Valmir Macêdo e Vivian Virissimo

A primeira rodada dos Grupos de Atingidos e Atingidas, também chamados de GAAs, foi concluída nesta sexta-feira (4). Os GAAs são espaços participativos construídos com o apoio da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), assessoria técnica independente (ATI) que atende seis municípios das regiões 01 e 02 da Bacia do Paraopeba.

Nos GAAs, que são articulados em ambiente virtual em função da pandemia da covid-19, a população atingida se reúne para debater as possíveis soluções de suas necessidades, coletivas e individuais, para superar os danos causados pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão.

A primeira rodada dos GAAs começou no dia 12 de agosto, com grupos formados por até dez pessoas, levando em conta a proximidade territorial. Cerca de 40 GAAs acontecem simultaneamente, geralmente à noite, e são conduzidos por uma dupla, composta por um técnico das áreas temáticas e um mobilizador da Aedas.

“Os GAAs têm o objetivo de levantamento não só dos danos, mas quais são as principais medidas emergenciais, que não podem esperar, que precisam ser implementadas desde já, para lidar com esses danos”, explica Maria Helena Villachan Ramos, coordenadora de mobilização da Aedas da Região 02 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas).

Um dos exemplos que mais aparece no GAA é o problema de fornecimento de água.

“Isso não pode esperar até a reparação integral, pois é preciso garantir a integridade física e mental das pessoas para que elas possam esperar o processo de reparação integral”, diz Maria Helena. Além do fornecimento regular de água, são consideradas medidas emergenciais para mitigação dos danos o cercamento do rio, fornecimento de silagem, bem como o pagamento emergencial mensal.

Poeira e água suja

A vendedora autônoma Damiana Lima é moradora do Residencial Bela Vista, na região de Brumadinho. A atingida participou com a família na primeira rodada dos GAAs, espaço em que relatou os impactos que a comunidade está sofrendo.

“Devido a muitas obras com a Vale e Copasa está tendo muita poeira. Com o tempo seco, as crianças aqui do bairro estão tendo muita rinite alérgica, muita alergia a poeira. Uma outra coisa que a gente tem notado é sobre a água. Muitos estão dando dores no estômago, dores de barriga e a gente está tendo que comprar essa água”, contou a vendedora.

A moradora acredita que os Grupos de Atingidos são importantes para organizar as famílias na busca pela reparação dos impactos. “Assim a comunidade fica por dentro do que acontece não só no próprio bairro mais também nos demais. Assim nos unimos em prol de melhorias e reivindicação de nossos direitos, esses que a Vale vem nos negando como atingidos”, completa.

Como funcionam os GAAs?

Os GAAs são uma opção metodológica adotada pela Aedas com o objetivo de informar questões básicas sobre reparação integral. Os materiais usados no GAA são enviados previamente e consistem em um vídeo, a linha do tempo com a cronologia dos principais fatos desde o rompimento e a apresentação completa dos slides do GAA.

“A Aedas se esforçou ao máximo para construir uma metodologia participativa, mesmo em contexto de pandemia, para buscar o protagonismo dos atingidos e escuta deles e delas para a construção da matriz emergencial de danos. Priorizamos um espaço de acolhida para informar às pessoas sobre o trabalho da assessoria, sobre o que é reparação e o andamento do processo judicial. Nosso foco e prioridade é a construção coletiva, pensando na lógica do coletivo e não individual”, complementa Maria Helena.

Uma das principais funções dos GAAs é a coleta de dados para elaboração de um documento chamado “Matriz Emergencial de Danos”. Esse documento é o produto síntese da atuação da ATI e reúne os danos levantados pelo diagnóstico das equipes técnicas da Aedas. A matriz de danos é construída conjuntamente com as atingidas e atingidos e será estruturante na construção do plano de reparação.

Auxílio emergencial

Na primeira rodada dos GAAs, outro assunto importante são os novos critérios para o pagamento do auxílio emergencial, com base em situações de vulnerabilidade dos/as atingidos/as. Esse pagamento é um direito acordado no processo de reparação, que obriga a Vale a pagar até um salário mínimo aos atingidos/as para interromper e mitigar danos do rompimento. Será parcialmente descontado da indenização coletiva, não das indenizações individuais e os critérios de recebimento se baseiam na localização da residência pessoal.

Desafios do trabalho remoto

A pandemia de covid-19 obrigou que os trabalhos da assessoria técnica independente da Aedas fossem feitos remotamente, como forma de prevenção à proliferação do novo coronavírus entre os atingidos e equipe Aedas. A mobilizadora da região de Brumadinho Julia Machado pontuou alguns dos desafios da articulação à distância.

“O ambiente virtual não possibilita a pausa para o café e a prosa, momentos em que algumas pessoas se sentem mais à vontade para compartilhar temas e questões que preferiram não falar em público. Além disso, sabemos que as pessoas mais velhas não têm tanta facilidade na utilização de tecnologias; as crianças, que poderiam estar desenhando com as pedagogas no espaço da reunião, acabam ficando entediadas e irritadas, o que dificulta a participação das mães”, disse a mobilizadora.

Outro desafio é a conexão remota em um contexto de falta de estrutura e acesso à internet. “Isso sem falar nas famílias que não conseguem participar por não terem nenhum acesso à internet ou por terem uma internet muito ruim, especialmente comunidades rurais e comunidades quilombolas, de modo que não escutam ou não conseguem falar nas reuniões”, pontuou Julia Machado.

“Contamos com a ajuda da Aedas”, diz atingida

Com dificuldades de acesso à internet e com muitos moradores idosos, o Assentamento 2 de Julho, comunidade também afetada pela contaminação do Rio Paraopeba, realizou um GAA ampliado em espaço aberto e com distanciamento entre os atingidos no galpão da comunidade, respeitando as normas de segurança de saúde. A ideia foi promover a participação dos assentados que possuem mais dificuldade de conexão online.

Marília Horácio, moradora do assentamento, participou da primeira rodada dos GAAs e relembra a vida da comunidade antes do rompimento.

“O (rio) Paraopeba vai precisar do tempo dele para se recuperar. Ninguém sabe se um ano, dois anos”, lamenta a agricultora familiar que mora no assentamento desde a data da ocupação, em 1999.

O rio que era fonte de alimento e renda e também faz falta para o lazer e recreação entre as famílias. “Nossos parentes não vêm mais nos visitar. Antes a gente tinha o rio como local de descanso. A gente ensinava nossas crianças a pescar e a nadar. Espero que o poder público cobre mais dessas empresas que agridem o meio ambiente. Esse crime não pode sair impune, principalmente em Brumadinho. Foram muitas vidas que não podem ser recuperadas. A gente vai ter que se juntar para cobrar reparação e contamos com a ajuda da Aedas”, afirmou a moradora.