O ato foi realizado de forma auto-organizada pelas pessoas atingidas e contou com apoio de movimentos sociais, representantes de grupos tradicionais e de técnicos da Aedas

A manifestação na linha de trem é um recado para as mineradoras: é preciso parar e não mais ignorar as reivindicações por direitos das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, pertencente à Samarco, Vale e BHP Billiton. Na busca por escuta e respeito, pessoas atingidas do Leste de Minas e do Espírito Santo realizaram uma manifestação com ocupação da linha do trem da Vale, no último fim de semana, próximo à Orla Sul do município de Resplendor.

O ato foi realizado de forma auto-organizada através da articulação das Comissões de Atingidos e Atingidas e contou com apoio de movimentos sociais como o MAB (Movimento de Atingidos por Barragens) e de grupos de cultura tradicional. A Aedas esteve presente no local para assessorar os atingidos e atingidas que fazem parte dos territórios pelos quais é responsável, caso fosse necessário. A ATI atua junto às pessoas atingidas do município de Resplendor e em outros 14 municípios distribuídos no Leste de Minas e Vale do Aço.

Entre as principais bandeiras de reivindicação se destacam: a participação dos atingidos e das Comissões no acordo de repactuação, cobrança do “AFE” (Auxílio Financeiro Emergencial) para todas as pessoas atingidas, fim da quitação final sem a devida reparação das pessoas, reanálise de processos negados pela Fundação Renova e pela perícia judicial; além de apuração das mudanças impostas pela Fundação desde o início do programa Novel.

Durante o ato, as pessoas ocuparam a linha do trem no trecho que corta o município de Resplendor por mais de 12 horas. Na ocasião, um representante da empresa Vale esteve na manifestação, mas as negociações não conseguiram ser encaminhadas, segundo as pessoas atingidas.

Durante a manifestação, é possível ouvir diferentes histórias oriundas do cenário provocado pelo desastre-crime

Em tom de denúncia, um dos participantes, que não quis se identificar para se preservar de retaliações, afirmou que coletivamente a busca mais ampla da reivindicação é por dignidade de vida, pois o rompimento trouxe consequências desastrosas e violou direitos fundamentais de milhares de pessoas.

“Sabemos que o Rio Doce se encontra contaminado, hoje, a pessoa não tem sua renda do rio, as pessoas que tiravam seu sustento de lá não tem mais. A Fundação Renova não trouxe nada de efetivo pra resolver o impacto que teve o rompimento porque poucas pessoas recebem o AFE (auxílio), e muita gente pegou a indenização do Novel e mais nada. O rio continua contaminado e tem família passando fome. O atingido precisa de auxílio”.

Durante a manifestação, é possível ouvir diferentes histórias oriundas do cenário provocado pelo desastre-crime. O rompimento ocasionou uma mudança drástica nos modos de vida das comunidades atingidas e até hoje encontram-se profundamente modificados. Por isso, as pessoas atingidas reivindicam direitos já analisados e determinados judicialmente em ocasiões anteriores, por avaliarem que a justiça não foi feita no caso em que foram vitimizados.

“Mesmo assim, as empresas responsáveis pelo rompimento das Barragens de Mariana insistem em ignorar e diminuir a relevância dos danos e consequências causadas por suas ações irresponsáveis que levaram a morte e danos de muitos que sofreram e sofrem com os impactos do rompimento”, destaca a nota comunicada por demanda coletiva e entregue durante o ato, que também exige o cumprimento de todas as cláusulas já acordadas no TTAC.

Para Ilklyn Barbosa, da Coordenação de Mobilização do Leste de Minas da Aedas, essas manifestações são entendidas como um momento da dar visibilidade às lutas. “O momento do ato, o movimento da manifestação, é onde as pessoas colocam suas reivindicações nas ruas. É muito importante a ATI estar acompanhando e disponível para algum tipo de assessoria que seja necessária para as pessoas atingidas com quem atua. As manifestações também servem para a criação de espaços de diálogo futuro entre os atores da reparação e para o avanço na mobilização social das pessoas atingidas em seus territórios”, afirma.”

Construção coletiva

Nos próximos dias, a troca de informações entre pessoas atingidas e Assessoria Técnica ganhará novas metodologias. O Registro Familiar é uma das importantes ferramentas nessa articulação. Através dele, é feito o levantamento de dados e informações, que tem como objetivo qualificar o perfil e a intensidade dos danos que as pessoas atingidas sofreram, bem como as formas de comprovação desses danos no processo judicial.

Haverá também a consolidação dos Grupos de Atingidas e Atingidos, o GAA, onde há o compartilhamento de informações e debates sobre os direitos, sobre os danos causados pelo rompimento da barragem, as possíveis formas de reparação, o andamento do processo judicial, entre outros temas.

Nos GAAs, a população atingida se reúne para debater as possíveis soluções de suas necessidades, coletivas e individuais, para superar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. “Esse trabalho de criação dos grupos de atingidos e atingidas é uma metodologia da Aedas para a promoção da participação informada das pessoas. Nesse momento, a gente está com esse trabalho de fazer ligações para as pessoas, fazer convites para participar dos grupos de atingidos, porque os grupos são essa ponte de diálogo, de contato e de informação”, conclui Ilklyn Barbosa.