R1 e R2: Levantamentos da Aedas mostram que 21 mil pessoas já tiveram problemas com o emergencial
Diante disso, a Aedas, enquanto assessoria técnica, notificou a Vale a partir de ofícios por comunidades na região 2, no dia 2 de junho; e por meio de um ofício geral no dia 8 de junho, na região 1.
Contabilizando 12 mil pessoas atingidas com problemas no pagamento emergencial, em dezembro de 2020, e mais de 9 mil novas pessoas com inconsistências em maio de 2021, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), que presta Assessoria Técnica Independente (ATI) nas regiões 1 (Brumadinho) e 2 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas) da Bacia do Paraopeba, tem enviado ofícios à mineradora Vale questionando a falta de respostas sobre as mais de 21 mil pessoas com pagamento bloqueado, negado, pagos pela metade, dentre outras situações reportadas pelas comunidades.
A assessoria também questiona, com mais de 50 ofícios das regiões 1 e 2 enviados à mineradora, entre 2 e 8 de junho, sobre a inexistência de um canal próprio para complementação dos documentos necessários à regularização do pagamento. Destaca-se que a plataforma digital disponibilizada pela empresa – que supostamente garantiria acesso a todas as informações relacionadas ao emergencial – nunca está disponível, de acordo com relatos de atingidos e atingidas, e de tentativas feitas pela equipe técnica da Aedas. Após mais de dois anos do rompimento, a população atingida e suas assessorias técnicas não possuem um canal efetivo de acesso às informações sobre o pagamento emergencial, que é direto da população atingida e obrigação judicial da Vale.

Outra grande insatisfação é a falta de respostas sobre os pagamentos passados, ou seja, os pagamentos das pessoas que deveriam receber e atualmente não estão recebendo. Diante disso, o texto dos ofícios enviados pela Aedas solicita à Vale que ela informe o motivo do não pagamento e que efetue o depósito das parcelas em atraso. Nos casos das pessoas que tiveram o auxílio reduzido à metade ou a 25% de forma indevida, o ofício enviado pela Aedas faz menção aos termos da audiência realizada em 28 de novembro de 2019, que afirmam que, nos casos em que for verificada redução indevida, a poluidora deve “pagar os valores para complementação desde o momento do pagamento a menor”.
Importante lembrar que, em final de 2019, houve decisão judicial autorizando a redução pela metade do pagamento emergencial, a partir de 25 de janeiro de 2020, com exceção das comunidades Parque da Cachoeira, Córrego do Feijão, Alberto Flores, Cantagalo, Pires e demais comunidades às margens do córrego Ferro-Carvão. Em maio de 2020, nova decisão acrescentou mais algumas comunidades à exceção da redução do auxílio. As comunidades Tejuco, Planalto, Salgado Filho, Ponte das Almorreimas, Aurora, Varjão I, Varjão II, Regina Célia e Conceição de Itaguá (alguns bairros) tiveram direito de voltar a receber 100% do pagamento.
Os ofícios enviados ressaltam também que o pedido de pagamento, a partir do dia do rompimento, é condizente com a ordem judicial proferida na audiência de 20 de fevereiro de 2019, que mandou realizar o pagamento emergencial “a contar da data do rompimento da barragem”.
Até o momento, o entendimento da assessoria é de que deverão receber o pagamento retroativo todas as pessoas domiciliadas em Brumadinho ou em qualquer comunidade que esteja a até 1 quilômetro das margens do Rio Paraopeba – isto é, que se encaixam nos critérios da decisão judicial – e que não receberam o emergencial por ter tido o pagamento cortado de maneira indevida.
Problemas diversos com o pagamento do emergencial
Pagamentos passados, pagamentos negados, passivo, retroativo, bloqueados; são inúmeros os termos que as pessoas atingidas passaram a usar para caracterizar múltiplos problemas no recebimento do pagamento emergencial, pago pela Vale desde fevereiro de 2019.
Nos territórios em que a Aedas atua, uma das demandas mais latentes, verificada em mais de um ano de assessoria técnica, diz respeito ao pagamento emergencial concedido às pessoas atingidas para mitigar – ou seja, aliviar – os prejuízos econômicos e sociais provocados pelo desastre sociotecnológico ocorrido em janeiro de 2019. O valor auxilia no sustento das famílias que perderam emprego e renda.
A situação foi agravada em 2020, em decorrência da pandemia de covid-19. Nesse contexto, o emergencial é utilizado, inclusive, para compra de água mineral, uma vez que o Rio Paraopeba foi contaminado por rejeitos tóxicos e comprometeu o abastecimento hídrico de toda a Bacia.
A pressão por respostas sobre o pagamento dos valores passados do emergencial cresceu ainda mais após o fechamento do acordo firmado entre a poluidora pagadora Vale, o governo do estado de Minas Gerais e as Instituições de Justiça (IJs), assinado no dia 4 de fevereiro de 2021, com a justificativa de reparar coletivamente os danos socioeconômicos e socioambientais após o rompimento.
Isso porque, além do acordo ter sido fechado sem a participação popular das pessoas atingidas, surgiram muitas dúvidas sobre o Programa de Transferência de Renda (PTR), que está previsto no acordo e substituirá o emergencial. O PTR tem até agosto para ser implementado e, enquanto isso, o emergencial segue sendo pago nos moldes atuais.
Nesta quarta-feira (16), os Compromitentes apresentaram a petição com os critérios e o detalhamento do PTR para o juiz. O valor destinado para o programa é de 4,4 bilhões de reais e a estimativa é de que ele dure cerca de quatro anos.
Na terça-feira (15), os Compromitentes também lançaram um edital, com um chamamento público (Termo de Referência) para escolha da empresa ou entidade interessada em atuar como gerenciadora do Programa de Transferência de Renda. Acesse: (Link).
Na quinta-feira (17), o juiz já homologou as diretrizes gerais dos critérios e o Termo de Referência enviado pelos Compromitentes. Isso significa que a proposta dos compromitentes já está juridicamente válida e o processo de transição de critérios e gestão já pode iniciar oficialmente.
Nesses três meses de transição (junho, julho e agosto), a Aedas irá retomar o diálogo com as Instituições de Justiça, Compromitentes do acordo, sobre o que foi submetido ao juiz. Enquanto assessoria técnica, a Aedas também estará acompanhando todo o edital, para fazer cumprir que a empresa gestora atenda a todos os requisitos, principalmente de independência e autonomia em relação à poluidora.
Compromitentes e o PTR
Os Compromitentes serão os responsáveis pela gestão desse recurso. São eles: Ministério Público Estadual (MPE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE) e Governo do Estado. Segundo consta no acordo, a gestão da transferência de renda será retirada da empresa Vale e a ideia é que não existam bloqueios ou negativas de cadastramento de maneira indiscriminada ou injustificada, sem transparência e sem possibilidade de recurso, como ocorre com o pagamento emergencial nos moldes que a Vale opera hoje.
No dia 1 de junho de 2021, a Vale informou que, de março a maio, o pagamento emergencial estava em um período de transição, e que a partir de junho, os valores pagos já serão deduzidos dos 4,4 bilhões destinados ao Programa de Transferência de Renda. Conforme destacado, os Compromitentes têm até agosto para viabilizar o novo programa. Ou seja, mais três meses. Isso quer dizer que, enquanto o novo programa não entrar em vigor, a Vale vai descontar os valores dos pagamentos do emergencial do próprio montante do PTR. Com o fim do prazo máximo (agosto de 2021), a empresa depositará o restante dos valores do PTR em juízo, quando ficarão sob responsabilidade das IJs.
Veja o que já foi feito pela assessoria técnica em relação aos pagamentos passados do emergencial e como se encontram atualmente:
Em junho de 2020, momento em que foi possível fazer a contratação de mais profissionais para a assessoria, devido à pandemia de covid-19, a Aedas começou a fazer um levantamento de questões específicas relacionadas ao pagamento emergencial que a mineradora Vale é obrigada a pagar para cerca de 100 mil pessoas. Esse levantamento foi feito através dos Registros Familiares (RFs), bem como de entrevistas específicas sobre o pagamento. Com isso, a assessoria identificou um total de 3.240 pessoas na região 1 e 8.823 pessoas na região 2 com problemas no recebimento do emergencial.
Em outubro de 2020, a Vale deveria se pronunciar, em audiência, sobre a continuidade do emergencial, que seria finalizado em novembro do mesmo ano. Foi exatamente no mês de outubro que pessoas atingidas e suas assessorias técnicas foram surpreendidas com o possível acordo judicial entre Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça.
Desde então, o emergencial foi sendo prorrogado pela mineradora mês a mês, causando ansiedade na população atingida. Ainda em outubro, a Aedas e a Defensoria Pública de Minas Gerais construíram uma lista com todas as pessoas atingidas que se encontravam em situação de bloqueio, tanto para as que haviam sido suspensas em outubro, quanto para os demais casos.
Em dezembro de 2020, a Aedas solicitou à Vale, por meio de ofício, respostas concretas sobre a situação de mais de 12 mil pessoas nas regiões 1 e 2 com pagamento emergencial bloqueado, negado, em atraso ou insatisfeitas com a redução do valor recebido.
No início do ano de 2021, no dia 21 de janeiro, as ATIs, a partir de uma série de demandas das pessoas atingidas, enviam outro ofício às Instituições de Justiça, reforçando a urgência na resolução dos problemas que envolvem o recebimento do emergencial.
Somente no dia 9 de fevereiro a Vale respondeu as ATIs sobre essa questão. É importante destacar que apesar dos esforços das Instituições de Justiça e de haver, inclusive, determinação judicial para que as assessorias técnicas tenham acesso à plataforma da Vale, para que possam acessar diretamente os motivos de negativas dos pagamentos das pessoas atingidas, até o momento a mineradora não concedeu esse acesso.
Primeiro levantamento da Aedas: Mais de 12 mil pessoas com problemas no emergencial
Na resposta que ofereceu em fevereiro, a Vale informa que mais da metade dos problemas apontados teriam sido resolvidos. Essa resposta possibilitou conhecer os problemas de quem não está recebendo o emergencial e, a partir disso, foi possível começar a identificar os motivos, bem como traçar caminhos e orientar as pessoas sobre as possíveis formas de sanar seus problemas.
A Aedas, por meio de equipe de mobilização e das áreas temáticas, iniciou um trabalho de checagem das informações de quem recebeu e quanto recebeu, para identificar se as informações que a Vale emitiu estavam realmente atualizadas.
Para a realização dessa tarefa, foram selecionados grupos de pessoas com problemas relacionados ao pagamento emergencial. Esses grupos foram identificados de acordo com a situação do pagamento e como solucionar a questão.
O Grupo 1 é o grupo que continha casos de bloqueio indevido. Nesse grupo, a equipe da Aedas teve como responsabilidade verificar se a pessoa realmente recebeu e em que situação se encontrava. Das 844 pessoas nesta situação, nas regiões 01 e 02; 142 pessoas persistiram com problemas. Uma parte delas foi desbloqueada corretamente, com os devidos pagamentos retroativos; outra parte foi desbloqueada, mas sem os retroativos; e ainda há pessoas que seguem com o pagamento bloqueado. Os casos em que a assessoria verifica que a pessoa atingida não foi desbloqueada – ou que foi desbloqueada, mas não está recebendo os pagamentos atrasados – são enviados novamente para a Vale
Os Grupos 02 e 04 se referem às pessoas que foram negadas porque possuem inconsistências na documentação, dados incorretos; ou porque não possuem CPF no banco de dados da Vale, respectivamente. Aqui se concentram o maior números de casos: 4.820 pessoas no total, nas regiões 01 e 02. Para esses grupos, a Aedas tem questionado a mineradora sobre um novo canal disponibilizado por eles ou se há algum outro canal para efetuar as correções de documentos.
O Grupo 3 é o que se encontra como pago. Seriam 6.399 com pagamento desbloqueado em fevereiro. Nesta seção, a assessoria encaminhou ofício para a mineradora Vale solicitando informações, com mais detalhes sobre as regularidades e questionando novamente o que significa como pago no retorno que concedeu. Por exemplo, qual categoria a pessoa se enquadra (50% ou 100%); bem como qual data foi realizado o pagamento e o valor total que foi pago por atingido.
Levantamento atual da Aedas: mais de 9 mil novas pessoas com problemas no emergencial
Em maio de 2021, sem resposta da Vale sobre as inconsistências, sem acesso ao canal de correção dos documentos, e com a continuidade dos relatos por parte das pessoas atingidas à assessoria técnica, a Aedas produziu uma nova lista de problemas com o emergencial (auxílios suspensos/bloqueados, indeferidos, reduzidos indevidamente, etc.).
Essa lista tem mais de 9 mil pessoas atingidas das regiões 1 e 2 e foi enviada por meio de novos ofícios, nos dia 2 de junho, na região 2, e no dia 8 de junho, na região 1.
Este novo envio foi pensado de modo a facilitar o acompanhamento pelas lideranças das comunidades, e pelas Comissões de Atingidos e Atingidas. A ideia é viabilizar que a própria população atingida, por meio de seus representantes e lideranças, consigam acompanhar o andamento dos ofícios e também pressionar a empresa pelas respostas. Na região 1, será apresentado à Vale um ofício complementar com a lista de endereços virtuais das Comissões, lideranças e representantes das pessoas atingidas. Essa nova lista também passou por categorizações e foi dividida da seguinte forma:
A primeira categoria diz respeito às pessoas que recebiam e deixaram de receber, ou seja, estão suspensas. Ela abrange atingidos e atingidas que receberam por algum tempo o emergencial e tiveram os pagamentos suspensos em outro momento, mesmo estando em total enquadramento nos critérios para o recebimento. Incluem-se também as pessoas com parcelas em atraso. A exigência da assessoria, no ofício, é que todas as pessoas dessa categoria têm direito ao recebimento das parcelas em atraso. Por estarem bloqueadas arbitrariamente, a assessoria pede ainda que seja indicado o motivo do bloqueio. “Quais as formas de solução, quais documentos devem ser juntados e qual o meio de envio dos documentos, ou de resolução do problema em questão”, descreve o ofício.
A segunda categoria menciona as pessoas que estão cadastradas, porém nunca receberam (indeferidos): nessa categoria, estão os atingidos e as atingidas que tiveram seu pedido para recebimento do emergencial indeferido por quaisquer razões. A exigência da assessoria, no ofício, é que a poluidora pagadora indique o motivo do indeferimento e as especificações necessárias para resolução do problema de cada pessoa, pagando desde o dia do rompimento, conforme decisão judicial de fevereiro de 2019.
A terceira categoria faz o levantamento das pessoas que estão recebendo 50% do emergencial: abrange os atingidos e atingidas que se sentem lesados/as com a redução do pagamento. No ofício, a assessoria reivindica que a mineradora revise os nomes, cruzando com o banco de dados da Vale, em que constam as pessoas participantes e beneficiárias de outros programas da empresa ou qualquer outro requisito que esteja enquadrada; identificando qual programa a pessoa participa; indicando o motivo da redução do pagamento e o que pode ser feito para solucionar o problema.
A quarta e última categoria abrange as diversas outras situações. Nela, estão todos os atingidos e as atingidas que não se encaixam nas categorias anteriores. Aqui, a assessoria pede que a mineradora verifique a elegibilidade e regularize os pagamentos desde o dia do rompimento, conforme a decisão judicial que instituiu o pagamento emergencial.
Em todas as categorias acima, a assessoria pede que sejam revistas quais as formas de solução, quais documentos devem ser juntados e qual o meio de envio dos documentos, ou de resolução do problema em questão. É importante destacar que a dificuldade de resolver essas inconsistências é devido à falta de acesso, por parte das assessorias técnicas e pessoas atingidas, quanto à inexistência de um canal próprio para que as pessoas possam corrigir ou complementar seus documentos.
Para cumprir com o princípio básico da assessoria técnica, que é a participação informada das pessoas atingidas, e considerando a urgência das demandas do pagamento emergencial, os ofícios sugerem duas possibilidades de prazo para resposta da Vale: o de 30 dias, caso a empresa responda sobre todos os casos de forma unificada; ou o prazo de 15 dias, se a empresa optar por responder de forma individualizada para cada comunidade e Comissão de Atingidos e Atingidas.
Na sexta-feira, 11 de junho, a Vale respondeu a assessoria confirmando o recebimento de 50 e-mails no dia 2 de junho, com solicitações relativas à região 2. Na segunda, 14 de junho, a mineradora também respondeu como recebido o ofício da região 1.