Protagonistas da Reparação: Dona Edileuza, mulher, agricultora e pescadora
A menina que cresceu pescando no Rio Doce e acabou impedida de exercer sua profissão, hoje se tornou AGM e é referência em sua comunidade na luta por reparação.

A invisibilização das mulheres no processo de reparação aconteceu desde o Programa de Cadastro (PG01), a principal via de acesso a indenizações e programas mitigatórios da Fundação Renova.
Discriminadas, muitas mulheres não foram cadastradas ou foram cadastradas como dependentes dos maridos. Um exemplo são as pescadoras, agricultoras e areeiras acompanhadas pelo Programa Médio Rio Doce, que trabalhavam com os maridos, perderam sua fonte de renda, mas não tiveram direito a indenização, pois seu trabalho foi considerado como apoio e não uma atividade final.
Fundamentada no combate à violência de gênero identificada no processo de reparação, foi movida pelas Instituições de Justiça uma Ação Civil Pública contra Renova, Samarco e BHP Billington em junho de 2024, denunciando a violação dos direitos das mulheres na implementação do PG01 da Fundação Renova. Uma construção com contribuição do Programa Médio Rio Doce, que elaborou nota técnica em parceria com outras assessorias técnicas da Bacia para sistematizar as violações encontradas no território.
Mesmo diante de um cenário tão desafiador, as mulheres ainda são maioria nos espaços participativos da Aedas (54%) atuando na construção do processo de reparação integral. A partir desta realidade, foram organizados pelo Programa Médio Rio Doce da Aedas Seminários Temáticos específicos para as mulheres, com objetivo de conferir maior protagonismo, reforçando que cada atingida desempenha um papel fundamental na sociedade, além de somar na luta e denunciar a invisibilização das mulheres no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão.
Mulher, Agricultora e Pescadora

Aos 57 anos, Edileuza, nascida e criada em Barra do Cuieté, distrito de Conselheiro Pena, carrega na memória um rio que já não existe como antes. Filha de agricultores familiares, desde pequena ajudava os pais na plantação e venda de frutas e verduras. Mas foi aos 10 anos que encontrou sua verdadeira paixão: a pesca.
A convite de vizinhos, começou a pescar e logo ganhou do pai suas próprias varas de bambu. No início, pescava apenas para alimentar a família, mas, com o tempo, passou a vender os peixes. Aos 17 anos, já era pescadora artesanal profissional, vivendo das águas do Rio Doce, onde sempre pescou com iscas de camarão retiradas do próprio rio.
O desastre-crime causado pela Samarco, Vale e BHP Billiton mudou tudo. A lama tóxica atingiu não apenas o rio, mas a vida e o emocional de Edileuza e de tantos outros pescadores. “Minha vida era ficar na frente da TV e só chorando. Vendo aquela tragédia lá. Tantas pessoas que escaparam, perderam seus entes queridos, amigos, conhecidos. Então, aquilo causou um dano psicológico para a gente muito grande. Na questão da pescaria, nem se fala. Por que como que a gente ia pescar?”, questiona.
Com a lama, o rio que antes tinha águas profundas virou um leito raso e cheio de areia. “Os lugares que eram bem fundos hoje têm dois palmos de água. Como é que se pesca num negócio desse?”
Sem sua principal fonte de renda, Edileuza precisou se reinventar. Passou a trabalhar capinando lotes, vender frutas na época da pinha e complementar a renda com auxílios do governo. No entanto, o trabalho pesado afetou sua saúde e ela precisou recorrer ao Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Hoje, Edileuza dedica-se ao quintal que herdou do pai, cultivando pinha, laranja, jabuticaba, milho e mandioca. Apesar das dificuldades, segue vendendo o que planta, garantindo parte de seu sustento.
Mesmo tendo recebido uma indenização da Samarco, ela sabe que dinheiro nenhum paga a tristeza de não poder mais pescar no Rio Doce. Quando pode, pesca no Rio Caratinga, mas a sensação nunca é a mesma.
Edileuza não ficou apenas observando as perdas. Tornou-se Agente Multiplicadora em sua comunidade, mobilizando moradores de Barra do Cuieté para participarem dos Grupos de Atingidos e Atingidas. Hoje, é uma referência na luta por direitos e por uma reparação justa, provando que, apesar dos desafios, a força da resistência segue correndo como um rio.
Texto: Camila Quintana – Equipe de Comunicação Programa Médio Rio Doce Aedas