O dia 25 de novembro é um marco para os movimentos de mulheres, uma vez que se instaura o “Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher”, data que simboliza a agenda de lutas feministas pela erradicação de todas as formas de violência de gênero.
A data articula reivindicações históricas pelos direitos das mulheres e representa um momento de mobilização social para exigir políticas públicas que garantam o acolhimento, o acesso à justiça e a garantia de uma vida segura e livre de estigma para as mulheres de todo o mundo.
Apesar desse dia ter sido oficializado em 1999 pelas Organização das Nações Unidas (ONU) em sua Assembleia Geral, a data já era vivenciada pelo movimento de mulheres, especialmente as presentes no 1º Encontro Feminista Latino-americano e Caribenho, que aconteceu em 1981, em Bogotá, Colômbia, como forma de lembrar as irmãs Patria, Minerva e María Teresa Mirabal, que foram torturadas e brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960, a mando do ditador da República Dominicana, Rafael Trujillo.
No atual contexto de pandemia da COVID-19, o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher ganha um novo significado.
Com as restrições sanitárias e a intensificação da convivência familiar, houve um grande aumento do trabalho doméstico e de cuidados realizado pelas mulheres, da violência sexual e doméstica, abuso psicológico e emocional e diversas outras formas de assédio.
Com o fechamento das escolas, diminuição da circulação de pessoas, fechamento de espaços de lazer e restrições de acesso à serviços e equipamentos públicos, as mulheres ficaram mais expostas à violência, devido à diminuição das redes de apoio. Além disso, houve um aumento da vulnerabilidade social e econômica das famílias, em que as meninas e mulheres sofreram de forma desproporcional os efeitos da crise, potencializando o cenário de risco para elas.

Esse cenário torna-se ainda mais agravado quando se trata de territórios atingidos dos municípios de Brumadinho (Região 01), Betim, Igarapé, Juatuba, Mario Campos e São Joaquim de Bicas (Região 02), nos quais as mulheres são submetidas à situação de vulnerabilidade e violência diária, ocasionada pela circulação de pessoas estranhas a serviço das mineradoras e dos grandes empreendimentos.
Segundo dados da cartilha Mulheres e Mineração no Brasil, de produção do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), 31% dos casos de violência contra a mulher se concentram nos 7 estados mineradores do Brasil.¹
Somado a isso, as mulheres que vivem em comunidades atingidas, ainda precisam enfrentar um aumento na sobrecarga do trabalho doméstico e de cuidados, com o aumento de poeira, rejeitos, da falta de água, como também a ruptura dos seus modos de vida, desarticulando seus quintais e suas produções, a dificuldade de pescar, o rompimento das suas redes de sociabilidade e de cuidado, seus rituais e suas relações com a sociobiodiversidade.
As mulheres enfrentam ainda a desarticulação das políticas de assistência social, educação, saúde, emprego e renda, e o aumento do uso de álcool e de outras drogas, representando novos desafios no combate da violência contra as mulheres, que é ainda mais acentuada quando se trata de mulheres negras, maioria nesses territórios citados.
As mulheres, em suas diversidades geracional, étnico-racial e socioeconômica são as que, primordialmente, compõem os grupos em situação de maior vulnerabilidade frente à degradação socioambiental resultantes desse modelo². Em vários espaços em que a Assessoria Técnica Independente da AEDAS esteve presente, observamos casos em que as mulheres atingidas relatavam a insegurança de permanecer e transitar em suas comunidades, por medo de ficar sozinha em casa, medo dos assédios moral e sexual (provocados pelo grande número de pessoas estranhas circulando), estupros, assaltos e arrombamentos.
São esses relatos/depoimentos, como também estudos sobre essa temática, que têm demonstrado quão intensificado tem sido o aumento dos vários tipos de violência a que estão expostas as mulheres atingidas nos “territórios de mineração”³ e de megaprojetos, a exemplo do processo de construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no qual os casos de estupro aumentaram em 208% em Porto Velho.
É nesse sentido, que a violência contra esse grupo, nas suas diversas expressões e práticas cotidianas, é uma demanda a ser evidenciada para que se avance no seu enfrentamento e reparação. As mulheres têm sido preponderantes sujeitos de luta político-social e de resistência contra o modelo e a lógica desenvolvimentista donde insere-se os hegemônicos megaprojetos e, dentre esses, destaca-se a mineração.
Importante destacar que há sobre a violência doméstica uma forte tendência à invisibilização, banalização e negação numa sociedade como a nossa que se pauta pela desigualdade e hierarquização de gênero. O que, muitas vezes, leva as mulheres a se culpabilizarem e/ou se sentirem constrangidas e ameaçadas em falar sobre e mesmo em denunciar.
E é nessa direção, de visibilizar e enfrentar a violência, que a Aedas lança a campanha “Territórios Sem Violência, Mulheres Livres” buscando alertar a população, especialmente as meninas e mulheres atingidas sobre seus direitos. Um ambiente seguro e sem violência é fundamental para que as mulheres possam participar e incidir na luta pela reparação integral, para que tenham seus direitos garantidos e o acesso à participação política assegurada.
1 Mulheres Atingidas: territórios atravessados por megaprojetos. Instituto PACS, 2021. Os 7 Estados minerados são: Pará, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Maranhão, Piauí e São Paulo.
2 “Mulheres-Territórios: mapeando conflitos, afetos e resistências”. Instituto Pacs. Disponível em: http://biblioteca.pacs.org.br/publicacao/mulheres-territorios-mapeando-conflitos-afetos-e-resistencias/. Acesso: 03 de nov. 2021.
3 Ver: Souza, 2020. “Para levar uma margarida tinha que levar todas: mineração e resistências-femininas na região de Carajás (Pará e Maranhão). Disponível em: https://dspace.unila.edu.br/handle/123456789/6265 . Acesso: 03 de nov. 2021.