Lançamento integrou a programação da VI Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, que celebrou a memória e a resistência seis anos após o desastre-crime

O ritual do toré marcou o início do lançamento dos protocolos | Fotos: Diego Cota/Aedas

Os povos Xukuru Kariri e Kamakã Mongoió, que vivem no município de Brumadinho, lançaram na quarta-feira (22/01) seus Protocolos de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI). A cerimônia de lançamento foi realizada na Praça Saudade das Joias, na sede de Brumadinho, local marcado pela luta por justiça e reparação, desde janeiro de 2019. 

O momento teve início ao som dos maracás, flautas e cantos pelos povos, no tradicional ritual do toré, que celebra a tradição e espiritualidade das populações indígenas. O protocolo de consulta é um instrumento que visa resguardar a autodeterminação dos povos e a defesa do direito ao território. Ele indica a condução de processos de consulta prévia para as comunidades tradicionais de forma a respeitar sua autonomia e tradição. 

O direito à consulta livre, prévia e informada está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na qual o Estado Brasileiro é signatário. O documento tem caráter informativo, ele não substitui a consulta em si e nem é condição para que o direito seja exercido.

Exemplares dos protocolos foram distribuídos para as pessoas que acompanharam o lançamento

Para o cacique Carlinhos Arapowãnã, do povo Xukuru Kariri, o protocolo é uma ferramenta importante para os povos e comunidades tradicionais perante a dinâmica de exploração do território. “É um documento muito importante para nós indígenas. E eu falo, muita das vezes, não só para nós indígenas, mas para os povos originários, os povos tradicionais quilombolas”, disse. 

“Na invasão do Brasil, eles trouxeram o costume de piratas e até hoje está por baixo dos panos que quer passar por cima das comunidades, dos caciques. Esse protocolo de consulta é um documento que ajuda nós a ter um pouco mais de voz, apesar de nós estar vivendo em um cenário em que o próprio governador do Estado quer passar por cima, ele não respeita o protocolo de consulta”, relembrou.

Cacique Carlinhos, do povo Xukuru Kariri

O cacique Rogério Naurú, do povo Kamakã Mongoió, relembrou seu irmão, cacique Merong, que deu início às tratativas para construção do protocolo. “Acho que onde ele [Merong] está, com os encantados, com o grande espírito, ele está muito alegre com essa conquista. É saber reconhecer que nós somos o povo Kamakã Mongoió que estava em extinção, mas não está mais. Nós estamos aqui. O tronco e as raízes estão aqui”, afirmou. 

O protocolo para os Kamakã Mongoió é uma forma de superar a invisibilidade que o processo histórico submeteu seu povo. “Para nós é uma grande conquista esse protocolo de consulta. Porque nosso povo, que diziam estar extinto lá em Vitória da Conquista, Bahia, hoje está aqui em Minas Gerais, no Córrego de Areias, em Brumadinho. Isso para nós é uma grande conquista”, reafirmou cacique Rogério.

Cacique Rogério, do povo Kamakã Mongoió

Em setembro de 2024, o governador de Minas Gerais Romeu Zema publicou o Decreto nº 48.893/2024, que versa sobre a obrigatoriedade de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) em processos de licenciamento ambiental. Em resumo, ele cria barreiras burocráticas para os Povos e Comunidades Tradicionais exercerem o direito à CLPI no contexto de implantação de grandes empreendimentos nos territórios tradicionalmente ocupados. 

A medida do Estado é uma afronta à autodeterminação dos povos enquanto comunidades tradicionais e coloca em risco a biodiversidade, a vida nas comunidades e descumpre direitos garantidos pela Convenção 169 da OIT. Em novembro, uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) fez a denúncia das violações propostas no decreto

Após mobilização dos povos e comunidades tradicionais, na última quarta-feira (29/01) o Governo de Minas publicou um outro decreto (Decreto nº 48.986/2025) revogando o Decreto nº 48.893/2024.

Lançamento foi realizado na Praça Saudade das Joias

Elaboração dos protocolos junto aos indígenas 

A construção dos protocolos Xukuru e Kamakã contou com o apoio do Conselho Indigenista Missionário Regional Leste (CIMI Leste), Cáritas Brasileira, Rede Igrejas e Mineração e Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea). Ao longo de alguns meses foram realizadas oficinas com as comunidades para elaboração do documento que aborda o resgate histórico e a organização interna dos grupos. 

Para Rory Wesley Souza, integrante do CIMI Leste que acompanha os povos indígenas da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o documento é uma forma de estabelecer diálogos e garantir direitos. “É um instrumento de direito muito importante, porque vai dizer, tanto para dentro como para fora, como devem chegar a essas comunidades. É um instrumento de garantia de direitos e hoje a gente vê a negação desses direitos. O protocolo visa fortalecer essas comunidades naquilo que está descrito na Constituição e na OIT”, disse. 

O lançamento contou com a participação das comunidades indígenas, representantes do Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), de entidades que apoiaram a construção dos protocolos – CIMI Leste, Cáritas Brasileira, Rede Igrejas e Mineração e Insea – e movimentos sociais.

Os protocolos podem ser acessados no site do CIMI: Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri.

Legado para o futuro indígena 

O protocolo, junto à resistência dos povos nos territórios e pela manutenção das tradições, é um legado para o futuro, como apontou cacique Carlinhos. “A gente tem que pensar o nosso futuro. E eu penso dessa forma, que daqui a 15 anos, nossas crianças que estão nascendo, nossos jovens que estão crescendo, eles vão se casar e vão estar mais resguardados, apesar de nós deixar já o conhecimento dentro da nossa cultura, dentro da espiritualidade e no som do nosso maracá”, disse. 

Para cacique Rogério é uma forma de estabelecer, cada vez mais, as raízes no território. “É um motivo de orgulho falar ‘a gente tem o nosso protocolo’. Traz a resistência para o nosso território dizer que a gente está firmado naquela terra, antes pela morte do nosso cacique e agora também pelo protocolo”, afirmou. 

Os Kamakã Mongoió e Xukuru Kariri são povos indígenas em retomada no município de Brumadinho. O movimento desses povos acontece desde 2021 com a ocupação do território cuja presença indígena é ancestral.

Veja mais fotos:

Texto: Diego Cota