qualidade da água, assédio e controle do território por parte da Vale, indenizações individuais, ampliação dos quadros de adoecimento físico e mental, a falta de informações facilitadas para a compreensão da população no que diz respeito aos detalhes do Anexo 1.4, gestão dos recursos pela Vale que seriam destinados à execução do acordo, falta de infraestrutura de comunicação da FGV Projetos,  prejuízos em relação à produção e comercialização de alimentos por pequenos produtores rurais, em razão de possível contaminação, problemas com o PTR, repúdio à propaganda enganosa da reparação por parte da Vale, impunidade, entre outros.  

Atingidos da Comunidade Aranha apresentam reivindicações ao MPMG / Foto: Lucas Jerônimo – Aedas