Em resposta à decisão judicial que a intima a informar sobre o fornecimento de água à população atingida do Paraopeba, a mineradora alegou que presta ampla assistência aos atingidos

Margem do Rio Paraopeba no município de São Joaquim de Bicas | Foto: Diego Cota – Aedas

Já se passaram 05 anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e, até hoje, um dos danos que mais afetam a população atingida é a falta de acesso à água de qualidade. São relatos recorrentes das pessoas atingidas que denunciam a ineficiência do serviço fornecido pela Vale.

Em dezembro de 2020, a Defensoria Pública (DPMG) peticionou, pedindo soluções e a aplicação de multa pelo descumprimento da obrigação de fornecimento de água pela Vale. Essa multa, no entanto, nunca foi aplicada.

No dia 22 de março deste ano, em audiência com o juiz Murilo Silvio de Abreu, os atingidos e atingidas apresentarem sua preocupação com a situação do acesso à água nas regiões atingidas e apresentaram demanda de fornecimento adequado. Alguns dias depois, em 26 de março, o juiz publicou uma decisão intimando a mineradora a prestar informações sobre o fornecimento adequado.

Na referida intimação, o juiz destacou que a Vale foi condenada ao fornecimento de água para todas as pessoas atingidas que tiveram suas condições de moradia comprometidas pelo rompimento e a todos que tiveram restrições no acesso à água do rio Paraopeba. Também determinou que a mineradora fornecesse informações relacionadas ao fornecimento de água, incluindo o a) número de comunidades atingidas que contam com abastecimento de água, b) as comunidades que são abastecidas pela Copasa e c) quais os critérios usados pela empresa para analisar os pedidos de fornecimento de água.

O que a Vale respondeu ao juiz

Em sua defesa, a Vale respondeu, no dia 18 de abril, que desde o rompimento e antes mesmo de determinação judicial, vem prestando “ampla assistência às propriedades que se encontrem dentro dos critérios de elegibilidade determinados”, disponibilizando água potável para consumo humano, dessedentação animal e irrigação agrícola para as pessoas que deixaram de ter acesso após o rompimento da Barragem B-I, situada em Brumadinho. A empresa ressaltou ainda que “foram estabelecidos critérios de elegibilidade para recebimento de água, baseando-se na premissa de efetiva necessidade do indivíduo pelo recurso disponibilizado”.

Segundo a Vale, a água segue sendo entregue nas propriedades que dependiam diretamente da captação da água do Rio Paraopeba, independente da distância e no caso das residências que captavam água subterrânea (poços e cisternas), segue fornecendo água às pessoas que moram a menos de 100 metros de distância do rio Paraopeba. Ou seja, a empresa reafirma que o fornecimento da água ocorre, mas apenas para a população que se enquadra nos critérios de elegibilidade.

A mineradora informa ainda que considera como não elegíveis para receber a água as propriedades rurais e residências que:

  • (i) não captavam água do rio Paraopeba antes do rompimento;  
  • (ii) disponham de captação alternativa ao rio Paraopeba e esteja em área segura;  
  • (iii) têm acesso a água encanada distribuída via concessionária (COPASA ou SAAE); e (iv) utilizam água de poço artesiano ou cisternas que estejam a mais de 100 metros de distância do rio Paraopeba, já que, conforme Nota de Esclarecimento 9 do IGAM, não há restrição para captação de água subterrânea para quem está a mais de 100 metros da margem do Rio Paraopeba.”

Para concluir suas alegações, a Vale apresentou os dados atualizados até 2024 das demandas atendidas, indicando que forneceu mais de 3 bilhões de litros de água potável sendo 3.044.532.728 litros entregues por caminhão pipa e 36.558.656,50 litros de água mineral. Também informou que o processo de distribuição de água potável é auditado pela AECOM no âmbito do Termo de Compromisso celebrado entre VALE e MPMG no âmbito do processo nº 5026408-67.2019.8.13.0024.

Veja a Resposta da Vale na íntegra:

Foto: Felipe Cunha – Aedas

O que se avalia sobre a resposta da Vale

Apesar de alegar o cumprimento da obrigação judicial de fornecimento de água, defendendo que presta “ampla assistência” aos atingidos que precisam desse fornecimento, a Vale não prestou devidamente as informações que o juiz a intimou a prestar. A empresa informou os critérios que utiliza para analisar os pedidos de fornecimento de água, mas não informou para quais comunidades ou localidades ainda fornece água nem quais comunidades são abastecidas pela Copasa.

Além disso, sabe-se que a realidade vivenciada pela população atingida que sofreu danos ao acesso à água não é a de “ampla assistência” pela Vale. A empresa apresenta os critérios de elegibilidade utilizados sem explicar que esses critérios não foram decididos judicialmente, mas estabelecidos por ela mesma. Por isso, é sempre importante recordar que os critérios aplicados pela Vale para decidir quem recebe ou não o fornecimento de água (que é sua obrigação realizar) não foram validados no processo, foram uma definição estabelecida pela própria empresa ré que delimita o acesso a esse direito. Esses critérios já foram analisados pelas ATIs em produtos entregues às IJs, inclusive com a proposição de outras abordagens possíveis para a indicação de elegibilidade.

Por fim, destaca-se que, em 8 de abril deste ano houve uma decisão que aprovou o Plano de Trabalho para acompanhamento das atividades relacionadas ao Processo. Após a revisão e a fase de implementação desse Plano, as assessorias técnicas poderão voltar a acompanhar de perto as demandas emergenciais da população atingida, incluindo as demandas pelo fornecimento de água.

Desde o início do assessoramento técnico nas regiões 01 e 02 do Paraopeba, a Aedas recebeu inúmeras reclamações das pessoas atingidas que foram registradas e encaminhadas relatando os problemas no fornecimento de água pela mineradora e pela má qualidade de água fornecida pela Copasa. Foram mais de 3 mil demandas registradas entre 2020 e 2021, antes do Acordo Judicial de Reparação, sendo que o acompanhamento pelas assessorias das demandas emergenciais de água e alimentação animal ficou limitado por um longo período.

Essa limitação ocorreu porque o Plano de Trabalho do Processo, que trata dos aspectos da reparação não previstos no Acordo, só foi aprovado recentemente. Antes disso, a atuação das assessorias estava limitada ao Acordo. Agora, com a aprovação do Plano de Trabalho do Processo, o juiz autorizou que essas atividades sejam retomadas.

A edição do Jornal Vozes do Paraopeba de abril traz informações sobre as demandas registradas pela Aedas | Arte: Wagner T. Paulino – Aedas