Pleito da Comissão PCTRAMA gera reunião com FGV e CENARAB para critérios de inclusão ao PTR
O pleito foi consolidado em 2022, com uma solicitação à Aedas para a elaboração da fundamentação técnica

Participantes do encontro em foto oficial | Foto: Felipe Cunha – Aedas
No dia 30 de novembro, ainda no Mês da Consciência Negra, foi realizada em Betim uma reunião com plenária entre as Comunidades Tradicionais de Matriz Africana da Região 2. O encontro teve como objetivo dialogar com lideranças e membros das Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) sobre os critérios de inclusão no Programa de Transferência de Renda (PTR), previsto no Anexo I.2 do Acordo Judicial de Reparação firmado em 4 fevereiro de 2021 entre a mineradora Vale S.A., o Estado de Minas Gerais e os demais compromitentes.
O evento, acompanhado pela Aedas, reuniu representantes atingidos de Religião de Matriz Africana dos municípios de Betim, Juatuba, Mário Campos, Igarapé, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas. A Fundação Getúlio Vargas (FGV), responsável pela gestão do PTR, também esteve presente.
A participação também incluiu representantes do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB) e um antropólogo pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).




Mística inicial | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Entenda

Em resposta às solicitações da Comissão dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) encaminhada com apoio da Assessoria Técnica Independente Aedas em 2022, as Instituições de Justiça deliberaram pela realização de um estudo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a inclusão das comunidades no Programa. Para isso, a Fundação contratou o CENARAB, instituição responsável pela realização de reuniões com representantes destes Povos e Comunidades para promover escuta, diálogo e inclusão no programa.

Makota Celinha, da coordenação do CENARAB | Foto: Felipe Cunha – Aedas
A coordenação do CENARAB, liderada por Makota Celinha, enfatizou a importância da escuta e da valorização das tradições: “O CENARAB tem desempenhado um papel fundamental no processo de reconhecimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, realizando o mapeamento dessas comunidades e defendendo o princípio de que ‘quem define quem somos, somos nós. Atualmente, estamos promovendo uma escuta ativa com os povos tradicionais com o objetivo de incluí-los no PTR. As práticas religiosas dos PCTs estão intrinsicamente ligadas à natureza e envolvem elementos naturais como terra e água. Nosso lema é ‘matou a folha, matou orixá’, e trabalhamos para que os povos tradicionais de matriz africana sejam reconhecidos em toda a região do rio Paraopeba. Esse encontro é uma oportunidade para promover a autodeclaração e o autorreconhecimento, garantindo assim a inclusão dos povos tradicionais no PTR“.
Nosso lema é ‘matou a folha, matou orixá’
Durante o encontro, foi ressaltado de que o Estado não pode determinar a identidade dos Povos e Comunidades Tradicionais, especialmente diante dos danos causados ao rio [Bacia do Paraopeba e represa de Três Marias] e ao meio ambiente como um todo pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em 25 janeiro de 2019, em Brumadinho. Esses danos atingem profundamente a espiritualidade e os modos de vida dessas comunidades. Nesse sentido, o CENARAB tem articulado diálogos e parcerias para embasar o reconhecimento desses povos no âmbito do PTR e assegurar seu direito de acesso ao Programa, cujo Edital de Chamamento Público para acesso não previu critérios que contemplassem suas características territoriais.

Rodrigo Santos, coordenador executivo da FGV Projetos | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Rodrigo Santos, coordenador executivo da FGV Projetos, disse em sua fala inicial: “O rio, assim como todo o meio ambiente e os animais, é essencial para a existência dos povos de matriz africana. Esses elementos são fundamentais para sua espiritualidade e modo de vida e foram profundamente impactados. No entanto, nosso foco aqui não é discutir os danos, mas o processo de inclusão do PCTRAMA, que é o tema central deste diálogo, ao PTR. Esse processo de inclusão envolve a elaboração de uma nota técnica, uma demanda feita pelas Instituições de Justiça (IJs). Estamos trabalhando para concluir esse estudo até o final de dezembro e redigir a nota técnica. A partir dela, as IJs irão deliberar sobre a inclusão, não inclusão ou os critérios para essa inclusão. Após essa deliberação, caberá a nós operacionalizar a decisão da mesma forma que gerenciamos outras etapas do programa. Neste momento, seguimos em um processo de escuta e construção conjunta”.

Aderval Costa Filho, Prof. Dr. em Antropologia pela UFMG | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Aderval Costa Filho, Prof. Dr. em Antropologia pela UFMG, e da equipe responsável pelo parecer técnico científico antropológico, explicou o seu papel nesse processo:
“É uma honra participar deste processo, que é delicado, de curto prazo e carrega grande responsabilidade. Como antropólogo, não tenho o poder de rotular ou determinar quem é quem. Esse papel cabe à comunidade, por meio do autorreconhecimento, que é sua prerrogativa. Nosso papel é contribuir no que diz respeito ao processo de reparação, colocando o saber técnico-científico à disposição. (…) Estamos aqui para referendar o que vocês afirmam. A lógica dessa ata final é permitir que vocês se autoafirmem e promovam o reconhecimento mútuo entre seus pares. Precisamos fazer valer o que foi construído pelas ATIs, incorporar as contribuições e formalizar isso em um parecer técnico que reforce o processo perante as Instituições de Justiça (IJs). Esse parecer, respaldado por acompanhamento técnico, terá maior peso e legitimidade”.

Antônio Sampaio, coordenador da equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas Paraopeba | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Antônio Sampaio, coordenador da equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas Paraopeba, explicou:
“O coletivo PCTRAMA e a Comissão solicitaram à ATI que elaborasse um pleito que fundamentasse as razões e os direitos desse coletivo e dos povos tradicionais de matriz africana para acessarem o PTR. Em resposta a esse pedido, a ATI elaborou um documento técnico e o enviou para as Instituições de Justiça (IJs), reivindicando o acesso do PCTRAMA ao PTR com base no modo de vida tradicional e na condição de serem culturalmente diferenciados no uso do território. Essa justificativa se baseou na lógica do território descontínuo, pois, mesmo fora do critério territorial, essas comunidades têm uma relação com o rio Paraopeba. O critério territorial, por si só, excluía essas comunidades do acesso ao PTR. Assim, este evento é o resultado desse pleito e, a partir da Comissão PCTRAMA da região 2, foi expandido para os demais povos tradicionais de matriz africana atingidos da Bacia”.
Gabriela Cavalcanti, coordenadora da equipe que acompanha o Anexo I.2 (PTR) na Aedas, destacou que o evento representa um marco na luta pelo Programa e no processo reparatório. Ela mencionou que, “como ATI, a Aedas apoiou a comissão do PCTRAMA na mobilização, logística e suporte técnico. Durante a reunião, o CENARAB e a FGV apresentaram a metodologia do estudo que poderá embasar a inclusão dos povos de terreiro e matriz africana no PTR”.
Após as apresentações dos representantes da FGV e do CENARAB, os povos tradicionais de religião de matriz africana puderam expor suas demandas e debater os critérios pertinentes para o acesso ao PTR. Entre os temas discutidos, se destacou a definição, posteriormente votada em plenária, sobre o formato de recebimento das parcelas, dentre outras propostas, a serem validadas pelas Instituições de Justiça (IJs) e em posterior encontro de Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) da Bacia do Paraopeba.

Babá Edvaldo, liderança do Ile Axe Ala Tooloribi, de Juatuba | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Babá Edvaldo, liderança do Ile Axe Ala Tooloribi, de Juatuba, destacou que a importância do PTR para os povos de matriz africana está no reconhecimento e na luta contra a invisibilidade imposta pela sociedade aos povos tradicionais. Ele explicou que participar do PTR é um direito: “Pois nos terreiros, os participantes são obrigados a realizar seus rituais e tradições em outros locais devido à contaminação do rio, levando muitos a buscar outras territorialidades. Esses rituais foram violados, forçando os povos a encontrar novas formas e meios de continuar suas práticas. Além das questões práticas, há a dimensão política dessa luta, que visa romper com o epistemicídio — um processo de negação e distanciamento que ocorre devido à própria origem de matriz africana dos povos que vivem em sociedades colonizadas. Babá Edvaldo enfatizou que a importância dessa pauta é romper com essa dinâmica de epistemicídio e afirmar que os direitos dos povos devem ser reconhecidos sem necessidade de provas constantes: “A luta é essa: afirmar um direito e denunciar as violações que estão ocorrendo no território”.

Mãe Erica D’Oxossi, zeladora de orixá e mãe de santo em São Joaquim de Bicas (última à direita) | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Mãe Erica, conhecida como Mãe Érica d’Oxossi, residente em São Joaquim de Bicas e com ramificação em Betim, afirmou: “Este momento é fruto de uma luta de diversas instituições que nos representam, como a Aedas, por exemplo. O apoio financeiro do PTR é essencial para nós, especialmente porque nossos direitos são constantemente desrespeitados. Esse recurso ajudará a compensar os prejuízos que tivemos devido a esse desastre-crime, que atingiu nossa natureza, nosso axé e nossa força. Mais importante ainda é o reconhecimento de nossa comunidade, que possui seus ritos e sua singularidade. Para mim, isso é muito significativo, pois teremos um documento que comprova que não somos indivíduos isolados, mas sim uma comunidade com uma vida em comum. Isso é o que o coletivo PCTRAMA representa e que fala a mesma língua, tanto no plano físico quanto no espiritual“.

Capitã Pedrina | Foto: Felipe Cunha – Aedas
Pedrina de Lourdes Santos, Capitã do Terno de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade Leonídos, Kota no Nzo Atim Kaiango Ua Mukongo, membro do Coletivo PCTRAMA, ecoou: “Estamos conquistando respeito por meio da nossa luta diária. Essa luta não começa agora; ela começa conosco, com o Coletivo PCTRAMA“.
Próximos Passos
Ao final do processo, será realizado um encontro com as lideranças de cada UTT das cinco regiões atingidas da Bacia do Paraopeba, com o objetivo de validar a proposta final de acesso ao PTR. Ainda, está prevista uma oficina para consolidar os resultados dessas discussões, a ser realizada nos dias 19 e 20 de dezembro, no Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB), em Belo Horizonte.
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Texto e fotos: Felipe Cunha – Aedas