Caso Brumadinho: Vale se manifesta contrária à liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos dos atingidos pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão
O processo agora aguarda uma nova decisão pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte/MG, que deve decidir sobre os próximos passos para a resolução da reparação dos danos individuais homogêneos

Ato ocorrido no dia 26/09 em Belo Horizonte | Foto: Patrícia Sousa – Aedas
No último dia 02 de outubro de 2023, a mineradora Vale se manifestou no processo de reparação que visa identificar e valorar os danos individuais sofridos pelas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, de sua propriedade em 2019.
A empresa já foi condenada a reparar todos os danos causados, mas ainda não se sabe a extensão de quais são os danos a serem indenizados, seus respectivos valores e os critérios para se definir que tem o direito de ser indenizado.
Relembre o caso
Em 14 de março de 2023, o juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias, Dr. Murilo Silvio de Abreu, acolheu o pedido realizado em 18 de agosto de 2022 pelo Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Defensoria Pública de Minas Gerais, para que fosse determinada a liquidação coletiva dos danos individuais na Ação Coletiva em curso.
Isso significaria que todos os danos individuais, seus valores e os critérios de reconhecimento e comprovação seriam debatidos no processo coletivo, sendo assegurada uma perícia independente a ser conduzida pela UFMG e a participação das pessoas atingidas através de suas Assessorias Técnicas Independentes.
No entanto, após a decisão a Vale entrou com um recurso ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais alegando a existência de um erro processual, que foi reconhecido pelo juiz, Dr. Murilo, que se retratou e tornou sem efeito a decisão que autorizava o início da liquidação coletiva. Com isso, a Vale foi intimada a se manifestar em 10 dias para que o juiz possa tomar uma nova decisão sobre o tema.
Manifestação da Vale
Em suas alegações a mineradora diz que já existe, no Acordo Judicial de fevereiro de 2021, a determinação de que os danos individuais deverão ser analisados pela UFMG não podendo ser determinada a realização de novos estudos.
A empresa sustenta que os danos já estão sendo analisados e que até que se finalize os estudos não é possível qualquer decisão que determine a liquidação coletiva dos danos individuais.
Aponta que uma decisão contrária ofende a coisa julgada, ou seja, altera uma situação que já foi decidida antes, além de criar um “tumulto processual” que alega ser ineficaz.
Por outro lado, sustenta que, ainda que fosse autorizada uma construção coletiva da matriz dos danos individuais que devem ser indenizados, é de responsabilidade exclusiva das próprias pessoas atingidas ajuizarem ações individuais em busca de seu direito.
A mineradora expõe ainda que, mesmo com as perícias em andamento. entende que os critérios que devem ser utilizados para dizer se uma pessoa é ou não atingida são os já construídos no Termo de Compromisso realizado com a Defensoria Pública, ou seja, sem a participação popular, livre e informada das pessoas atingidas:
“O que se pode fazer ainda em sede coletiva, lado outro, é a elaboração da matriz de danos a ser utilizada como parâmetro para as execuções individuais; desde que respeitado o TC firmado com a DPMG” (Vale)
Por fim, se colocou contrária à inversão do ônus da prova, situação processual na qual a Vale que teria que provar que não causou os danos alegados pelas pessoas atingidas e não o contrário.
A liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos
Ao contrário do que vem defendendo a mineradora Vale, as perícias em curso conduzidas pela UFMG não impedem o início de uma fase de liquidação coletiva. Essa fase é complementar e serve para identificar os danos, fornecer um valor correspondente à reparação e criar critérios para identificação da população atingida.
Os fundamentos foram apresentados pelo Ministério Público de Minas Gerais em resposta ao recurso da Vale e através das diversas manifestações de lideranças das pessoas atingidas e de suas Assessorias Técnicas Independentes.
Como se sabe, os estudos encomendados para a UFMG foram determinados há bastante tempo, havendo inúmeras comunidades não incluídas nas análises, além de diversos danos que não são analisados e são constantemente denunciados pelas pessoas atingidas.
A Vale vem atuando de forma absolutamente resistente e contrária a qualquer garantia de participação e adequação dos estudos. Em manifestação no dia 12 de agosto de 2022, a empresa se nega a aceitar a inclusão de comunidades amplamente reconhecidas como atingidas nos estudos.
A mineradora se pôs contra à realização de estudos nos municípios de São Gonçalo do Abaeté, Felixlândia, Morada Nova de Minas, Biquinhas, Paineiras, Abaeté, Três Marias, Mateus Leme e Caetanópolis, alegando que a perícia não pode ser atualizada até que seja concluída, deixando sem qualquer proteção os danos das pessoas que residem nessas localidades.
Conforme decisão de 14 de março de 2023, a nomeação da UFMG como perícia do juízo preserva seus estudos já em curso, já que é realizada pela mesma instituição e não causa prejuízos aos estudos anteriores. Na verdade, gera mais qualidade e equilíbrio diante da extensão dos danos causados pelo crime socioambiental.
A Vale tenta evitar a instauração de uma liquidação coletiva impedindo a participação das pessoas atingidas na construção dos critérios de reconhecimento e das formas de comprovação. Essas condições são fundamentais para a efetivação do direito à reparação, já que, sem critérios justos inúmeras pessoas não serão reconhecidas.
Ou seja, a manifestação da Vale é por uma solução barata que não tenha nenhuma participação das pessoas atingidas.
Além disso, a Vale, não aceita mais, desde 2022, iniciar qualquer negociação com as pessoas atingidas com base no Termo de Compromisso que ela assinou com a Defensoria, segundo relatos das mesmas durante esse último ano de assessoramento da Aedas. Por outro lado, a empresa se utiliza de uma estratégia de oferecer um valor pré estabelecido e igual para que todos os atingidos desistam de seus processos individuais, conforme relatado na notícia do portal Metrópoles.
Próximos passos
Na última terça, dia 26.09.2023, dezenas de pessoas atingidas das cinco regiões, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), organizações das pessoas atingidas e representantes das Assessorias Técnicas ocuparam a frente do prédio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Belo Horizonte pedindo uma solução célere, eficaz, justa e participativa.
O processo agora aguarda uma nova decisão pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte/MG, que deve decidir sobre os próximos passos para a resolução da reparação dos danos individuais homogêneos.