Uma nova série de Rodas de Diálogo foi realizada entre 31 de agosto e quatro de setembro, reunindo centenas de pessoas atingidas de Brumadinho (Região 1) e das cidades de Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas (Região 2). Os diálogos trataram sobre a importância do processo coletivo de construção da Matriz de Danos causados pelo rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, e como a Matriz pode contribuir para a reparação integral, inclusive dos danos individuais de toda a população atingida.

Os profissionais da Aedas, ATI responsável pelo assessoramento técnico independente das famílias atingidas das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba, destacam que não tem como função atuar diretamente como advogada das pessoas atingidas no processo de indenização individual, mas que a assessoria técnica independente é um direito da população, conquistado na Ação Civil Pública que trata dos direitos coletivos, mas que contribui no processo de reparação individual.

“Por que a Ação Civil Pública representa o principal caminho para se buscar a reparação e a indenização dos danos individuais? Porque é justamente neste processo que se concentram os danos diagnosticados, a comprovação dos danos e a produção de provas, além de reunir os principais atores que são as Instituições de Justiça, a perícia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), as assessorias técnicas independentes e o conjunto das populações atingidas”, explicou o advogado da Aedas, Matteus Ferreira.

Para o advogado, é no processo coletivo que se gera força, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista técnico-científico, através da produção de provas, laudos e pareceres feitos por essas instituições reconhecidas.

“Uma produção de provas, um laudo da perícia da UFMG, tem um peso muito forte para o convencimento do juiz e é muito difícil de ser refutado pela Vale. Então essas provas que estão sendo produzidas podem ser utilizadas pelos atingidos para obter a sua reparação, seja na própria Ação Civil Pública, seja num processo individual ou a forma definida com base na defesa da Matriz”, pontuou Mateus Ferreira.

Matriz de Danos

Todas as provas reunidas pelo Comitê Técnico-Científico da UFMG – perita escolhida pelo juiz para realizar esse levantamento – e pelas consultorias especializadas contratadas pela Aedas irão resultar em uma Matriz de Reconhecimento de Danos e Reparação.

“A Matriz de Danos vai levantar todos os danos decorrentes do rompimento da barragem. A proposta é que ela seja feita pelas assessorias técnicas junto com as Instituições de Justiça, fundamentada e com provas da perícia e das consultorias”, contou a advogada da Aedas Jana Farias.

A advogada apresentou na Roda de Diálogo um exemplo de como a matriz de danos poderá ser apresentada e defendida. Se a matriz for aprovada pelo juiz, ela tem força jurídica e se torna um documento de referência para a indenização das pessoas atingidas. Por isso, a importância de fortalecer o processo coletivo de reparação integral e garantir a validação da matriz de danos para todas e todos.

Exemplo apresentado na Roda de Diálogo mostra como os danos serão organizados na Matriz de Danos que está sendo construída para os territórios atingidos e que deverá ser aprovada pelo juiz responsável.

Nas Matrizes de Reconhecimento de Danos e Reparação irão constar todos os danos que ocorreram na bacia do Paraopeba, listados, caracterizados e comprovados. Nela, serão apresentados os grupos de pessoas que sofreram esses danos e os documentos que devem ser apresentados para comprovação.

Também entram na Matriz de Danos as medidas reparatórias e os valores que devem ser pagos pelos danos sofridos, levando em consideração os prejuízos das pessoas atingidas e com base na legislação. Cada pessoa atingida vai poder calcular os valores que lhe são devidos.

“Se, por exemplo, o dano for a perda de um ente querido e a forma de comprovação for mostrar a relação com a pessoa. Se isso já estiver na Matriz e a Matriz estiver reconhecida (pelo juiz) vocês (pessoas atingidas) não precisarão entrar com uma ação (individual) para ter isso garantido, a Matriz já será um instrumento jurídico e vocês só precisam executar, para tornar efetivo para cada pessoa. A sentença já existe, vocês só iriam lá reivindicar, a decisão já está pronta. Essa é uma das formas possíveis de efetivação da matriz.”, informou a advogada às pessoas atingidas, reforçando o valor do reconhecimento da Matriz de Danos.

A força estratégica do coletivo

A equipe de advogadas e advogados da Aedas reforça às pessoas atingidas que é na organização coletiva que se fortalece a construção de provas para o convencimento do juiz, considerando a força econômica e política da empresa poluidora-pagadora.

“No processo coletivo, a gente tem todos aqueles atores, têm as Instituições de Justiça: Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público do Estado, o Ministério Público Federal, que são capacitadas e com um histórico de atuação em casos parecidos, todos reunidos para convencer o Juiz e contribuir na defesa e efetivação da Matriz.

É também no processo coletivo que estão as Assessorias Técnicas Independentes que através dos danos relatados pelos atingidos nos espaços participativos indicam para a UFMG, uma instituição renomada, trabalhar na produção de provas robustas sobre o caso todo; ”. lembrou a advogada Jana Farias.

Riscos de ingressar com uma ação individual

No processo individual, uma pessoa tenta convencer um juiz. “Uma luta bem mais desigual”, comentou a advogada.

Nas Rodas de Diálogo também estão sendo debatidos as possibilidades e os limites para quem deseja entrar com uma ação individual na Justiça. Um desses limites é ter a ação individual suspensa.

“Sobre as ações que estão sendo ajuizadas, muitas delas estão sendo suspensas pelos juízes responsáveis pelos processos. Isso ocorre porque existe uma Ação Civil Pública em curso”, contou o advogado Mateus Ferreira. Os juízes recebem essas ações e esperam sair o resultado da Ação Civil Pública e, enquanto não houver a produção das provas, toda a listagem dos danos, as definições, as perícias, eles não julgam a ação individual.

Outro problema é a possibilidade de haver diferenças nos valores de indenização entre situações parecidas.

“É possível haver decisões contraditórias ou diferenças de valores entre processos semelhantes feitos pelas diferentes pessoas atingidas. Um juiz pode definir valores altos para um caso e valores baixos para o outro, então não existe uma padronização, uma uniformização das decisões. Pode haver uma variação muito alta, isso é uma dificuldade, um problema”, apontou Mateus.

Um outro risco de ingressar com a ação individual é não poder se beneficiar, no futuro, com o cálculo de indenização via Matriz de Reparação de Danos.

“Se a pessoa fizer uma ação individual e o juiz processar e julgar essa ação e, eventualmente, o resultado dessa ação seja inferior ao resultado da Ação Civil Pública, em termos de reconhecimento de direitos e valores, a pessoa que entrou com uma ação individual corre o risco de não se beneficiar da Ação Civil Pública quando seus resultados forem melhores. Sobre isso, há decisões anteriores que entendem que a pessoa que entra com uma ação individual aceita esse risco”, alertou o advogado da Aedas.

Acordo de quitação integral

Também tem sido reforçado que existe um Termo de Compromisso previsto pela Defensoria Pública que garante direitos das pessoas atingidas ao fecharem acordos extrajudiciais com a Vale.

A equipe de advogadas e advogados da Aedas também têm alertado as pessoas atingidas sobre o direito de não fazerem quitação integral com a empresa poluidora-pagadora. Existe a possibilidade de quitar um dano específico individualmente e deixar os demais danos para serem reparados via Ação Civil Pública, com a Matriz de Danos.

Outro ponto de orientação sobre as ações individuais diz respeito a algumas reclamações de pessoas atingidas que relatam sobre situações com alguns advogados. A orientação é que, sendo necessário, para qualquer situação, sempre seja contratado um advogado ou advogada da confiança da pessoa atingida ou recomendado por alguém.

“Tem muitos relatos que a gente escuta de advogados que não dão informação sobre o processo para as pessoas, advogados que vão até as pessoas para oferecer o serviço. Isso não pode, é vedado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). São as pessoas que devem ir até os advogados”, informou Jana Farias.