Vigilância popular em saúde: atingidos e atingidas na produção de conhecimento e fortalecimento de políticas públicas no Médio Rio Doce
7 de abril de 2025
O Dia Mundial da Saúde, neste 7 de abril, reforça o debate sobre a importância da luta pela saúde de todos os povos
Construção do Coletivo de Saúde das Pessoas Atingidas em Minas Gerais – Foto: Nívea Magno/MAB
Atingidos e atingidas da Bacia do Rio Doce e de outras regiões atingidas pela mineração participaram, durante o mês de fevereiro, em Ipatinga, de formação estadual sobre a construção do Coletivo de Saúde das Pessoas Atingidas em Minas Gerais. A atividade, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reuniu representantes de diversas regiões de Minas Gerais para debater a construção desse coletivo. O encontro contou com a participação de atingidas e atingidos do Vale do Aço e Leste de Minas, assessorados pela Aedas através do Programa Médio Rio Doce.
Um dos temas centrais do encontro foi a Vigilância Popular em Saúde, um conceito que busca colocar os próprios atingidos(as) no centro da produção de conhecimento sobre os danos que enfrentam, fortalecendo a luta por políticas públicas de reparação e prevenção.
A Vigilância Popular em Saúde parte do princípio de que a própria comunidade pode identificar e monitorar os problemas de saúde que causam danos aos territórios. O método propõe que as populações atingidas não sejam apenas objeto de estudos acadêmicos ou relatórios oficiais, mas agentes ativos na construção de soluções e na reivindicação de direitos. Promovendo o protagonismo da comunidade no processo de cuidado do seu território.
Alexandre Pessoa, pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Fiocruz, falou aos atingidos(as) presentes sobre Vigilância Popular em Saúde, focando no protagonismo popular na luta pela defesa da vida. De acordo com o pesquisador, a vigilância deve ser feita tanto por Agentes Sociais (movimentos sociais; entidades como sindicatos, partidos, fóruns, conselhos; sociedade civil e os atingidos) quanto por Agentes Públicos (trabalhadores da saúde, equipes da estratégia da saúde da família, educadores, assistentes sociais).
Alexandre Pessoa, pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Fiocruz – Foto: Luciano Alvim/Aedas
Em sua explanação, Alexandre ressaltou exemplo de uma comunidade atingida por enchentes, e como a vigilância popular agiria em denúncias de barragens de água ou rejeitos em mau estado de conservação – o que poderia levar ao rompimento. “Neste caso, a sociedade deve ter o protagonismo na vigilância”, destaca ao acrescentar que a oficina é uma importante “decisão política de fortalecer a perspectiva da saúde, da determinação social da saúde e como operacionalizar e criar corpo na vigilância popular, tanto para o enfrentamento aos danos dos impactos dos grandes empreendimentos como também aos enfrentamentos da emergência climática no nosso país”, afirma.
Nos territórios atingidos, a saúde é compreendida como um dos principais danos decorrentes das consequências deixadas pelos rompimentos de barragens ou por usas implementações. É o que destaca Thiago Alves, da coordenação geral do MAB.
“Sabemos que as mineradoras produzem doenças em larga escala como consequência de suas barragens, todas gerando adoecimento. Somos atingidos por essas violações, que vêm causando adoecimento em grande escala. E somos nós, os atingidos e atingidas, que estamos organizando a luta para que a saúde seja um direito garantido como ação do Estado brasileiro, como parte da reparação das grandes empresas e com protagonismo popular de cada um de nós que estamos nessa luta”, afirma.
Saúde como prioridade
Maria Madalena, da comunidade Quilombola de Ilha Funda, distrito de Periquito, que integra o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (SINTRAF), ressalta que o contexto de saúde, para os atingidos e atingidas, deve ser evidenciado de forma ampla.
“A comida quando não é boa, a gente come e adoece. O corpo quando não está sossegado, descansado, a gente adoece. É difícil para a gente ficar falando porque nossa situação é essa de perceber que a água não está boa, que as indenizações não vão responder nosso problema, precisamos de saúde”, afirma.
A fala de Madalena aconteceu após a equipe de Saúde da Aedas apresentar, nas regiões da Bacia do Médio Rio Doce e na Bacia do Paraopeba, um levantamento de danos à saúde em territórios atingidos assessorados pela Aedas.
Ao analisar os dados levantados nos territórios, Élida Cândido, coordenadora da equipe de Saúde e Serviços Socioassistenciais da Aedas, explica que a equipe de Saúde utiliza como base o conceito de Saúde Ampliada, que pensa a saúde não como a ausência de doença, mas como o resultado do acesso à direitos como alimentação, habitação, educação, renda, trabalho, lazer, esporte, dentre outros.
A partir da aplicação do Registro Familiar (RF), a Aedas, em territórios assessorados no Médio Rio Doce, identificou que 69,04% dos respondentes consideraram que, devido ao rompimento da barragem de Fundão, o comprometimento da saúde física foi um dos fatores que mais influenciou na condição de saúde da comunidade.
Nos espaços participativos, os relatos predominantes tratam de agravos em saúde e surgimento de sinais/sintomas relacionados à insegurança hídrica e alimentar devido à contaminação. Aproximadamente 96,43% dos núcleos familiares dos territórios assessorados relataram que, devido ao rompimento da barragem, tiveram medo de consumir alimentos vindo de regiões atingidas.
Além disso, são descritos casos de surgimento de sintomas dermatológicos, como manchas, coceiras na pele e queda de cabelo; de sintomas oftalmológicos, como coceira nos olhos; de sintomas gastrointestinais, como dores abdominais e diarreia; aumento de arboviroses, doenças de veiculação hídrica e os adoecimentos relacionadas à saúde mental, como a ansiedade, depressão e uso abusivo de álcool de outras drogas.
Formação
O Encontro ainda possibilitou a troca de informações as várias frentes em que a Vigilância em Saúde atua: vigilância em saúde ambiental, vigilância sanitária, vigilância em saúde do trabalhador e trabalhadora, e vigilância epidemiológica. Os pesquisadores apresentaram a importância de o controle social ser exercido pela comunidade, que deve ser incluída “nos programas de capacitação e de educação permanente em vigilância em saúde, sempre que possível”, por meio de mobilização da população nos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Saúde, além das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
Dia 7 de Abril, Dia Mundial da Saúde
O Dia Mundial da Saúde é celebrado todos os anos para reforçar a importância da luta pela saúde de todos os povos e destacar a urgência de cuidar coletivamente da saúde dos territórios.
Saúde é cuidado coletivo – Foto: Luciano Alvim/Aedas
“Hoje, aproveitamos o dia 7 de Abril para com o povo atingido reivindicar efetividade nas ações de saúde coletiva que serão implementadas com o acordo, e participação das pessoas atingidas nesse processo de construção, monitoramento e elaboração de estratégias junto às equipes de Saúde dos territórios. A Vigilância popular é esse espaço de construção comunitária e por isso tão importante de ser pautada dentro e fora do processo reparatório. As pessoas atingidas precisam ser protagonistas do seu processo de cuidado e da luta pela saúde como um direito”, comenta Élida Cândido.
Texto: equipe de Comunicação do Programa Médio Rio Doce com colaboração da equipe de Saúde e Serviços Socioassistenciais