A Comissão Externa sobre Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação da Câmara dos Deputados, que faz o acompanhamento dos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, realizou na manhã da última terça-feira (7), o Seminário “Reparação Integral aos atingidos: oito anos do crime da Samarco no Rio Doce”. Conduzido pelo coordenador da Comissão Externa, deputado Rogério Correia (PT-MG), o evento discutiu os oitos anos de rompimento e também a aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). 

O seminário, convocado pelos deputados federais Rogério Correia (PT-MG) e Helder Salomão (PT-ES), relator da Comissão Externa, é parte de uma série de agendas que pessoas atingidas, de vários municípios ao logo de toda a bacia Rio Doce e Litoral, entre Minas Gerais e Espírito Santo, estiveram em Brasília desde o dia 05 de novembro, data que marca os oito anos de rompimento da barragem de Fundão, localizada no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana.  

O representante da Advocacia Geral da União (AGU), Junior Divino Fidelis, disse que em janeiro o Governo Federal se viu obrigado a concordar e assinar de imediato o acordo que parecia já pactuado, mas que, após discussão com diversos ministros, o governo do presidente Lula, passou a ser orientado por duas linhas de pensamento para atuar no caso. 

“Nós temos nos orientado desde então por duas linhas centrais na análise e na posição. Na análise do acordo anterior e no reposicionamento do governo federal nessa discussão. Duas linhas muito claras, a primeira a preocupação permanente com o meio ambiente. É preciso a recuperação do meio ambiente. Sabemos que as condições anteriores, a recuperação, a devolução do rio, que nós tínhamos anteriormente, talvez não seja possível, mas não podemos perder de vista esta possibilidade(…) Nossa outra diretriz, nosso outro norte, do qual nós não arredamos nenhum milímetro, é a perspectiva da reparação dos atingidos, a preocupação com as pessoas”, destacou. 

Fidelis ainda falou sobre uma nova rodada de negociação que aconteceria na quarta-feira (8), e que uma repactuação para este ano, dependerá apenas do engajamento das empresas. “Essa semana nós temos uma rodada de reuniões da conciliação no TRF em Belo Horizonte, a partir de amanhã, e na minha compreensão nós concluiremos essa etapa, que é a etapa de concertação do Governo Federal com os estados e as instituições de justiça e de apresentação de uma proposta às empresas (…) Se as empresas demonstrarem engajamento e responsabilidade efetiva na repactuação, nós temos condições sim de fechar uma repactuação satisfatória, no nosso entender, ainda esse ano”, afirmou. 

Foto: Cleiton Santos

Joceli Andrioli, coordenação nacional do MAB, afirmou que, neste momento, o movimento identifica que há conjuntura para um bom acordo e apresentou, durante sua fala, três propostas para ajudar na resolução da questão. 

“Nós achamos que tem conjuntura sim para alcançar um bom acordo, mas precisa urgentemente ser organizado a forma de buscar a alcançar os objetivos para a reparação integral. Enquanto MAB nós propomos primeiro, nesse momento a possibilidade aberta de fazer uma parceria entre os países, já que é uma questão internacional, a BHP está sendo processada na sua sede(…). Nossa segunda proposta é que em vez de ter um falso debate que a ação inglesa fere a soberania brasileira, uma cooperação entre os judiciários (…). E terceiro ponto, principalmente, como garantir os atingidos participar. Aí não é fazer coisa para tirar foto. É colocar eles como sujeitos na negociação”, explicou. 

Célia Xakriabá, deputada federal pelo PSOL-MG, fez críticas ao modelo de mineração no país e falou sobre a importância de proteger o meio ambiente. Além disso, destacou a mobilização das pessoas atingidas na luta por reparação. “Vocês têm uma capacidade muito grande, porque somente com mobilização que nós temos condição de mudar e fazer valer verdadeiramente o nosso direito”, disse. 

O deputado Rogério Correia criticou a falta de atenção à pauta dos atingidos do governo federal anterior e da atuação do governo estadual de Minas Gerais. Ele também pontuou compromissos na sanção da PNAB e na luta para que os recursos da repactuação possam ir de encontro aos anseios daquilo que os atingidos têm determinado. 

“O compromisso tem que sair do papel e se efetivar. É esse o trabalho que a gente faz, mas mostra um compromisso, e esse compromisso, evidentemente nós vamos cobrar do governo do presidente Lula e esperamos que, em breve, ele possa sancionar a PNAB (…). E tomara que a repactuação se torne, naqueles parâmetros que aqui indicou o nosso relator Helder Salomão, a realidade. Um acordo onde os recursos sejam colocados na Bacia, naquelas ações que vocês estão determinando nos debates que fazem”, ressaltou.

 

Moara Giasson, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Junior Fidelis, representante da Advocacia Geral da União (AGU), deputado Helder Salomão e deputado Rogério Correia. Foto: Cleiton Santos

Voz dos atingidos e atingidas 

Francisco Ribeiro, morador da Vila Crenaque, localizado em Resplendor (MG), pediu a palavra para falar sobre a falta de assistência básica enfrentada por sua comunidade, o isolamento enfrentado pelas famílias na época de chuvas, além do incômodo permanente causado pela poeira carregada pelo trem que passa muito próximo às residências. 

Francisco Ribeiro, morador da Vila Crenaque, localizado em Resplendor (MG). Foto: Cleiton Santos

“A Vila Crenaque é constituída por cem famílias. Nós temos, na faixa de duzentos moradores, entre crianças, idosos e jovens. A Vila Crenaque é separada da aldeia Krenak através do rio Doce. Vila Crenaque, lado sul, lado norte, aldeia Krenak. Na nossa vila nós não temos água tratada, rede de esgoto, escola, creche, farmácia, supermercado. Nós não temos nada. Toda vez que a chuva veio, nós ficamos ilhados de dez a quinze dias, sem ter acesso a supermercado, rede de saúde. A Vale, BHP e Samarco, nunca estiveram na Vila Crenaque para levar uma cesta básica para ninguém. Nossos jovens estão adoecendo, as nossas crianças estão adoecendo, os nosso idosos estão morrendo(…). A linha férrea passa dez metros retirados da porta das nossas casas. Nós convivemos com a poeira do minério 48 horas. As nossas casas têm que ser limpa todos os dias. Nós não respiramos ar, nós respiramos pó de minério que vem das empresas”, desabafou. 

Já Aleksandra Samora, atingida da Ilha do Rio Doce e advogada membra da comissão de Atingidos de Caratinga (MG), criticou a inabilidade das empresas em realizar um levantamento adequado de repasse do auxílio financeiro emergencial. 

Aleksandra Samora, atingida da Ilha do Rio Doce e advogada membra da comissão de Atingidos de Caratinga (MG). Foto: Cleiton Santos

“Nós somos ribeirinhos, quando chega o período de enchente os rejeitos vêm todos para nossas casas e nada, até hoje, foi feito. Era para ter feito levantamento e pagado auxílio emergencial antes das indenizações, porque o auxílio não é indenização, é um meio de sobrevivência, que eles tiraram de todos, mas se calaram, não fizeram levantamento e os atingidos estão pagando por isso tudo até hoje. E nós estamos vivendo de esperança, dias após dias. Na esperança que seja feito justiça”, pontuou. 

Outra questão levantada no Seminário foi o direito de adolescentes e crianças serem reconhecidas como atingidos(as). A adolescente Ester Hadassa, representante de jovens da Comissão de Pedra Corrida, localizada em Periquito (MG), destacou a dificuldades das empresas rés em reconhecer a juventude como pessoas atingidas. 

“O motivo da minha vinda aqui, é a luta por reconhecimento dos jovens como atingidos. Depois do rompimento da barragem o índice de jovens na criminalidade é gigantesco. Com os rejeitos do rio Doce, foi tirado o direito de pesca, lazer, infância, inocência, trabalho, renda dos nossos pais, familiares, os nossos direitos de ter saúde e dignidade(…). Nos forçaram a calar, negando os nossos direitos, maquiando os nossos direitos dizendo que somos jovens demais para sermos reconhecidos como atingidos”, ressaltou. 
 
Ester também aproveitou o momento para entregar 04 cartilhas ilustradas da Aedas, assessoria técnica independente que atua em seu município, para as autoridades presentes. Os conteúdos temáticos tratam de: 

 
▪️Cartilha 1 –  Justiça é Construção Popular – Proposta de Direito à Participação Informada e Governança Popular do Acordo da Repactuação (Clique aqui)

▪️Cartilha 2 – Rio Doce sem fome: Programa de Transferência de Renda para a Bacia do Rio Doce e na região estuarina, costeira e marítima do Espírito Santo (Clique aqui)

▪️Cartilha 3 – Reparação pelas mãos dos atingidos: Fundo Popular para Projetos Comunitários (Clique aqui)

▪️Cartilha 4 – Fundo para  Reparação de Danos e Prevenção de Enchentes de Rejeitos (Clique aqui)

Adolescente Ester Hadassa entrega cartilhas às autoridades da mesa. Foto: Cleiton Santos

A questão do não reconhecimento enquanto atingido é também problema destacada por Maria Aparecida Guimarães, do Quilombo Córrego 14, localizado em Periquito (MG). “Estou aqui representando Naque, mais em especial, a comunidade de povos tradicionais e quilombola do 14, que não foi reconhecido ainda e nós estamos em busca deste reconhecimento porque também não somos considerados atingidos, que a comunidade do Naque não nos considera como atingidos, mas nós somos do município de Naque e somos comunidade quilombola do Córrego 14. Pedimos que nós sejamos inclusos na repactuação também do rio Doce, como também ribeirinhos”, pediu. 

Protocolo de Consulta Pury 

Representantes da comunidade indígena Pury, localizada entre os municípios de Aimorés e Resplendor, em Minas Gerais, estiveram no Seminário para entregar às autoridades presentes o Protocolo de Consulta Prévia dos indígenas Pury, realizado com o apoio da Aedas. 

Dauamá Meire Mniamá Purí, atingida indígena, liderança da Comunidade Uchô Betlháro Purí além de entregar uma cópia do documento ao deputado Rogério Correia, ainda pediu a realização de um estudo sobre a questão indígena no Médio Rio Doce. 

“Nós também somos indígenas da calha da Bacia do Médio Rio Doce. Não é só os Krenak que é indígena do rio Doce, não. Agora eu quero um estudo étnico-histórico e antropológico do Rio Doce. Eu quero que seja feito. Já não aguentamos mais. Já chega. O nosso povo viveu na nossa terra, humilhados ,desde 1755, escravizado pela empresa Vale também. Tem registro entre genocídio e escravidão e vários outros registros e eu quero que seja feito esse estudo”, enfatizou. 

Dauamá Meire Mniamá Purí, atingida indígena, liderança da Comunidade Uchô Betlháro Purí. Foto: Cleiton Santos

O Seminário contou com a presença de pessoas de várias regiões distintas do rio Doce e de outras autoridades, como os deputados Jorge Rocha, Domingo Sávio, Leonardo Monteiro e as deputadas Ana Pimentel e Maria do Rosário, entre outros.  

Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado Federal aprova a criação da PNAB e PL vai em regime de urgência ao plenário 

Neste mesmo dia, a Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado Federal aprovou, na manhã da terça-feira (07), por unanimidade, o Projeto de Lei 2788/2019, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). 

Para Robson Furmica, coordenador nacional do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), a aprovação representa um momento histórico. “Este momento representa o reconhecimento do Estado brasileiro de que as populações atingidas por barragens são sujeitos de direitos e devem ser tratados com dignidade”, pontuou o coordenador nacional do Movimento de Atingidos por Barragens. 

O texto foi relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO) que, em negociação com o Ministério de Minas e Energia e com famílias atingidas por desastres, para acelerar a aprovação da matéria, acatou o texto como foi aprovado na Câmara dos Deputados, apresentando apenas emendas de redação.  

“As emendas apenas desmembram dispositivos, ou seja, dividem um comando legal em dois, sem que seja alterado o seu teor. Tal procedimento dará possibilidade ao governo vetar dispositivos acordados com o Ministério de Minas e Energia e os atingidos por barragens”, disse o relator. 

Senador Eduardo Gomes (PL-TO). Imagem: Roberta Brandão

Aprovação no Senado Federal 
 
Nesta terça (14), o Projeto de Lei foi aprovado em votação no Senado Federal, com veto no Art. 10. Este artigo revogava os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O texto agora segue para sanção da presidência da República. Com a aprovação da PNAB, estarão estabelecidas regras de responsabilidade social das empresas causadoras de danos. Hoje, não existe nenhuma legislação de alcance nacional que fale sobre os direitos das pessoas atingidas. 

O projeto de lei cita, ainda, danos a serem levados em consideração para que pessoas e comunidades sejam incluídas na política. Por exemplo: 

➖perda da propriedade ou posse de imóvel 

➖desvalorização imobiliária, prejuízos à capacidade produtiva das terras 

➖interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique o abastecimento  

➖perda de fontes de renda e trabalho 

Texto: Mariana Duarte e Carmen Kemoly – Equipe de Comunicação Médio Rio Doce