Pesquisas do Veredas ganham projeção internacional em conferência latinoamericana de Ciências Sociais
Os trabalhos apresentados na 9ª edição da Conferência CLACSO são resultado da parceria da Aedas com a Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e têm à frente professoras e jovens pesquisadoras.
Nos dias 7 a 10 de junho, a capital do México reuniu pesquisadoras e pesquisadores de toda a América Latina para a Conferência Latinoamericana de Ciências Sociais (CLACSO). O encontro é o maior evento acadêmico de ciências sociais e humanidades do mundo e esse ano realizou sua 9ª edição tendo como tema central as Tramas das desigualdades na América Latina e Caribe: saberes, lutas e transformações. Segundo a secretária executiva da CLACSO, profª Karina Batthyány, um debate dessa dimensão é muito enriquecedor, “organizado em 34 eixos temáticos aprofundados em foros e colóquios, com a participação de destacadas/os intelectuais, acadêmicas e acadêmicos, docentes e jovens que dão cor e calor ao encontro” – anuncia a professora, em carta-convite do evento.
O projeto Veredas, representado pela professora Aline Faé (UFVJM), marcou presença nesse espaço de debate com dois trabalhos aprovados nos painéis do evento. Através deles, foi debatido um panorama geral da metodologia e dos resultados da iniciativa de Pesquisa e Desenvolvimento financiada pela Cemig. No trabalho Semiárido, Energia Solar e Comunidades: Análises a partir do projeto Veredas Sol e Lares, as pesquisadoras Aline Weber, Ivana Lovo, Natália Faria e Heliene Macedo relatam à Clacso a metodologia e resultados obtidos com o projeto Veredas Sol e Lares. As autoras retomam as questões geopolíticas associadas à produção de energia elétrica e descrevem como a energia solar desponta, nos últimos anos, enquanto via estratégica para a construção da soberania e inovação no setor energético. A partir daí, relatam a experiência do Veredas como processo pioneiro ao instituir participação social na produção de energia.

Já no trabalho Planos Desenvolvimentistas no Vale do Jequitinhonha – Silenciamentos dos Sujeitos Étnicos, as autoras Lauanda Lopes, Profª Drª Aline Weber e Profª Drª Aline Faé – todas vinculadas ao Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro da UFVJM – estudam a lógica dos projetos de desenvolvimento implementados pelo governo no Vale do Jequitinhonha entre as décadas de 1930 e 1980, investigando como esses programas produziram e aprofundaram desigualdades ao disseminar discursos estereotipados sobre a região. O estudo aponta como mulheres, indígenas e a população negra estavam à margem desse planejamento, que resultou em projetos econômicos que exploram mão de obra barata e expulsam esses povos da região.
O artigo é um desdobramento da dissertação de mestrado de Lauanda Lopes, para quem o projeto Veredas foi central em sua formação como pesquisadora: “foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida, porque o projeto Veredas abriu muitas portas e um leque de possibilidades pra estudar minha própria realidade, coisa que eu não estava acostumada dentro de outros projetos na universidade. Então foi dentro do Veredas que eu comecei a me identificar enquanto pesquisadora popular” – diz Lauanda em entrevista à o comunicação do projeto. Natural de Araçuaí, bacharel em história e mestra em estudos rurais pela UFVJM, ela se vincula ao Veredas Sol e Lares desde a graduação, quando desenvolveu um projeto de iniciação científica e levantou suas inquietações a partir do trabalho de campo e pelas visitas às comunidades. Seu primeiro trabalho foi acerca do protagonismo das mulheres no acesso à água e energia no médio Jequitinhonha, questão que lhe era familiar a partir da própria vivência de sua família, oriunda da zona rural do Vale.
“Agora nós estamos dando visibilidade a questões que estiveram historicamente ocultas”
Diz Lauanda Lopes, mestra em Estudos Rurais e pesquisadora do Veredas e UFVJM
Quando questionada sobre o significado da aprovação do trabalho pela Clacso, Lauanda diz sobre a importância de dar visibilidade às vozes do Vale do Jequitinhonha: “ter um trabalho aprovado num evento enorme, o maior evento acadêmico e político das ciênciais sociais e humanas do mundo, é um sentimento gratificante. Agora nós estamos dando visibilidade a questões que estiveram historicamente ocultas, principalmente quando se trata da questão da interseccionalidade, desse debate que envolve raça e etnia nos projetos de desenvolvimento. E isso pensado a partir de pesquisadores da região, como é o meu caso, enquanto mulher negra filha do Vale do Jequitinhonha, é muito legal porque talvez eu esteja sendo referência para outros pesquisadores. E ter a população como protagonista desses projetos, à frente de pesquisas acadêmicas, nesse trabalho intelectual que geralmente é feito por pessoas de fora da região, é muito gratificante” – diz a pesquisadora.
Entenda a pesquisa social do Veredas
Ao instalar uma usina de energia fotovoltaica flutuante no reservatório de uma usina hidrelétrica, o Veredas Sol e Lares inova nas técnicas de engenharia, contribuindo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) sobre hibridização de diferentes fontes de energia. Entretanto, a inovação promovida pelo projeto não para por aí. Outra dimensão pioneira do Veredas está em seu método de execução, que envolve as comunidades nas pesquisas e discussões do desenvolvimento regional e sobre o marco regulatório da energia gerada na usina. Esta forma de pesquisa, baseada nos princípios da tecnologia social, é uma iniciativa inovadora que emprega metodologias participativas para o processo de P&D na geração de energia elétrica.
Desde um Acordo de Cooperação Técnica assinado em 2018, a UFVJM é parceira da Aedas nesse processo, vinculando pesquisadoras e pesquisadores através do Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro. Dessa forma, o Veredas Sol e Lares envolve 65 técnicos de nível médio, 9 pesquisadores de Iniciação Científica, 7 mestrados acadêmicos, 3 mestrados profissionalizantes e 1 doutorado, todos eles engajados em pesquisa e formação sobre produção de energia e desenvolvimento local – é daí que resultam trabalhos como aqueles reconhecidos e apresentados na CLACSO. Além disso, o processo de pesquisa foi enraizado nas comunidades através da participação de cerca de 80 pesquisadores e pesquisadoras populares: moradores e moradoras dos vales do Jequitinhonha e Rio Pardo que atuaram na produção de dados e debateram projetos de desenvolvimento a partir de metodologias participativas organizadas em parceria com o observatório da UFVJM. Os sujeitos desse amplo processo de pesquisa se encontram em seminários e módulos de formação, espaços voltados para a capacitação sobre os conceitos centrais dos estudos e sobre o manuseio de ferramentas técnicas de pesquisa, conduzindo sempre uma construção do conhecimento a partir dos olhares dos sujeitos dos territórios beneficiados.