Vale se manifesta mais uma vez contra a liquidação coletiva e questiona manifestação das IJs
Mineradora afirma ser contrária à liquidação coletiva, que o juiz deve aguardar a conclusão de estudos da UFMG e se recusa a aceitar os pedidos propostos pelas Instituição de Justiça

Ao contrário do que havia sido determinado pelo juiz Dr. Murilo Silvo de Abreu, após audiência realizada no dia 02.05.2024, no último dia 04.06.2024 a empresa Vale se manifestou no processo judicial e não colaborou com a construção de uma metodologia básica para a liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos.
A empresa defendeu parcialmente as categorias de danos apresentadas por estudos da UFMG, apesar de apontar limites que colocam em risco o reconhecimento de danos para, novamente, defender a utilização do Termo de Compromisso assinado com a Defensoria Pública, em 2019, e sugerir que pessoas atingidas busquem individualmente seus direitos.
Mineradora defende que perícias em andamento são suficientes para identificação dos danos individuais
Assim como vem fazendo nos últimos dois anos, desde que o primeiro pedido de liquidação coletiva foi apresentado pelas Instituições de Justiça (IJs) no processo judicial, a Vale mantém seu posicionamento sobre a impossibilidade de realização da liquidação coletiva, por se tratar de direitos disponíveis e de interesse exclusivo das pessoas atingidas que, no entendimento da mineradora, devem ingressar com a ação de forma individual.
O argumento reiterado é de que, como ainda existem perícias em andamento, não é possível a determinação da realização de novas perícias, ao contrário do que indicou o juiz Dr. Murilo Silvo de Abreu ao decidir pela necessidade de complementação dos estudos e nomeação de perito em fase de liquidação coletiva.
Acontece que, apesar de defender a continuidade dos estudos, a Vale utiliza a análise feita por seu assistente técnico, a Universidade Federal de Lavras (UFLA), para trazer críticas às Chamadas (pesquisas) realizadas pela UFMG, como eventuais erros, incoerências e fragilidade metodológica.
Especificamente em relação à Chamada nº 03, que tem como objetivo identificar a população atingida e os danos individuais causados pelo rompimento, a empresa diz que não existe prova do nexo de causalidade, ou seja, que os danos identificados não necessariamente podem ser colocados como sua responsabilidade, pois, poderiam ter sido causados por outro motivo que não o rompimento.
Ou seja, ao mesmo tempo em que diz que os estudos seriam suficientes a empresa mineradora já dá indícios de não concordar com o reconhecimento do direito de inúmeras pessoas atingidas. Tampouco, reconhece inúmeros danos que a UFMG explicitamente apontou não ter tratado na referente pesquisa. Ao contrário do que a Vale tenta fazer acreditar, não foram tratados pelo estudo perdas como os danos imobiliários, danos morais, danos às pessoas jurídicas, danos econômicos etc.

Vale quer limitar a identificação de quem são as pessoas atingidas e quais os danos devem ser indenizados
Em suas alegações, ao entrar no debate sobre a liquidação coletiva, a empresa sustentou que, das etapas e condições sugeridas para a criação de uma Matriz de Danos, duas já estariam resolvidas: quem são as pessoas atingidas e quais os danos deveriam ser indenizados.
A manifestação vai na contramão da manifestação realizada pelas Instituições de Justiça que sustentaram que, apesar dos estudos, diversos danos já foram identificados nos territórios atingidos, como apontado pelas próprias pessoas atingidas e suas Assessorias Técnicas Independentes.
Para defender sua argumentação a Vale utiliza declaração dada por um dos professores da UFMG participantes da pesquisa, de que os estudos seriam suficientes para dar conta de todos os danos causados na Bacia do Rio Paraopeba. Ou seja, ignorando os motivos e fundamentos trazidos pelas Instituições de Justiça.
Em acréscimo à sua narrativa, a empresa demonstra claramente ser contra ao reconhecimento de diversos danos, sob a alegação de que seriam danos coletivos, desprezando estudos e investigações que demonstram o impacto individual sofrido por pessoas que perderam seus modos de vida, qualidade de vida e danos à saúde.
Como demonstrado na manifestação e em documento elaborado pelas Assessorias Técnicas Independentes, o edital da Chamada, ou seja, o documento que diz quais seriam os danos analisados deixou de fora diversos danos sabidamente causados na Bacia do Rio Paraopeba, além de danos que são protegidos por legislações específicas como a Política Nacional de Atingidos por Barragens.
Vale insiste em defender o Termo de Compromisso assinado com a Defensoria Pública seja readequado
A Vale argumenta que os danos sofridos pelas pessoas atingidas são danos e individuais e, que, portanto, cada pessoa atingida deve buscar a sua indenização de forma individualizada. Para reforça essa ideia, faz uma defesa sem limites ao Termo de Compromisso firmado com a Defensoria Pública e dos danos nele listados, falando que já indenizou “mais de 9.000 beneficiários, (…) universo representa a quase (senão a total) integralidade das pessoas que sofreram danos diretos com o rompimento da barragem”, nas palavras da mineradora.
Além das diversas denúncias, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de Brumadinho, identificou diversas irregularidades, tratamento desigual e ofensa às garantias e direitos de pessoas atingidas nos procedimentos realizados pela Vale, que novamente defende que esse deve ser o modelo para garantir a reparação integral.
Assim, desconsidera os argumentos trazidos pelas IJs da necessidade de complementação da identificação das pessoas e dos danos individuais por elas sofridos. Tampouco, considera os argumentos trazidos pelo juiz em audiência sobre a necessidade de complementação dos critérios e parâmetros em uma postura não colaborativa e que visa limitar ao máximo o acesso das pessoas à justiça e à luta por seus direitos.

Preclusão: Vale afirma que Instituições de Justiça perderam o prazo processual para questionarem o Relatório Final da Chamada nº3 da UFMG
A Vale ainda alega que as IJs não questionaram o Relatório Final da Chamada nº 3, que investigou, de forma amostral, a “caracterização e Avaliação da População Atingida pelo Rompimento da Barragem da Minas Córrego do Feijão em Brumadinho” e que não podem questionar os critérios do estudo.
Ocorre que o estudo é completamente limitado, tanto na identificação e levantamento dos danos que foram objeto dos estudos, como pelos municípios que não foram incluídos nas pesquisas realizadas. Com isso, a mineradora busca se utilizar de manobras e argumentos processuais, para evitar ao máximo sua responsabilidade em indenizar os danos causados à população atingida, demonstrando que, ao contrário do que alega, ao dizer que está comprometida com a reparação, não limita esforços em defender seus próprios interesses.
Os danos dos Povos e Comunidades Tradicionais já estão sendo tratados pelo Acordo Judicial
Os Povos e Comunidades Tradicionais são grupos diversos e múltiplos presentes nos territórios ao longo da Bacia do Rio Paraopeba, cujos direitos e danos devem ser assegurados no âmbito da Reparação Integral.
Em razão disso, foi apresentada pelas ATIs uma categoria especifica dos danos sofridos pelos PCTs , o que foi pedido pelas IJs no processo, mas a Vale afirma que esses danos já estão sendo reparados pelo Acordo Judicial, que versa sobre a reparação coletiva.
Próximos passos
Como forma de sustentar suas alegações, a empresa Vale se utiliza de diversas sentenças judiciais de primeira instância que não reconhecem direitos das pessoas atingidas, o que, na verdade, reforça a necessidade de construção de critérios e parâmetros indenizatórios adequados ao contexto e dimensão dos danos causados, evidenciando limites e falhas do poder judiciário.
E mesmo assim, comprovando que as ações individuais são um caminho prejudicial às pessoas atingidas, a Vale se coloca contra a liquidação coletiva e a possibilidade de construção de uma alternativa real em busca da reparação integral, demonstrando que, a depender da empresa, o máximo de direitos e de garantias não serão respeitados e inúmeras pessoas atingidas não serão reconhecidas.
O próximo passo do processo agora é que seja determinada a realização de uma próxima audiência para o debate entre as partes com participação do Comitê Técnico-Científico da UFMG, responsável pelas perícias em andamento.
Texto: Equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação