“Escrever esse livro sempre foi meu sonho e, ao ler minha história, espero que você se permita participar dela ou mesmo se lembre dos momentos que passamos juntos”, declara Seu Cambão, 74 anos, morador da comunidade quilombola de Marinhos, em Brumadinho, no livro “Olhar o Passado, para Viver o Presente”.
A comunidade de Seu Cambão sofreu fortemente os impactos do rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro de 2019, e é uma das quatro comunidades quilombolas assessoradas pela Aedas.
O livro traz um olhar sobre a trajetória da vida de Antônio Alves da Silva, conhecido como Seu Cambão. Seu Cambão nasceu em Marinhos em um lugarejo chamado de Vargem do Sapé. Atualmente ele é o primeiro mordomo de São Benedito e faz parte da Pastoral da Família, dando o curso de noivos e também o curso de batizado.
Quando questionado sobre o que é ser quilombola, seu Cambão dedicou um capítulo do livro para compartilhar alguns fatos da história de sua vida e da comunidade onde mora.
“Para mim, ser quilombola é ser uma pessoa resistente, resistir em minha cultura, naquilo que temos na comunidade. Por exemplo, quando a Ferrous, a mineradora, queria acampar aqui na nossa região, eu fui um dos “cabeças-de-ferro”, que lutei exatamente para que ela não entrasse, para proteger a nossa cultura”, respondeu.

O livro
O livro de Seu Cambão foi publicado em 2021 e um novo livro já foi anunciado por ele para 2022.
“Olhar o Passado, para Viver o Presente” faz parte do projeto de extensão Oficinas Psicossociais – fortalecendo vínculos familiares e comunitários em Brumadinho, que integra o programa PUC Minas e Brumadinho – Unindo Forças.
“Foi um processo de base psicossocial, ao contar do modo que caminha junto à sociedade, aos grupos de que faz parte, bem nesta ordem, ou seja, de como vive e produz um trabalho com as palavras, valores, memórias e emoções”, afirmam as organizadoras no editorial.
A organização do livro contou com professora Lucimar Magalhães de Albuquerque (coordenadora) e pela estudante do curso de psicologia, Vanessa Barbosa Guimarães.
Acesso completo ao livro.
De onde vem o Cambão
No livro, Seu Cambão explica a força do seu nome e sua missão de ligar pessoas e comunidades.
“Canga é uma peça de madeira encaixada sobre o pescoço dos bois para que possam ser atrelados. E esse é o trabalho social que realizo, de ligar as pessoas e as comunidades. Aqui na comunidade, fazíamos os desfiles de carro de boi na Festa da Colheita, que acontecia no terceiro domingo de junho”, explica o quilombola.
Filho de mãe solo, sua mãe se chamava Olandina Alves da Silva, a referência paterna de Seu Cambão foi seu avô, Joaquim Gerônimo, o qual carinhosamente chamava de “Inhô-pai”.

Depoimentos
Convidado a escrever o prefácio do livro, Dom Vicente de Paula Ferreira bispo auxiliar na Arquidiocese de Belo Horizonte, entre outras coisas contou como foi o primeiro contato que teve com seu Cambão e sua esposa, sempre destacando a ternura e fé que enxergou nele.
“Muito me encanta a lucidez de um homem tão trabalhador, de valores espirituais profundos. Seu sorriso, sua ternura, sua firmeza em não aceitar qualquer tipo de preconceito e racismo revelam uma pessoa que testemunha o mundo novo que desejamos, uma civilização da igualdade e da paz”, apontou.

Ouça áudio de diálogo com Seu Cambão
Com a pandemia de covid 19, o contato com seu Cambão passou a ser virtual. Como vive e produz um trabalho com as palavras, valores, memórias e emoções, o ebook em questão é prova disso, pois apresenta relatos trazidos pelo Sr. Antônio, por áudios via WhatsApp e cópias de textos que ele mesmo redigiu ao longo de sua vida.
Em recente diálogo com a mobilizadora Élida Franco de Oliveira, responsável por acompanhar a comunidade de Marinhos, seu Cambão contou como este livro fez parte dos sonhos coletivos que construiu com a companheira Leide, a quem dedicou um capítulo do livro, intitulado “eu e minha amada”, onde conta a história de amor dos dois.

Por fim, também contou que está no processo de escrita do próximo livro que será lançado ainda no primeiro semestre de 2022.
Acesso completo ao livro.
Texto: Jaqueline dos Santos.