Vitória das pessoas atingidas do Paraopeba: TJMG autoriza a instituição imediata de novo auxílio emergencial
Decisão reforça a aplicabilidade da PNAB, do princípio da centralidade do sofrimento da vítima e da reparação integral para autorizar o recebimento de novo auxílio emergencial, a ser instituído provisoriamente nos termos do PTR

Na última semana de outubro, atingidas e atingidos fecharam linha férrea em Mário Campos e Brumadinho por mais de 50 horas | Foto: Nívea Magno/MAB
Na tarde de hoje (13/11), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu a aplicabilidade da Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB), Lei nº 14.777/2023, para legitimar a continuidade do auxílio emergencial às pessoas atingidas, levando em consideração a permanência dos danos decorrentes do rompimento da barragem de Vale em Brumadinho em 2019.
Fruto de luta
Essa decisão é resultado do processo de luta das pessoas atingidas da bacia do Paraopeba que se mantiveram mobilizadas desde o anúncio do encerramento do pagamento do Programa de Transferência de Renda (PTR). No dia 28 de outubro, lideranças das Regiões 1 e 2 da bacia ocuparam, por 3 dias, a linha férrea da MRS em Mário Campos denunciado o agravamento das condições de vida dos atingidos pelo desastre-crime da Vale em Brumadinho com o fim do PTR, reivindicando o novo Auxílio Emergencial e a permanência da Aedas, ATI eleita democraticamente pelas pessoas atingidas.
No último dia 05 de novembro, durante a Jornada de Lutas organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), pelos 10 anos do crime em Mariana e dos 06 anos em Brumadinho, representantes das instâncias das regiões atingidas se reuniram com a presidência do TJMG para tratar de pautas pendentes, incluindo a Ação Civil Pública que solicita um novo auxílio emergencial. Essa ação estava paralisada desde 24 de abril, após recurso da Vale contra decisão de 1ª instância.

Foto: Valmir Macêdo/Aedas
O que diz a decisão do desembargador
A decisão, proferida no dia 11 de novembro pelo Desembargador André Leite Praça, representa uma vitória para a população atingida, pois afirma a prevalência dos direitos humanos, reconhece a necessidade da reparação integral e aplica corretamente o princípio da centralidade da vítima. Estes fundamentos são suficientes para afastar os argumentos da coisa julgada e inaplicabilidade da PNAB, defendidos pela Vale no Agravo de instrumento interposto contra decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, que determinou o pagamento de auxílio emergencial às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem.
Em síntese, a Vale alega que suas obrigações foram cumpridas integralmente no âmbito do Acordo Judicial para Reparação Integral, que a PNAB não deve ser aplicada por ter entrado em vigor após o rompimento, e que a instituição de novo auxílio viola a segurança jurídica, diante da imposição de obrigação de valor indeterminado e duração indefinida.
A 19ª Câmara Cível reexaminou o efeito suspensivo concedido anteriormente pela Desembargadora Maria Dolores e concluiu que não estavam presentes os requisitos para a manutenção da suspensão de primeiro grau. Nesse sentido, revogou a decisão e restabeleceu os efeitos da decisão do Juiz Murilo de Abreu, que autorizou o pagamento do auxílio emergencial enquanto houver reparação em andamento.
O Desembargador Leite Praça compreende a necessidade e aplicabilidade da PNAB por se tratar de um dano contínuo, ainda que a vigência da lei seja posterior ao rompimento. Isto, porque, a lei regula situações jurídicas que ainda produzem efeitos e não se encerraram no passado. Este é um reconhecimento de fundamental importância, pois atesta que o desastre crime da Vale ainda produz efeitos jurídicos, sociais, econômicos e ambientais, caracterizando a prevalência de danos continuados.
Leite Praça entende que a determinação judicial de pagamento de auxílio emergencial não viola, altera ou desconsidera o AJRI. O novo auxílio emergencial assegura a manutenção das condições de vida das vítimas até que seja alcançada a reparação integral e não se confunde com o Programa de Transferência de Renda, previsto no Acordo. O Desembargador centraliza o sofrimento das vítimas como princípio orientador da sua decisão, impondo que a reparação tenha como foco as necessidades das pessoas atingidas.

Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Em relação ao suposto dano financeiro alegado pela Vale, o Desembargador afirma que a Vale é uma das maiores empresas de mineração do mundo, de modo que o pagamento de auxílio emergencial se torna pequeno quando comparado ao dano existencial que a ausência de auxílio causaria a milhares de famílias.
Nas palavras do Desembargador, a instituição de auxílio emergencial “trata-se de obrigação autônoma, fundada em diploma legal posterior, destinada a tutela de um direito não abrangido pelo Acordo: o direito das populações atingidas a receberem auxílio emergencial enquanto persistirem os efeitos do desastre”. Assim, reconhece que o direito à vida e a dignidade humana devem prevalecer sobre o interesse patrimonial da mineradora.
Embora tenha delimitado obrigações de fazer e pagar da Vale, o Acordo não excluiu a possibilidade de reconhecimento de novos deveres e obrigações que surjam por força de lei posterior ou que busquem alcançar uma reparação contínua. O Acordo não esgotou os deveres para a reparação integral. Para Leite Praça, a coisa julgada defendida pela Vale não impede a aplicação da PNAB, posto que esta regula deveres de natureza distintas e complementar ao Acordo. A PNAB exerce papel de disciplinar a continuidade da reparação, ao mesmo passo que o Poder Judiciário tem o condão de proteger as partes mais vulneráveis da relação.
A decisão judicial afirma a responsabilidade civil continuada da mineradora, que está sujeita à legislação superveniente que discipline a reparação integral de desastres ambientais.
Por fim, Leite Praça determina que o auxílio emergencial seja mantido, utilizando, provisoriamente, os mesmos critérios de definição de beneficiários do Programa de Transferência de Renda, bem como os mesmos valores previstos antes da redução iniciada em março deste ano. Ressalta que a adoção destes critérios é provisória, pois destina-se a viabilizar a imediata fixação do auxílio emergencial. Cabe ao juiz de primeiro grau, em momento posterior e com a participação das partes interessadas, definir os critérios específicos para operacionalizar o novo auxílio, devendo ser observados as peculiaridades da PNAB.
Próximos passos
O juiz de primeiro grau deve dar cumprimento à decisão, fixar os critérios previsto no PTR e instituir o pagamento imediato de novo auxílio para as pessoas atingidas. Desta decisão cabe recurso por parte da Vale.
Quais serão os valores?
De forma temporária, o auxílio será restabelecido nos mesmos valores praticados antes de março de 2025, sem a redução anunciada pela FGV no início do ano. Todas as pessoas atingidas que já recebiam o PTR deverão ser contempladas.
| Valores Bacia do Paraopeba(Brumadinho e 1km da calha do rio) | Salário mínimo atual – 2025 |
| Adultos | R$ 759 (½ salário-mínimo) |
| Adolescentes | R$ 379,50 (¼ de salário-mínimo) |
| Crianças | R$ 189,75 (⅛ de salário-mínimo) |
| Valores Zona-Quentee Familiares de Vítimas Fatais | Salário mínimo atual – 2025 |
| Adultos | R$ 1.518 (1 salário-mínimo) |
| Adolescentes | R$ 759 (½ salário-mínimo) |
| Crianças | R$ 379,50 (¼ de salário-mínimo) |
Critérios para acesso
- Território: ser residente de território atingido na data do rompimento da barragem (Brumadinho em toda a sua extensão territorial ou poligonais de outros municípios atingidos que se encontram dentro da distância de 1km da margem do Rio Paraopeba)
- Povos e Comunidades Tradicionais: ser pertencente a PCTs do território atingido
- Familiares de Vítimas Fatais: pais, cônjuges, filhos e irmãos de vítimas fatais do rompimento
- Residentes da Zona Quente: residir em comunidades consideradas como Zona Quente para o PTR (Córrego do Feijão/Cantagalo, Tejuco, Parque da Cachoeira, Parque do Lago, Alberto Flores, Pires, Monte Cristo/Córrego do Barro, Córrego Fundo e Assentamento Pastorinhas)
Texto: Estratégias Jurídicas da Reparação e Comunicação


