Renda e compensação para os danos são prioridades na luta por direitos das mulheres atingidas

Mulheres em luta nos Espaços Participativos | Arte gráfica: Julia Rocha – Aedas

As mulheres são maioria nas comunidades e, em muitos casos, são responsáveis pelo sustento e pela organização familiar. Além de enfrentarem desafios estruturais, como a desigualdade de gênero e acesso limitado a recursos, elas ocupam, de forma crescente, a liderança em suas casas e comunidades, muitas vezes como principais provedoras e tomadoras de decisão.

De acordo com os dados mais recentes do Censo 2022 do IBGE, houve um aumento significativo no número de mulheres responsáveis por domicílios em Minas Gerais. Em 2010, 35,6% das residências no estado tinham mulheres como responsáveis. Esse percentual subiu para 45,9% em 2022, representando um aumento de 10,3 pontos percentuais.

São as mulheres a maioria nos municípios atingidos das Regiões 1 e 2, representando mais de 50% da população em todos os seis municípios assessorados pela Aedas: Brumadinho, Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, Mateus Leme (pelos Povos e Comunidades Tradicionais) e São Joaquim de Bicas. Esse cenário se reflete nos espaços participativos da Aedas, em que a presença das mulheres também é maioria.

Natália Freitas, atingida de Mário Campos, ressalta a importância da a luta das mulheres atingidas: “Desde sempre, as mulheres sofrem os impactos socioeconômicos e ambientais da atividade minerária. As mulheres exigem medidas que reconheçam e combatam essas desigualdades como acesso a políticas públicas de proteção social, incentivo à autonomia financeira, participação ativa nas decisões sobre a proteção do território e responsabilização das empresas mineradoras são reivindicações centrais. Além, garantia de moradia digna, saúde, segurança e um ambiente sustentável para as futuras gerações”, afirmou.

No mês que marca o Dia Internacional de Luta das Mulheres (8 de março), trazemos um apanhado das principais pautas das mulheres no cenário de reparação na Bacia do Paraopeba, seis anos após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.

Direito ao PTR e a luta das mulheres atingidas

Arte gráfica: Julia Rocha – Aedas

Em ofício enviado as Instituições de Justiça, no dia 18 de fevereiro, as Comissões de Atingidas e Atingidos das cinco Regiões da Bacia do Rio Paraopeba, movimentos sociais e outros grupos auto-organizados, solicitaram a não redução do valor das parcelas do PTR (Programa de Transferência de Renda), a continuidade do programa ou a implementação de um novo auxílio emergencial.

“O PTR se trata de uma medida mitigatória, que existe justamente para que as pessoas atingidas consigam sobreviver até que, de fato, sejam integralmente reparadas”, afirmaram as Comissões de pessoas atingidas no ofício.

Em carta entregue em reunião com o juiz Murilo de Abreu, em janeiro deste ano, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), afirmou que o fim do PTR trará “depressão da renda e insegurança alimentar de dezenas de milhares de famílias, além do severo impacto na economia dos municípios, podendo de forma indireta gerar desemprego e mais redução da renda comunitária”.

Em edições anteriores, apresentamos dados que revelam a presença de mulheres no trabalho informal (40% em Brumadinho e 47% nos municípios da Região 2), em atividades não remuneradas (57% das mulheres nas regiões 1 e 2), incluindo dados de gênero e raça (70% das mulheres que estão fora do mercado de trabalho são negras). Os números reforçam a importância de uma política de transferência de renda nos territórios atingidos.

Mulheres e os projetos das comunidades

O papel central das mulheres na luta | Arte gráfica: Julia Rocha – Aedas

Nas ações e estratégias de acessos às mulheres atingidas aos recursos do Anexo I.1, os Projetos de Demandas das Comunidades e Crédito e Microcrédito, é importante considerar também os marcadores sociais de raça, geração, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, características que potencializam as vulnerabilidades.

Nas Reuniões Intercomunitárias realizadas em fevereiro deste ano nas regiões 1 e 2, as mulheres atingidas trouxeram para o debate o agravamento dos danos em relação ao marcador de gênero.

Na região 1, Sônia Machado participou do espaço representando as comunidades de Grotas, Gomes, Taquaruçu, Casinhas e Massangano e avalia que os danos também estão passando por elas. “Embora a gente esteja afastado de onde aconteceu esse crime da Vale, a gente está sofrendo muitos danos ainda”, aponta.

As mulheres reivindicam o início do Anexo I.1. É necessário ações específicas para as mulheres para os projetos das comunidades. Elas são expostas a partir das especificidades, aos danos socioeconômicos da reparação e devem ter percentuais específicos de recursos, projetos e espaços de participação e liderança, sobretudo, no que se refere aos danos ao trabalho formal e informal, além do trabalho direcionado ao cuidado numa perspectiva de invisibilização e não remuneração.

Garantia das indenizações individuais

A reparação individual tem que ser construída com participação, de maneira coletiva e acessível à população atingida. Também é importante o reconhecimento e visibilidade por parte das Instituições de Justiça aos danos e às formas de agravamento vivenciadas pelas mulheres. Assim sendo, é importante que as Instituições de Justiça trabalhem em prol de uma reparação diferenciada e proporcional para as mulheres.

Política e Protocolo de Saúde

A falta de um tratamento específico para as demandas de saúde física e mental causadas pelo rompimento tem levado a uma sobrecarga nos sistemas de saúde, que, até o momento, não conseguem atender adequadamente a população atingida.

Esse cenário, além de sobrecarregar a saúde pública, também intensifica o trabalho não remunerado das mulheres. Elas assumem, muitas vezes sozinhas, os cuidados com as pessoas adoecidas, pessoas idosas e crianças em suas casas. Enquanto elas cuidam das outras pessoas, ficam imersas em cenários de adoecimentos físicos e mentais, ou tardam os tratamentos necessários.

Diante dessa realidade, as mulheres exigem a aprovação da Política Estadual de Atendimento à Saúde da População Atingida em Minas Gerais. Elas lutam por uma maior atenção à saúde das mulheres nos municípios atingidos, com ênfase, especialmente, no cuidado com a saúde mental, que se torna ainda mais urgente nesse contexto de vulnerabilidade.

É fundamental reafirmar que a participação ativa, nas reivindicações e denúncias para garantir uma reparação integral e justa só serão efetivas se reconhecermos o papel central das mulheres na luta pelos seus direitos.

Texto: Isis de Oliveira e Valmir Macêdo


Vozes das mulheres atingidas

Leia esta e outras matérias na 40ª edição do jornal Vozes do Paraopeba

Vozes do Paraopeba – 40ª edição: Mulheres em defesa do Programa de Transferência de Renda (PTR)