“Precisamos de uma reparação verdadeira”: atingida de Brumadinho escreve carta para representantes em audiência sobre estudos de avaliação de risco
Relato da atingida explicita a continuidade dos danos na vida da população

A audiência foi convocada pelo juiz Dr. Murilo de Abreu, do Fórum Cível e Fazendário | Foto: Felipe Cunha/Aedas
Atingida e liderança comunitária na Zona Quente, Maria Aparecida da Silva (Paré) escreveu uma carta para os representantes dos Compromitentes e público presente na audiência pública, realizada na segunda-feira (16/12), em Belo Horizonte, que discutiu o andamento dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológica (ERSHRE).
Na carta, Paré fala dos danos à saúde física e mental, e pede prevenção para que novas perdas não aconteçam de forma precoce no território atingido. A Zona Quente é o epicentro do desastre-crime e território imediatamente afetado pela avalanche de rejeitos do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão.
A carta na íntegra pode ser lida a seguir:
Brumadinho, 16 de dezembro de 2024
Aos Representantes dos Compromitentes e Demais Presentes na Audiência Pública do dia 16 de dezembro de 2024
Prezados(as),
Eu, Paré, moradora e liderança da comunidade da Zona Quente, Brumadinho, familiar de Vítima do rompimento, venho por meio desta carta expressar minha impossibilidade de comparecer à audiência pública devido à missa de sétimo dia de Gabriel Júnior Barbosa. Gabriel, namorado da minha sobrinha Rafaela, foi mais uma vida ceifada de forma precoce e trágica, deixando uma lacuna irreparável em nossas famílias e em nossa comunidade.
Hoje, neste momento tão importante para discutir questões fundamentais para nós atingidos, gostaria que não fosse dessa forma. Gostaria de poder estar presente e dizer que a saúde das pessoas atingidas está melhor. Mas isso não seria verdade. A realidade é que está cada vez pior.
A Vale matou e continua matando no nosso território. O crime não acabou; ele se repete a cada vez que uma família precisa enterrar um ente querido. Gabriel morava no Parque da Cachoeira quando aconteceu o rompimento e era agricultor no Cerradão. Naquele dia, ele vivenciou o rompimento e presenciou a descida da lama enquanto trabalhava. Depois disso, passou a enfrentar crises de ansiedade, desmaios e uma série de problemas que deterioraram sua qualidade de vida. Gabriel era um jovem saudável e foi adoecido por esse crime, assim como a lama que levou parte da horta de seu tio e adoeceu a terra. A dor e o sofrimento também o adoeceram.
Como mãe, ver meu próprio filho adoecer com todo esse sofrimento e me sentir incapaz de ajudar é uma dor que só se soma a tantas outras.
Gabriel era um rapaz jovem, amoroso, cheio de sonhos e planos para o futuro, que tocava uma sorveteria junto com sua namorada Rafaela, minha sobrinha, teve sua vida interrompida. Gabriel passou mal enquanto dirigia, sofreu um acidente e nos deixou.
Alguns podem questionar: o que a morte desse rapaz tem a ver com o rompimento? E eu digo: tudo! Não podemos ignorar que, além das 272 joias que perdemos naquele janeiro de 2019, tantas outras vidas foram ceifadas ao longo destes quase seis anos. A população atingida está adoecida, enfrentando danos à saúde mental que se manifestam em seus corpos e suas vidas.
Os dados apresentados pela assessoria técnica independente AEDAS evidenciam que os impactos à saúde mental da população atingida são crônicos e prolongados. Eles não se restringem ao momento do desastre, mas são agravados pela demora na implementação das medidas de reparação e pela falta da correta aplicação de políticas públicas e condições adequadas para enfrentar esse crime.
Por isso, mesmo que eu não possa estar presente nesta audiência, escrevo esta carta para que o nome de Gabriel, assim como de tantos outros, seja lembrado. Que a história dele ecoe como um clamor pela responsabilização e pela garantia de direitos das comunidades atingidas. Precisamos de uma reparação verdadeira, que considere e trate os danos à saúde física e mental, prevenindo que novas perdas aconteçam.
Com profundo pesar e esperança por justiça,
Paré
Liderança comunitária de Brumadinho