A pauta é a reativação do trem de passageiros como um direito de mobilidade, além do combate à exclusividade do transporte de cargas 

Foto: Valmir Macêdo | Aedas

O transporte ferroviário de passageiros em Minas Gerais como direito de ir e vir deixou de fazer parte do cotidiano da população e hoje é praticamente restrito ao transporte de cargas, especialmente de minério. Em resposta a essa situação, surgiu o “Movimento Pela Volta do Trem de Passageiros na RMBH e Entorno”, que busca restaurar o transporte ferroviário de passageiros como uma alternativa de mobilidade para a população. 

No dia 29 de outubro, encerrou-se o prazo para envio de contribuições à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre a renovação da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). Com isso, moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), incluindo os municípios atingidos pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, intensificaram as mobilizações para reivindicar o retorno do trem de passageiros na região. 

O movimento, que conta com especialistas do setor e convida a população a se unir à causa, ganha ainda mais força com o término da concessão da FCA, previsto para 2026. Visando impedir a renovação automática do contrato com a empresa VLI, o grupo pressiona as autoridades responsáveis. 

A campanha incentivou o envio de mensagens em massa à ANTT, manifestando o desejo popular pelo restabelecimento desse meio de transporte essencial. “Queremos o nosso trem de volta” é o apelo que lidera as comunicações enviadas à Agência. A ação tem como objetivo reforçar a importância do transporte ferroviário para a mobilidade, conectividade e acessibilidade das cidades da RMBH.  

Trem de carga da MRS passando pela Rua Amianto, em Brumadinho | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Para Maurílio Jardim, morador do bairro Jota, em Brumadinho, “A volta dos trens de passageiros, além de encurtar distâncias e incluir mais pessoas, retiraria milhares de veículos das rodovias. Isso melhoraria o tráfego de cargas e reduziria o número de acidentes, além de diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Reafirmo, portanto, o pedido pela volta do trem de passageiros na malha ferroviária”. 

Segundo o movimento, a empresa abandonou e sucateou as linhas ferroviárias, restringindo investimentos e privando a população de um meio de transporte que poderia aliviar o trânsito e suprir as falhas do transporte público. 

No dia 30 de outubro, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Betim realizou a live “O Direito de Ir e Vir: o lugar do trem urbano”, discutindo o movimento pela retomada do trem de passageiros. O evento foi mediado por Cristina Oliveira, ativista do Movimento SOS Vargem das Flores e professora aposentada de história, que também integra o Movimento pela Volta do Trem de Passageiros da RMBH, e contou com a participação de Cláudia Pires, arquiteta e urbanista, e de André Tenuta, integrante de entidades de preservação ferroviária em Minas Gerais e da ONG Trem.  

Cláudia Pires iniciou sua fala na live destacando: “A retomada do trem metropolitano em uma metrópole que, em termos de mobilidade urbana, abandonou o sistema ferroviário e adotou apenas uma modalidade de transporte é uma questão importante. É necessário organizar a sociedade civil para criar condições para que o trem metropolitano volte a ser uma realidade no transporte público da RMBH”. 

O Movimento Pela Volta do Trem de Passageiros critica as autoridades do poder público estatal e municipal por não utilizarem sua infraestrutura ferroviária para o transporte de passageiros em Minas Gerais. Para o movimento, a estrutura foi abandonada, e, com a privatização das linhas, o foco se voltou para o transporte de cargas, especialmente vinculado à extração mineral. Na Região Metropolitana, há cerca de 500 km de linhas férreas que poderiam ser aproveitadas para o transporte de passageiros, mas todos os ramais que atravessam Belo Horizonte e seu entorno foram desativados. 

Cristina Oliveira reforçou durante a live a posição do movimento: “Nosso movimento pela Volta do Trem de Passageiros é contrário à renovação automática da concessão. Estamos lutando para impedir que essa concessão seja renovada automaticamente, porque não tem como você premiar um mal prestador de serviços. No caso, a VLI deixou muitos buracos no cumprimento do contrato atual”. 

O integrante da ONG Trem, André Tenuta, comentou na live: “No caso das ferrovias, há 30 anos consolidou-se um abandono que resultou em gerações de brasileiros que nunca andaram de trem, algo que era extremamente comum no passado e que acabou se tornando uma lenda. Apesar disso, existem alguns movimentos que não perderam a esperança. As ferrovias foram direcionadas totalmente para a exportação de commodities, como o minério, deixando de atender o brasileiro comum. (…) Isso não é para o brasileiro, é para o exterior”. 

Didi Dominguez, da comunidade de Córrego Ferreira, em Brumadinho, também relatou sobre a importância da mobilização: “A questão do trem de passageiros está sendo levantada novamente, e não é algo apenas para Brumadinho, mas para toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e a Bacia do Rio Paraopeba. A Vale, que é a principal sócia da concessão da Ferrovia Centro Atlântica, empresa que opera nessa região e até a Bahia, tem sua concessão válida até 2026, e eles estão buscando renová-la por mais 30 anos. Estamos mobilizados na luta pelo trem de passageiros”. 

A luta contra a renovação automática da concessão da Ferrovia Centro Atlântica representa, portanto, não apenas uma reivindicação por acessibilidade e inclusão, mas também uma crítica ao direcionamento das ferrovias para a exportação de commodities, em detrimento das necessidades da população local.  


Texto: Felipe Cunha – Aedas