Em dia histórico, Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana lançam nova edição de Protocolo de Consulta
27 de março de 2023
Documento orienta sobre respeito a definições feitas pelos PCTRAMA no processo de reparação
Lançamento do protocolo de consulta em Belo Horizonte. Foto: Lucas Jerônimo.
Como resultado de uma caminhada construída a muitas mãos, os Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) lançaram no último sábado (25) a segunda edição do Protocolo de Consulta Prévia, Livre e Informada.
O documento é histórico e orientador para todas as questões que se referem aos direitos destes povos e comunidades atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. A primeira edição é de 2020.
O encontro reuniu centenas de pessoas, de diversas comunidades, especialmente da região dois da Bacia do Rio Paraopeba, logo no início da manhã, com a acolhida de todos que se concentravam de frente à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no bairro Cruzeiro em Belo Horizonte, onde aconteceu a segunda parte das atividades.
“Hoje é um marco para nossas comunidades de matriz africana, das nossas tradições, vamos entregar o Protocolo que vai nos auxiliar nessa luta e vai orientar as pessoas que precisam saber sobre o que queremos e o que a gente precisa. A gente veio gritar por justiça e trazer a nossa cara para os espaços de resoluções” – Anaise
Ainda do lado de fora do prédio da OAB, o lançamento teve início com o entoar de cantos da religiosidade ancestral de matriz africana. Ao som dos atabaques e em um ambiente de unidade, respeito e tradição, as mulheres lideranças religiosas evocaram em suas preces bons caminhos para as lutas em saudação a Exu.
Em seguida, um cortejo de Reinado acompanhado das pessoas presentes, percorreu o entorno da entrada até o interior da OAB, onde um café da manhã foi servido. O lançamento do Protocolo ocorreria na Defensoria Pública de Minas Gerais, também em BH, mas a cessão do espaço, que já estava acertada, foi cancelada pela Defensoria Pública faltando poucos dias para o evento.
“Este é um momento em que nós reafirmamos o nosso poder de luta, quando apresentamos para a sociedade o resultado de muitas lutas. O Protocolo de consulta vem reafirmar isso, que nós estamos buscamos o que nos é de direito e nos foi tirado. É um dia muito importante para nós” – Capitã Pedrina
Fotos: Lucas Jerônimo
Já no auditório, Mãe Anaíse e Baba Marcilio conduziram o início das atividades naquele espaço com uma saudação às pessoas e organizações que contribuíram para o momento ou que estavam presentes no evento, dentre estes, movimentos sociais, lideranças religiosas, órgãos públicos e Assessorias Técnicas Independentes (ATIs), como a Aedas.
A mesa foi composta pelas lideranças: Capitão Marambaia, Baba Evaldo, Mãe Daniele, Mãe Kellen, Ogan João Pio, Kota Kyalunde, Tata Ndengue Natal’Ode e Capitã Pedrina (Kota Seji D’Anji). Em suas falas, eles relataram sobre suas comunidades, tradições, como foram atingidos pelo rompimento, bem como frisaram a importância do momento de consolidação do Protocolo de Consulta e denunciaram o agravamento dos danos pós rompimento.
“Estamos na luta com todas as nossas forças, estamos organizados. Este Protocolo de Consulta é nosso, fomos nós, PCTRAMA, que construímos. Esse aqui é o nosso Protocolo e de ninguém mais. Somos aqui 42 Povos e Comunidades Tradicionais, vamos perceber a nossa força. É a hora de radicalizar, hora de acessar o sistema de justiça a nosso favor. O PCTRAMA está dizendo: sem nos consultar, sem consultar o que está neste Protocolo, não tem conversa.” – Ogan João Pio
Uma carta de reivindicações acerca dos direitos dos PCTRAMA foi lida, com a exigência primordial de respeito ao Protocolo de Consulta em suas diretrizes e em todas as práticas envolvidas no processo de reparação. ‘Acatar as diretrizes do Protocolo é fundamental em todas as instâncias’, diz a carta, que também reafirma a importância das ATIs como direito dos PCTRAMA. Também foi apresentada uma nota de repúdio às recentes ações da Defensoria Pública que, de acordo com o texto, representa, mais uma vez, a “tentativa de epistemicídio, racismo religioso, racismo institucional e desmonte da luta dos PCTRAMA.
Veja abaixo a carta de reivindicações e da nota de repúdio:
“Estar aqui hoje é a representação do que somos: resistência, resiliência! Como diz Adelia Prado, nós somos desdobráveis. Em alguns momentos, podemos até nos dobrar, mas nós nos desdobramos. Hoje é um dia de vitória, de alegria e dia em que a gente mostra nossa força e nos articulamos para as lutas que ainda virão” – Baba Evaldo
Fotos: Lucas Jerônimo
O Protocolo de Consulta
Este é o primeiro documento de nível nacional construído por Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Reinados, é resultado de lutas coletivas de muitas comunidades e lideranças que integram o PCTRAMA e teve a Aedas como parceira. O objetivo é tratar da consulta livre, prévia e informada desses Povos e Comunidades em meio à busca pela reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem, o desastre-crime da Vale.
O Protocolo estabelece um conjunto de regras que devem ser seguidas pelas instituições, organizações e empresas que queiram entrar em contato com o PCTRAMA. Ao todo são 21 resoluções sobre como estes Povos e Comunidades devem ser consultados.
Os direitos aos quais o Protocolo se refere estão resguardados por legislações como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1989, em que o Brasil é signatário, o decreto 6040 de 2007, da Política Nacional de Desenvolvimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, a Lei 12.288 de 2010, do Estatuto da Igualdade Racial e a Lei 21.147 de 2014, da Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas.
Fotos: Lucas Jerônimo
Quem são os PCTRAMA?
É uma comissão composta por Povos de Reinado, em diversas linhas, de terreiro de Candomblé de Nação Angola/ Angola Muxikongo, Ketu e Jeje, Omolocô e Umbanda, em sua diversidade de tradições. Essas comunidades estão presentes na Região 2 da Bacia do Rio Paraopeba, região que compreende os municípios de de Betim, Igarapé, Mario Campos, São Joaquim de Bicas, Mateus Leme e Juatuba.
O grupo se constitui em 2019, teve a primeira edição do Protocolo de Consulta lançada em 2020 e atualmente são 42 Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) divididas nos seis municípios.
Fotos: Lucas Jerônimo/Diva Braga
Parceiros
Outras lideranças presentes também fizeram uso da palavra para manifestar comprometimento com as lutas dos PCTRAMA e com o respeito à construção do Protocolo de Consulta, como Fernanda Fortes, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Hédio Silva Junior, da Idafro, Fernanda Lage, presidente da Comissão de Apoio à Advocacia Popular da OAB, Isabela Dario, presidenta da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB, Beatriz Cerqueira, deputada estadual do PT, e a promotora Shirley Machado de Oliveira.
Também estiveram presentes: Maria Matuzinhos (Quilombo Rodrigues), Cacica Angorrô (Aldeia Katurama), Cacique Sucupira (Aldeia Não Xohã), Makota Kindolaie (MANZO), Makota Celinha (CENARAB), Babá Wellington (Fórum dos Povos de Terreiro de MG), Mãe Neli (FONSAPOTMA), Beatriz Borges (Aedas), Leila e Sávio (Nacab), Paula Oliveira e Pedro Henrique (Guaicuy) e Samuel da Silva (Cáritas).
Ainda, Gilvander Moreira (CPT-MG), Jairo Nogueira (CUT), Victoria Salles (Renser), Luiza Dulci (gerente de projetos do Governo Federal), assessorias das deputadas estaduais Leninha e Macaé Evaristo, dos federais Rogério Correia e Célia Xacriabá, Marcelo Vilarino e Caroline Cordeiro Fernandes Machado (MPMG), Makota Kisandembu (Conselho de Igualdade Racial de BH) e Lucas Alvares (CAMF).