O evento marcou a conclusão das devolutivas sobre os resultados dos estudos socioambientais e de saúde

Foto: Felipe Cunha / Aedas

No dia 10 de outubro, a Aedas realizou um seminário na PUC de Betim, que marcou o encerramento das devolutivas dos estudos socioambientais e de saúde realizados nos municípios da Região 2, atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, ocorrido em janeiro de 2019, em Brumadinho. 

Os municípios abrangidos pelos estudos foram Mário Campos, Betim, São Joaquim de Bicas, Igarapé e Juatuba. O estudo também considerou os danos aos Povos e Comunidades Tradicionais de Religiões Ancestrais de Matriz Africana (PCTRAMA) em Mateus Leme. 

O seminário contou com a participação das pessoas atingidas, pesquisadores responsáveis pelo estudo, convidados e técnicas da Aedas. No entanto, não teve a presença de representantes do poder público. Os pesquisadores que participaram remotamente foram: 

Dulce Maria Pereira: Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e atualmente professora convidada da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e coordenadora do LEA-AUEPAS da UFOP. 

Rafael Bassetto Ferreira: Geólogo e doutorando em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), atuou como coordenador de campo e relator dos estudos de impactos socioambientais e de saúde da Região 2. 

Jefferson de Lima Picanço: Geólogo formado pela Universidade Federal do Paraná, com mestrado e doutorado em Geociências pela Universidade de São Paulo (USP), atualmente professor na UNICAMP, onde atua com cartografia geológica-geotécnica e História das Ciências e Técnicas no Brasil. 

Maíra Rodrigues da Silva: Bióloga e geocientista, mulher quilombola, mãe e umbandista, residente na periferia de Campinas-SP. É mestre e doutoranda em Geociências pela UNICAMP, sendo a primeira quilombola a concluir o mestrado no programa. 

No espaço presencial, a mesa foi composta por Cecília Ribeiro, professora do curso de Psicologia da PUC Minas; Gabriela Cotta, Gerente Geral do Eixo Institucional da Aedas; Kleiton da Silva, Assessor Técnico da Equipe de Marcadores Sociais das Diferenças da Aedas; Tata Mebagandi, representante dos Povos e Comunidades Tradicionais da Região 2; e Mirian Papp, da comunidade de Vila Nova no Citrolândia, em Betim. 

Resultados das Pesquisas Apresentados (EcoEnviroX/LEAUFOP) 

Representantes das pessoas atingidas dos municípios da Região 2 da Bacia do Paraopeba | Foto: Felipe Cunha / Aedas

Durante o seminário, foram apresentados os resultados das pesquisas que investigaram a presença de metais pesados, como arsênio, cromo, chumbo, manganês e cádmio, em amostras de poeira, água, solo, peixes e plantas. Os estudos, contratados pela Aedas, foram realizados pelo Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para a Sustentabilidade (LEA-AUEPAS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em parceria com a consultoria EcoEnviroX. 

As coletas foram realizadas entre setembro de 2021 e agosto de 2022, refletindo as condições ambientais do período. Ao todo, foram analisadas 888 amostras de diversos pontos da Região 2. 

O objetivo foi realizar coletas amostrais, incluindo pontos indicados pelas pessoas atingidas, para análise e reflexão sobre a possível contaminação do território, além de avaliar os riscos socioambientais associados à exposição dos compartimentos ambientais a contaminantes com origem no rejeito do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. 

É importante destacar que os estudos não devem ser vistos como definitivos ou imutáveis, pois refletem momentos específicos de suas coletas. Eles também não permitem estabelecer nexos de causalidade entre adoecimento e contaminação e não tem validade como perícia ambiental junto às Instituições de Justiça (IJs). No entanto, apontam para grandes preocupações em relação a regulamentação destes contaminantes, bem como em relação ao seu monitoramento no meio ambiente e as correlações com a saúde das pessoas nos territórios atingidos. 

Consultoria de Recuperação do Rio Paraopeba, tributários e águas subterrâneas – PROBIOTA 

Foto: Felipe Cunha / Aedas

A Probiota foi contratada para realizar os estudos de recuperação do rio Paraopeba, seus tributários e das águas subterrâneas da Região 2. O objetivo foi diagnosticar o estado do rio Paraopeba e de outros cursos d’água da região além de avaliar as águas subterrâneas e propor ações para a recuperação desses recursos hídricos. 

O estudo foi qualitativo, visando avaliar a qualidade da água, determinar a suscetibilidade a enchentes e mapear os usos múltiplos da água. Também incluiu a avaliação da qualidade e quantidade da água, trazendo análises em relação à segurança hídrica no território.

Vozes das Comunidades Atingidas 

Lindaura Prates, da comunidade Fhemig em São Joaquim de Bicas, destacou os danos que sua comunidade enfrenta desde o rompimento da barragem: “Essas informações são importantes porque a gente está esperando há muito tempo, já são cinco anos que a gente está esperando essa devolutiva. É algo que a gente tem que saber, porque realmente foi um desastre, que trouxe vários rejeitos para dentro dos quintais. Hoje nós estamos sofrendo as consequências com a poeira, que é o ar que está poluído, o solo está poluído e as plantas que não estão sobrevivendo mais, por causa dessas contaminações que a gente ainda tem que saber, pois as pessoas ainda têm dúvidas.” 

Tata Mebagandi, representante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) – Foto: Felipe Cunha / Aedas

Tata Mebagandi, do Nzo Mona Jindangi, localizado em Citrolândia, em Betim (PCTRAMA), também compartilhou sua experiência: “Nós Povos Tradicionais sentimos a diferença da natureza. A gente sente que a natureza já não é a mesma, as plantas já não são as mesmas, mas a gente não tinha isso de uma forma específica como vem um estudo nos orientar, nos esclarecer. A gente não sabia a quantidade que era essa contaminação na natureza. Esse primeiro estudo, que a gente tem hoje, depois desses tantos longos anos desse crime, começa nos trazer essa luz sobre onde que está mais a contaminação, onde que está mais os riscos. E o grande desafio nosso hoje é tentar fazer com que esse estudo, com que esses resultados, sejam incluídos também nos processos judiciais, que não seja somente para ficar no papel. A gente tem que fazer uma política com que ele ajude a nós que somos atingidos e que estamos nessa questão de sofrimento”. 

Mirian Papp, de Citrolândia, Betim – Foto: Felipe Cunha / Aedas

Por fim, Mirian Papp, também de Citrolândia, em Betim, que compôs a mesa do Seminário, faz um apelo: “Temos vida e devemos priorizar o ser humano. Já se passaram quase seis anos; quantos mais precisarão ir embora para que possamos nos priorizar como vidas e como seres humanos que somos?” 

A professora Dulce Maria Pereira, que também coordena o laboratório que analisou as coletas, apresenta uma reflexão sobre a ciência, destacando que ela pode ser uma ferramenta de luta para mudar a realidade. “Cada pessoa que está aqui, que foi entrevistada, que permitiu a entrada em seus quintais e vidas, ouvindo suas dores, é autora e autor deste trabalho”.  

Em sua fala, a Professora Dulce explica o propósito da pesquisa: “É justamente para que as pessoas tenham ferramentas para discutir, principalmente com os responsáveis pelo processo que resultou no desastre. Precisamos exigir das políticas públicas, do Estado, do governo federal e das instâncias de Justiça que garantam possibilidades de reparação. O estudo visa dar voz àquilo que não querem que as pessoas atingidas pelo desastre expressem. Além disso, o desastre é consequência de ações passadas e não se encerrou por várias razões, incluindo as decisões tomadas em relação a ele. A pesquisa é importante para comprovar uma realidade que não deveria precisar de comprovação. As pessoas sentem nos seus poros, os olhos mostram, mas, como vivemos em um processo de desqualificação da realidade das pessoas que vivem em regiões que se tornam territórios de riscos, ou por aqueles que habitam regiões consideradas de risco, geralmente tem que provar que são vítimas desse processo”. 

Cecília Godói, coordenadora da equipe de MSD da Aedas, ressaltou que o espaço promoveu a possibilidade de garantir que as comunidades atingidas pudessem ouvir dos pesquisadores coordenadores dos estudos sobre a validade, a importância e a relevância dos resultados para o processo em andamento de reparação integral. “É importante que a gente construa essa percepção de uma não neutralidade na ciência, entendendo sua importância para o processo de reparação integral”, acrescentou. 

Cecília Ribeiro, professora do curso de Psicologia da PUC Minas, enfatizou o compromisso da universidade como espaço de produção do conhecimento. “Temos esse comprometimento com a comunidade, produzindo um conhecimento que atenda aos objetivos do desenvolvimento sustentável e às questões da comunidade. São diversos saberes que se interagem: o saber científico, o saber das comunidades, o saber dos Povos e Comunidades Tradicionais.” 

Publicização dos resultados 

Os dados serão organizados em um painel interativo, que estará disponível no site da Aedas para consulta em breve, permitindo filtrar informações por município e pontos de coleta. 

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Texto e Fotos: Felipe Cunha

Cobertura: Felipe Cunha e Diego Cota 

Leia também:  População atingida da Região 2 está exposta a metais da mineração – Aedas (aedasmg.org)