Na Bacia do Paraopeba, a participação efetiva das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale – que aconteceu em janeiro de 2019 em Brumadinho – no processo de reparação integral passa pelo acesso ao diálogo e à informações verdadeiras e precisas. Em tempos de pandemia, esse acesso não é possível sem conexão por internet.

“Eu nunca consegui participar da reunião. Sempre que eu acesso, a internet cai. Essa nossa reclamação, a gente queria uma internet de qualidade para poder ficar conectado com os nossos interesses”, conta Poliana Fernandes da comunidade de Taquaraçu, interior de Brumadinho.

A necessidade do isolamento social pela pandemia de covid-19 reforçou ainda mais a exclusão do acesso à comunicação e à internet. Centenas de famílias de atingidos e atingidas não possuem acesso à rede mundial de computadores ou têm um acesso bastante precarizado, o que se torna mais um obstáculo para a participação e obtenção de informações sobre os direitos das pessoas que até hoje vivem danos do rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão.

Dados levantados pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), nos Registros Familiares, apontam que 33% das 2.726 pessoas, registradas até outubro de 2020, não possuem acesso ou têm uma conexão muito precária para ligações telefônicas comuns. Isso se agrava quanto à conexão via internet, o que tem dificultado a participação da população nos espaços de levantamento e sistematização de danos, como os Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs) e as Rodas de Diálogo (RD), realizadas desde o mês de agosto.

Os dados da região de Brumadinho e dos municípios de Betim, Juatuba, São Joaquim de Bicas, Mário Campos e Igarapé refletem a dificuldade de acesso à internet na região. A realidade de Minas Gerais, segundo o IBGE, é de 20,7% da população sem acesso à internet, ou seja, um número ainda considerável de pessoas não está conectado.

Falta de conexão e a centralidade das pessoas atingidas nas negociações

A exclusão da participação dos atingidos e atingidas nas audiências é reforçada pela exclusão digital da população. Não bastasse a falta de diálogo por parte da Vale, enquanto empresa poluidora-pagadora, a ausência de conexão adequada via internet distancia ainda mais as populações atingidas do centro do debate, numa recorrente negação de direitos que deveriam ser assegurados durante todo esse processo, com destaque para a participação informada.

A falta de sinal com estabilidade já foi pontuada por várias vezes por moradores e moradoras das comunidades afetadas, mas ainda não há soluções que contemplem as necessidades das pessoas atingidas e seus territórios. “A internet tem aqui que a gente paga né, mas nem todo lugar ela vai. Então as pessoas lá ficam prejudicadas, acabam arrumando esse outro tipo de internet que acaba saindo muito cara, quem tem condição, quem não tem condição não arruma. É muito difícil demais”, diz Nair Conde, da Comunidade Marinhos.

Nair diz ainda que mesmo pagando pelo serviço de internet, onde há disponibilidade, as pessoas recebem um sinal fraco, insuficiente.

“A internet que a gente tem ela é bem fraca, não é uma internet 100% não, sabe?! E é muito difícil pra gente, porque ainda mais agora nessa pandemia, que estão fazendo essas reuniões tudo online, pra gente é difícil demais. Tem hora que o sinal falha, que o sinal sai”, explica a liderança comunitária.

Já na Comunidade Ribeirão, não há nenhum serviço de internet disponível e os moradores e as moradoras seguem buscando alternativas.

“Nós não temos nenhuma operadora que se disponibiliza a trazer a fibra óptica. Fizemos um levantamento com uma empresa que já atua em grande parte de Brumadinho. Tem comunidades próximas aqui que já tem a fibra, porém a nossa ainda não chegou. Fizemos um levantamento sobre a quantidade de famílias que queriam, porque eles queriam um número mínimo. Foi feita uma negociação, eles aceitaram o número de pessoas que a gente conseguiu. Alguém já tinha disponibilizado o terreno para colocar a rede de distribuição do sinal, porém não teve prosseguimento”, relata Olízia Braga, de Ribeirão.

Segundo Olízia, a atividades pessoais e comunitárias estão prejudicadas, já que o momento exige distanciamento social e consequentemente conexão virtual de qualidade. “No momento atual que a gente está, num momento de pandemia, fazendo muitas coisas remotas, reuniões, lives, dando procedimento a um tanto de coisa, nós estamos ficando atrasados, mais atrasados ainda, pelo fato de que se a gente não tem acesso a essas informações, não têm esses meios de comunicação favorável, nós ficamos sem participar das coisas, automaticamente deixando de adquirir coisas importantes para a gente”, pontua.

Outro fator importante relatado por atingidos e atingidas com dificuldade de acesso à internet é a dificuldade na comunicação com a Assessoria Técnica Independente (ATI), entidade que contribui decisivamente para os diagnósticos acerca dos danos causados pelo crime da Vale. Além disso, a garantia de acesso à educação, fundamental especialmente para as crianças e adolescentes, não tem ocorrido, o que condiciona as comunidades a mais um prejuízo.

Luana Farias, coordenadora de uma equipe de mobilização da Aedas em Brumadinho, conta que essa dificuldade no acesso é visível nos espaços de construção dos atingidos e atingidas junto à ATI.

“Desde abril, a gente tem percebido o quanto a violação do direito à comunicação e à conectividade da internet dificultam a participação qualitativa das pessoas atingidas no processo de construção da Matriz de Danos da reparação integral, como propõe o nosso plano de trabalho. Em boa parte das nossas comunidades, as pessoas não conseguem sequer fazer o Registro Familiar por não terem conectividade”, disse.

Para Luana, o acesso à internet de qualidade possibilita muito mais que informação, mas também a participação de cada atingido e atingida, para exposição de suas necessidades pessoais e de sua comunidade. “É difícil construir os Grupos de Atingidas e Atingidos com uma organicidade que é necessária para que realmente as pessoas se sintam construindo junto, e não apenas recebendo informação. Muitas vezes as pessoas caem no meio da reunião por problemas com a internet, o que compromete a participação informada”, lamenta Luana.

Renda e acesso à informação

As dificuldades de acesso são ainda mais acentuadas em áreas rurais e entre pessoas não alfabetizadas. No recorte por renda, o acesso à internet entre pessoas que ganham menos de um salário mínimo ainda é pouco maior que 60%, segundo o IBGE, o que reforça a importância de um auxílio de renda também para contribuição no acesso à informação.

Acesso ao celular não é suficiente

O acesso à internet entre a maioria das pessoas atingidas é pelo celular o que influencia na qualidade da conexão já que os planos das operadoras possuem quantidade limitada de dados, o que restringe a quantidade de serviços que podem ser utilizados ao longo do mês. A reivindicação é de uma estrutura de acesso pública para a participação informada, sem restrição imposta pelas taxas cobradas pelas operadoras.

Texto: Lucas Jerônimo e Valmir Macêdo