Ação buscou entender contexto de danos dos atingidos e atingidas na Bacia do Rio Doce para garantir acordo de Repactuação justo

No bairro Barra do Manhaçu, no município de Aimorés, a população convive com a intensificação de enchentes desde que o Rio Doce, em 2015, foi desastrosamente contaminado pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana. E esse foi um dos muitos problemas apresentados pelas pessoas atingidas ao longo da Bacia do Rio Doce a parlamentares integrantes da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, da ALMG, que estão vigilantes sobre as perspectivas da repactuação do acordo judicial com a mineradora Samarco, empresa causadora do rompimento. Enquanto Assessoria Técnica Independente (ATI) de municípios do Leste de Minas e Vale do Aço, a Aedas foi convidada e participou das ações de escuta e reivindicação da comunidade realizadas na quinta-feira (4) e sexta-feira (5).

Benilde Madeira mostra assoreamento do Rio DoceFoto: Glenda Uchôa

Para Benilde Madeira, presidente da Associação dos Pescadores e Trabalhadores de Aimorés (APETRA) e membro da comissão de atingidos, além da perda do acesso ao rio enquanto lugar de pesca, biodiversidade e lazer, o rompimento trouxe impactos que ameaçam a vida dos atingidos e atingidas até hoje. É que enchentes em localidades por onde passou a lama de rejeitos da Vale, que matou 19 pessoas em Mariana, se tornaram mais frequentes. O bairro Barra do Manhaçu é próximo ao Córrego do Baixio, onde foi construído um desvio do Rio Doce. Por lá, as águas do rio e das chuvas viraram motivo de preocupação constante.

“Precisamos de uma obra de contenção de risco. Por que não nessa repactuação? Por que não nesse dano que não foi reconhecido na Barra do Manhaçu? Os rejeitos depositados no fundo do rio elevaram o nível das águas. O impacto direto nas construções é de um metro e até um metro e meio por causa da enchente que aconteceu logo após o rompimento, em dezembro de 2015, e de lá pra cá só piora. Não fomos ressarcidos desse dano até hoje”, destaca.

Há um contexto histórico por trás da fala de Benilde: em 2016, alguns meses após o rompimento da barragem que escoou milhões de metros cúbicos de rejeitos pelo Rio Doce até a sua foz, no Oceano Atlântico, a celebração de um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) criou a Fundação Renova, com o objetivo de promover medidas reparatórias, compensatórias, socioambientais e socioeconômicas, a partir de recursos da Samarco e suas acionistas – Vale e BHP Billiton. No entanto, mais de sete anos após o ocorrido, a tomada de ações não ocorreu de forma satisfatória e as pessoas atingidas denunciam injustiças e silenciamento. Esse contexto levou os órgãos públicos a trabalharem para a Repactuação do acordo.

A expectativa para um acordo justo também mobiliza esferas municipais. O prefeito de Aimorés, Marcelo Fubá (MDB), explica que há uma articulação entre as prefeituras dos municípios atingidos para que as demandas da população, acompanhadas de forma tão próxima pelos agentes municipais, sejam consideradas. “A gente tem um acompanhamento muito vigilante, inclusive a gente faz parte do Fórum dos Prefeitos do Rio Doce, que reúne os municípios atingidos pelo rompimento da barragem, mas que não vem sendo ouvido. O município de Aimorés até já ingressou com uma ação à parte contra as empresas responsáveis e estamos aguardando com muita ansiedade essa repactuação – que teve muitos meses parada, mas com o desdobramento do novo Governo reiniciou. Então, é com muita ansiedade que aguardamos saber o que será investido nos municípios que receberam esse dano que é o maior dano socioambiental do Brasil”, declara.

Membros da Comissão Extraordinária participam de momento de escuta em AimorésFoto: Glenda Uchôa

Neste cenário, o poder legislativo também quer contribuir. Segundo o deputado estadual Ulisses Gomes, presidente da Comissão Extraordinária, os representantes legislativos estarão atentos para cobrar a necessidade de a população ser ouvida para a efetivação deste acordo de repactuação. “O nosso compromisso enquanto Assembleia Legislativa e Comissão Extraordinária é ouvir os atingidos e apresentar um relatório à Assembleia para que a repactuação atenda às necessidades do povo”, garante.

Em dois dias de atividades por municípios atingidos como Aimorés, Governador Valadares, Barra Longa, Mariana e Ouro Preto, os parlamentares uniram forças a outras instituições e movimentos organizados. O convite para a Aedas e outras Assessorias Técnicas estarem presentes demarca a preservação do direito à assessoria como parte importante deste processo.

Segundo Franciene Vasconcelos, coordenadora institucional da Aedas, a permanente defesa desse direito significa entender que o desastre da Samarco trouxe danos, além de coletivos, muitos individuais homogêneos massificados a toda bacia do Rio Doce. “É importante no sentido de que isso pode garantir uma perspectiva técnica para o acordo da repactuação, ou pelo menos tentar, já que em experiências anteriores, como o caso do rompimento da Vale em Brumadinho, no Rio Paraopeba, vimos ser realizado um acordo sem participação, pegando os atingidos de surpresa, sem dar oportunidade dos atingidos produzirem os dados e influenciarem os aspectos do acordo. Quando a Assessoria participa disso, ela pode ajudar produzir dados técnicos, evidências para comprovação, dar suporte, fazer organização da luta e apoio operacional para as pessoas se organizarem e pautarem seus direitos”, defende.

Pessoas atingidas na região de Aimorés participam de reunião – Foto: Glenda Uchôa

GOVERNO FEDERAL NA MESA DE DISCUSSÃO

Outros atores compõem e interferem a arena de decisões na reparação da Bacia do Rio Doce. O Governo Federal enviou representantes para acompanharem as atividades da Comissão de parlamentares durante os dois dias de evento. Desde abril, mais de dez ministérios passaram a integrar a mesa de repactuação ao lado das instituições de Justiça federais e estaduais e dos governos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Luiza Dulci, assessora da Secretaria Geral da Presidência da República, afirma que a atuação da União está voltada para a justa compreensão dos diversos temas nesse processo de negociação. “A união voltou pra mesa de negociação do Conselho Nacional de Justiça com muito interesse em, de fato, ter responsabilidade sobre o que ela vai assumir nesse novo acordo. A gente entende que esse povo existe em toda sua diversidade e estamos com participação de mais de dez ministérios envolvidos ativamente nas suas áreas políticas e técnicas para avaliar o que é possível para garantir os direitos das pessoas e da natureza nessa repactuação”, explica.

Representantes da União acompanham depoimentos de pessoas atingidas – Foto: Glenda Uchôa

RECONHECIMENTO DOS PURIS

Em torno da Repactuação, são esperadas medidas que promoverão a justa reparação dos atingidos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Em Aimorés, as atividades da Comissão contaram com a escuta de reivindicações dos indígenas da etnia Puri, que buscam reconhecimento enquanto povos indígenas, dos danos que sofreram decorrentes do rompimento da barragem de Fundão.

Indígenas Puri reivindicam reconhecimento e garantia de direitos – Foto: Glenda Uchôa

Segundo a Deuáma Meire Mniamá Puri, liderança na região do Leste de Minas, a garantia de direitos é uma luta permanente. “Nós somos a primeira aldeia auto identificada pela Funai, então, hoje, a gente busca e requer nossos direitos como povo Puri”, reivindica.

Tuschahi Puri, do povo Puri em Resplendor, lembra que há uma busca constante para a garantia do respeito e a retomada do modo de vida e das tradições das comunidades atingidas. “A gente espera que depois de quase oito anos, as populações ribeirinhas, nós, todos os parentes e todas as populações sejam respeitadas. Foi muita destruição, a matança dos peixes, a condição do rio hoje. A gente espera respeito e consideração com nossas necessidades e reivindicações com nosso território. Isso é importante para manter nosso modo de vida”, conclui.

Indígenas Puris, do município de Resplendor, pedem por respeito – Foto: Glenda Uchôa

AUDIÊNCIA PÚBLICA NOS TERRITÓRIOS

Ainda na quinta-feira (4), o encerramento do dia de visitas e escuta foi encerrado com a realização de audiência pública no município de Governador Valadares. O evento teve como objetivo, apresentado pelos deputados, o debate acerca dos danos ambientais na Bacia Hidrográfica do Rio Doce e nas condições de vida da população após o rompimento.

A proposta de escuta continuou dando tônica ao espaço, que contou, além dos parlamentares e pessoas atingidas, com a presença do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), representantes da educação pública superior e representantes das Assessorias Técnicas instaladas em toda a Bacia do Rio Doce.

Lana Maria, atingida na região Leste de Minas, do município de Governador Valadares, destacou que cada pessoa foi prejudicada de uma forma diferente, em questões relacionadas a saúde, renda, habitação, lazer e práticas culturais. “Existe uma diversidade muito grande de pessoas atingidas com o rompimento. Mas a gente tem medo porque vê os governos na pressa de assinar acordo de Repactuação e, até hoje, tem atingidos que não foram nem reconhecidos na forma como deveria ser. O sentimento é que a gente fala fala fala e fica onde a gente falou. A gente quer justiça, que se olhe primeiro o direito do atingido, aqueles que não foram indenizados, que tiveram suas perdas, para depois olhar para as demais necessidades. A gente tem medo de que o direito do atingido vá apenas para a mão do Estado”, alerta.

Lana Maria, moradora de Governador Valadares, cobra escuta e ações efetivas de reparação – Foto: Glenda Uchôa

Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a tarefa é interromper a violação de direitos dos atingidos, garantindo que eles sejam ouvidos. “A grande questão é exatamente de nós respeitarmos o direito do protagonismo de quem viveu o crime, que não é um desastre, não é acidente, é um crime da Vale, Samarco, BHP e é renovado pela Renova desde que ela foi criada. Nessa audiência, queria fazer um pedido que se construa uma metodologia para que as pessoas sejam realmente escutadas para essa repactuação. Quando a gente escuta é que a gente compreende o que precisa ser feito”.

Audiência também contou com a presença do movimentos populares, representantes da educação pública e Assessorias Técnicas Independentes

Na sexta (5), os parlamentares realizaram novas visitas e a segunda audiência Pública no Distrito de Antônio Pereira – Município de Ouro Preto.

Texto: Glenda Uchôa