DESASTRE-CRIME: Seis anos após o rompimento, familiares seguem na luta por justiça e memória as vítimas da tragédia.

Flores entregues aos familiares na romaria de 2024 em honra às joias do rompimento. Foto: Felipe Cunha / Aedas
72 meses, 2.192 dias e 52.608 horas de saudade
Este é o tempo da luta por justiça, seis anos após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. O desastre-crime resultou na morte de 272 pessoas, carinhosamente chamadas de “joias”, 3 delas ainda não foram encontradas e a tragédia segue devastando a vida de tantas outras em toda a Bacia do Paraopeba.
Joias, Presentes.
Os familiares das vítimas fatais do rompimento e as pessoas atingidas continuam a lutar incansavelmente por justiça e reparação. Esse drama expõe, mais uma vez, as consequências intangíveis de um modelo de desenvolvimento que coloca os interesses das grandes corporações, acima dos direitos da vida humana.
Realidade(s)?
Em 2024, o ex-presidente da Vale foi beneficiado com um habeas corpus, decisão que causou revolta nas comunidades atingidas. O Jornal Vozes do Paraopeba conversou com Maria Regina da Silva, mãe da joia Priscila da Silva e membro da diretoria da AVABRUM, que comenta que apesar da lentidão o processo segue. “Nós conseguimos agora que o processo voltasse a caminhar depois que dois réus da TÜV SÜD pediram um habeas corpus em Brasília. Nós estivemos lá e presenciamos o julgamento desse habeas corpus, e, finalmente, com a liberação do ministro, voltou a andar”, aponta.
Tem minério de ferro em todo lugar, no ar, no solo, no cotidiano das pessoas atingidas, na lembrança daqueles que se foram cedo demais. Há também a investida milionária midiática por parte da empresa poluidora, em tentar reescrever a história, apresentando uma versão completamente diferente da vivida no dia a dia nos territórios atingidos.
“O lema deste ano é A Memória do Irreparável, porque o que aconteceu não tem volta. Qualquer propaganda que a Vale faça não redime aquilo que ela fez. Apenas para aqueles que não sabem, e por isso, a gente faz esse trabalho de memória, de repetir e de contar tudo que aconteceu.” Maria Regina diz.
A corporação, que deveria responder por suas ações e reparar os danos causados, prefere desviar o foco e abafar o clamor por justiça, trazendo um contexto de que tudo está perfeitamente bem. A prática, longe de ser uma resposta adequada ao desastre-crime, só agrava o sofrimento das pessoas atingidas e contribui para a perpetuação da impunidade.

Letreiro na entrada da cidade em memória as 272 joias vítimas do rompimento. Foto: Isis de Oliveira / Aedas
Memória e Justiça
Em 25 de janeiro de 2025, será inaugurado o Memorial de Brumadinho, espaço dedicado a honrar as 272 joias e a dar apoio às famílias atingidas. O processo de criação do memorial, no entanto, foi marcado por uma série de obstáculos, incluindo a resistência da Vale, que atrasou e dificultou a implementação de medidas que garantissem a construção de um espaço condizente com a magnitude da tragédia.
“O memorial foi criado quando a gente ficou sabendo que tinham muitos segmentos corpóreos de pessoas que já haviam sido identificadas sendo encontrados. Estavam num caminhão frigorífico e, quando soubemos que seriam enterrados numa vala comum, não permitimos, porque eram trabalhadores. A Vale não fez o memorial de bom grado, fez porque a justiça obrigou. A Fundação e a AVABRUM caminham juntas, então, tudo que que for feito lá nós saberemos”, diz Maria Regina.
Embora o memorial tenha um valor simbólico importante, não pode ser apenas um lugar de recordação passiva. A sua gestão, será conduzida pela AVABRUM junto à Fundação Memorial de Brumadinho, e tem como principal objetivo garantir que a memória das vítimas seja preservada de forma justa e que as famílias possam contar com um espaço digno de sua luta, pois é justo que muito custe o que muito vale.

Ato realizado em 2024 em homenagem às joias. Foto: Lucas Jerônimo / Aedas
A Urgência da Mudança
O processo de justiça tem sido marcado por lentidão e uma aparente negligência em tratar a questão com a gravidade que ela exige. Ações efetivas por parte das autoridades competentes continua a ser um dos maiores obstáculos à reparação.
O sistema judicial parece ter sido moldado para proteger os interesses das grandes corporações, e não o direito das pessoas atingidas. Enquanto as pessoas atingidas aguardam diversas respostas, os lucros da empresa-poluidora crescem sem qualquer tipo de medida significativa para evitar que desastres como esse voltem a ocorrer. O modelo de mineração praticado por megaempresas é predatório e não respeita os direitos das vítimas, a memória e ancestralidade do povo, muito menos o meio ambiente. Em clima de tensão, incerteza e vigilância constante, a sirene ainda toca, abalando a vida de quem espera por mudanças.

Familiares em luta, pela reparação justa e integral. Foto: Lucas Jerônimo / Aedas
Esperança e Resistência
À medida que se aproxima o sexto aniversário do rompimento da barragem, as famílias das vítimas fatais e as pessoas atingidas continuam a carregar o peso de uma dor imensurável. Mas, junto com essa dor, cresce também a força da resistência, alimentada pela ânsia de justiça. A verdadeira reparação virá também da certeza de que a tragédia de Brumadinho não será esquecida e que os responsáveis serão punidos de forma justa. Para Maria Regina e tantos outros familiares de vítimas a mensagem é clara: a memória das joias deve ser preservada e querem garantias de que tragédias semelhantes não se repitam. “São 6 anos pra gente, mas é como se fosse ontem, aquele rompimento de barragem, é como se fosse ontem”, conclui.
Texto: Isis de Oliveira / Aedas
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