Precedentes do TJMG reconhecem que não ocorreu prescrição no caso do rompimento da barragem em Brumadinho
A prescrição, que estabelece um limite de tempo para buscar indenização, é um aspecto crucial nos processos judiciais. As decisões recentes do TJMG afirmaram que a prescrição ainda não aconteceu, embora não tenham especificado a data exata em que ocorrerá.

Mina Córrego do Feijão, Brumadinho (MG) | Foto: Felipe Cunha | Aedas
Uma das grandes dúvidas dos atingidos em relação aos processos judiciais que tramitam na justiça é sobre a ocorrência, ou não, de prescrição do direito de reparação individual dos danos decorrentes do rompimento.
O termo prescrição quer dizer que há um prazo colocado pela lei como tempo limite para que as pessoas entrem na justiça para solicitar o reconhecimento de direitos ou que sejam indenizadas por danos sofridos.
Normalmente, esse prazo começa a contar da data em que a violação de direito aconteceu, porém, em alguns casos a prescrição não acontece. A quantidade de tempo em que essa prescrição irá ocorrer também varia para cada caso. Existem casos em que a prescrição ocorre em um ano, em outros casos a prescrição pode ocorrer em dois, três, cinco ou até dez anos. Em determinados casos a prescrição pode nem ocorrer. É o que chamamos de direitos imprescritíveis.
Nos processos individuais movidos por alguns atingidos da Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias está em discussão:
- em quanto tempo o prazo prescricional ocorrerá e;
- quando começará a correr o prazo prescricional.
A prescrição não está correndo no processo coletivo, que também discute o tema, como objetivo, a reparação dos danos individuais. Essa discussão sobre o prazo prescricional afeta apenas a possibilidade de os atingidos poderem ou não entrar com novas ações individuais para pedir reparação pelos danos sofridos. Ou seja, embora os danos individuais possam ser discutidos em processos individuais e no processo coletivo, pode haver um tempo limite para a pessoa atingida fazer seu processo individual.
O que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entende sobre o prazo prescricional no caso do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em Brumadinho?
Recentemente, decisões do TJMG em dois processos individuais trouxeram entendimentos importantes sobre o tema. As decisões afirmam que a prescrição ainda não ocorreu, apesar de não se manifestarem sobre a data exata em que o prazo prescricional ocorrerá.
Veja abaixo o entendimento mais atual do TJMG sobre prescrição:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE REJEITOS DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO – ARTIGO 17 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – DANOS DECORRENTES DE DESASTRES AMBIENTAIS – APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL – INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM RAZÃO DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO COLETIVA – RECURSO PROVIDO – SENTENÇA CASSADA. – Para a caracterização da prescrição intercorrente é necessário o transcurso do lapso temporal necessário à configuração do instituto, que deve ser contado a partir do fato gerador da pretensão do interessado. – Considerando que a autora alega ser uma das vítimas do desastre ambiental de Brumadinho, o rompimento do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, explorada pela Vale, configura grave falha na prestação de serviços. – O regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor se aplica ao caso, uma vez que a reparação ora discutida decorre, em tese, de falha na prestação de serviços. – A caracterização da parte autora como consumidora por equiparação (bystander), impõe a aplicação da teoria da actio nata e do prazo prescricional de 05 (cinco) anos, como previsto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. – O ajuizamento da ação civil pública para defesa de direito difuso e coletivo interrompe o prazo prescricional para ações individuais. – O prazo prescricional para ajuizamento das ações individuais resta interrompido desde o momento da citação válida da mineradora nos autos da ação civil pública, sendo que, com o trânsito em julgado das referidas ações coletivas, iniciar-se-á a fluência do prazo prescricional aplicável, repise-se, cinco anos, de acordo com a legislação aplicável à hipótese. – Recurso provido. Sentença cassada. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.027495-3/001 – COMARCA DE BELO HORIZONTE (grifos nossos)
Os entendimentos mais importantes da decisão são:
- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso – os desembargadores consideraram que o rompimento da barragem configura falha grave na prestação de serviços pela Vale, o que justifica a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
- A caracterização dos atingidos como consumidores por equiparação (bystander) – com isso, o prazo prescricional é de 05 anos, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor.
- O início das Ações Civis Públicas interrompeu o prazo prescricional para ações individuais – os desembargadores reconheceram que o prazo prescricional para ajuizamento das ações individuais está interrompido desde o momento da citação válida da Vale S.A na Ação Civil Pública (ACP).
- Não é a data do rompimento da barragem o início da contagem do prazo prescricional – o prazo prescricional irá começar a correr quando se encerrarem as ações coletivas.
- Não foi definido quando o prazo prescricional irá começar a correr – com o trânsito em julgado das ações coletivas, irá se iniciar a contagem do prazo prescricional, entretanto, ainda está sendo discutido no processo coletivo em qual data ocorreu ou ocorrerá o trânsito em julgado. O termo jurídico “trânsito em julgado” refere-se ao momento em que uma decisão se torna definitiva, não podendo mais ser objeto de recurso.
- As decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais dão a entender que o Acordo Judicial firmado entre Instituições de Justiça e a Vale, em 2021, pode ser considerado o marco para iniciar a contagem de 05 anos. Porém, isso não é decidido de forma clara e, ainda assim, os desembargadores afirmam que não está claro a data em que o Acordo Judicial se tornou definitivo.
Quando ocorrerá a prescrição de reparação dos atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho?
A discussão sobre o prazo prescricional não ocorrerá nas ações coletivas acompanhadas pela Aedas e pelas demais ATI’s, e sim nos inúmeros processos individuais que as pessoas atingidas podem fazer com auxílio da Defensoria Pública ou de advogados particulares. Processo individuais já iniciados, ou seja, já apresentados à justiça, não sofrem nenhum risco com esse prazo.
Nas ações individuais, cada juiz pode tomar suas próprias decisões, que podem, inclusive, ser contrárias às decisões de outros juízes que atuam em casos parecidos. Esse é um dos motivos pelos quais existem instâncias recursais, como as câmaras do TJMG, no âmbito estadual, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), em âmbito federal.
As decisões do TJMG que trazemos nessa notícia são precedentes importantes, mas ainda podem ser objeto de recurso pela Vale. Ou seja, essas decisões não são definitivas e não necessariamente serão aplicadas a todos os atingidos. É provável que essa discussão sobre a prescrição chegue até instâncias superiores, como o STJ e o STF. Nesse caso, teremos um posicionamento definitivo sobre a ocorrência ou não do prazo prescricional.
A Vale S.A, apesar de alegar buscar a reparação, está atuando judicialmente e extrajudicialmente para afirmar que a prescrição já ocorreu, no ano de 2022. Ou seja, o posicionamento da empresa junto ao Poder Judiciário é contrário aos atingidos e tenta, ao máximo, impedir que a reparação integral aconteça.
STF considera que é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental
A Aedas entende que a pretensão de reparação civil de dano ambiental é imprescritível. Ou seja, o prazo prescricional para os atingidos entrarem com novas ações individuais não deve ocorrer.
Além disso, caso se reconheça que existe um prazo prescricional, ele deve começar a correr apenas após o fim das ações coletivas.
Existe um entendimento do STF que vai na mesma linha do entendimento da Aedas de que a reparação por danos ambientais é imprescritível.
Em abril de 2020, o STF decidiu que a pretensão de reparação civil (por danos morais ou materiais) em razão de danos ambientais não está sujeita à prescrição.
A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 654833, com repercussão geral (Tema 999).
Repercussão geral é um instituto processual pelo qual se reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses das partes do processo.
Embora o STF seja uma instância judiciária superior, ainda não vemos essa decisão sendo aplicada com frequência nas decisões dos juízes do TJMG sobre os atingidos por barragens em Minas Gerais.
Veja a decisão do STF sobre o tema:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020) (grifos nossos)
O tema do prazo prescrição é complexo e com muitos entendimentos diferentes. Esperamos que uma eventual decisão definitiva sobre o assunto seja a mais favorável aos interesses dos atingidos e visem uma reparação integral.
Texto: Equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI) do projeto Aedas Paraopeba
🎧 Ouça a entrevista com Bruno Kassabian, coordenador da DRI, na edição 76 do Rádio “Aedas no Ar” sobre o tema: 🎧