Protagonismo das mulheres no processo de luta pela reparação integral e pelo direito à não repetição
Historicamente, as mulheres são condicionadas à dupla e tripla jornada de trabalho, exercendo atividades não remuneradas e invisibilizadas socialmente, como os afazeres domésticos e o cuidado com crianças, idosos e enfermos. Isso significa que elas são responsáveis pela sustentabilidade da vida e, diante de desastres socioambientais, são também as principais atingidas.
Isso se expressa, por exemplo, nos bancos de dados da Aedas, em que elas são maioria nos espaços participativos, sendo também o maior grupo que aciona a assessoria com demandas relacionadas a água, alimentação, realojamento, dentre outros.
De acordo com os dados do Registro Familiar realizado pela AEDAS entre 2020 e 2022, 73% das referências familiares são mulheres e 23% homens, de um universo de 6585 famílias, compondo um banco de quase 24 mil pessoas registradas.
A participação das mulheres é expressiva e indispensável, uma vez que são elas que compõem em grande maioria as comissões de atingidos e atingidas e são voz ativa nos espaços participativos promovidos pela Aedas, bem como no processo de construção da reparação integral.

Mulheres nos espaços e nas comissões
No projeto Paraopeba, é inegável a participação das mulheres nas comissões, nos processos participativos como os GAAs, Roda de Diálogos, ciclos de debates e audiências.
“Eu percebo que é mais forte a presença das mulheres, elas têm mais interesse, não sei se é porque ficamos mais tempo em casa e os homens ficam mais fora de casa, mas eu vejo as mulheres mais envolvidas na luta. Eu recebo muito apoio das outras mulheres, elas são mais presentes”, contou a moradora da comunidade de Vale do Sol, Maria Santana, da comissão de atingidos e atingidas.

Mulheres negras
Estudos apontam que uma carga desproporcional dos riscos e dos impactos sociais e ambientais recai sobre os grupos étnicos mais vulneráveis. As mulheres pretas e as mulheres quilombolas vivenciam em seus cotidianos pós-rompimento da barragem uma soma de problemas em suas vidas.
Dentre a diversidade de mulheres que tiveram suas vidas modificadas após o rompimento da barragem da Vale, em janeiro de 2019, temos as mulheres quilombolas dos territórios de Sapé, Marinhos, Ribeirão e Rodrigues. Essa diversidade de mulheres também é presente nos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA).
Ampliando o orgulho de vir de uma família toda negra e levar o legado de seus pais pra frente. Esses relatos foram afirmações que as mulheres quilombolas fizeram durante as Roda de Diálogo de Mulheres Quilombolas, em que a quilombola e ativista Nair de Fátima, moradora do Quilombo Marinhos, colocou: “Poderia nascer mil vezes, queria nascer do mesmo jeito que nasci, negra!”.

Mulheres em defesa da água
O acesso à água potável é um desafio diário para a sobrevivência de centenas de famílias. O banho, a limpeza, a alimentação estão diretamente ligados ao abastecimento de água, que ficou comprometido após o rompimento da barragem.
Moradora da comunidade Tejuco, em Brumadinho, Maria de Fátima luta pela defesa da mina de água da região, que foi afetada após o rompimento.
“Nós vivíamos com nosso pouco, com nossa humildade, nós não dependíamos de ninguém. Todo mundo precisa de água, quem não precisa de água? Temos que cuidar da água. Se ficar tirando minério, tirando minério, e não repor as árvores, a mina vai acabar. Temos que pensar no nosso futuro e a Vale não está muito aí para isso”, pontuou.

Mulheres que lutam por justiça e memória
Mães, irmãs, filhas, companheiras. As mulheres familiares de vítimas fatais se articulam desde o dia 25 de janeiro de 2019. A busca pelos entes queridos continua.
“Encontraremos as 6 joias pelas quais buscamos: Cristiane Campos, Luis Felipe, Maria de Lourdes, Natalia Porto, Tiago Mendes e Olimpo Gomes. Todas as famílias precisam ter esse alento, para que possam iniciar seu processo de luto. Continuamos firmes em nossa missão”, contou Josiana Resende, da Comissão dos Não Encontrados.

Mulheres na luta pelo direito à renda
Responsáveis pela renda familiar, as mulheres também protagonizam a luta pelo acesso à renda com o Programa de Transferência de Renda (PTR).
De Citrolândia, de Betim, a faxineira autônoma Edinalva Rodrigues, está com o pagamento bloqueado desde 2019. Ela é mãe de 10 filhos, sete deles ainda moram com ela e são dependentes da renda familiar. A atingida cobra agilidade no processo de desbloqueio do pagamento, que, com as enchentes, se tornou ainda mais necessário.
“A gente está precisando desse desbloqueio imediatamente. Eu pergunto: só quem está recebendo é que come? E nós que estamos bloqueados, nós não comemos? Vamos comer minério? Isso é muita injustiça”, cobrou a atingida.
De acordo com o Registro Familiar da Aedas, 68% dos homens cadastrados possuem atividade remunerada, ao passo em que apenas 46% das mulheres cadastradas economicamente ativas possuem alguma segurança de renda mensal.