Pessoas atingidas do Alto e Médio Rio Doce durante o seminário Foto: Glenda Uchoa/Aedas

Em seminário organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Governador Valadares, realizado na manhã do último sábado (30), na Paróquia Sagrada Família, as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão (de responsabilidade das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton) apresentaram para representantes do Governo Federal e legislativos municipais dos territórios do Alto e Médio Rio Doce, carta-proposta sobre a implementação de projetos comunitários e políticas públicas.  

Intitulado “Do Rio ao Mar: é tempo de avançar por reparação integral e soberania popular”, o seminário reuniu mais de 120 pessoas atingidas e contou com a presença de representantes de diferentes ministérios e órgãos federais. Elisa Costa representou o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA); Marcelo Fragoso participou em nome da Secretaria-Geral da Presidência da República; Júlia Restori, pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; e Ana Luisa, em nome do Ministério da Educação (MEC). Também marcou presença Daniel Sucupira, representando o Ministério da Saúde. 

Representantes do Governo Federal e pessoas atingidas durante o seminário Foto: Camila Quintana / Aedas

Além dos integrantes do governo federal, participaram do seminário representantes dos legislativos federal e estadual de Minas Gerais, vereadores e representantes das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) Aedas e Cáritas (Governador Valadares). Diversas lideranças de movimentos sociais e da sociedade civil também estiveram presentes. 

Em sua fala de abertura do Seminário, Thiago Alves, dirigente nacional do MAB, destacou a luta das pessoas atingidas na bacia do rio Doce por reparação integral, as vitórias e conquistas fruto da organização popular e falou sobre o novo momento da reparação na bacia com a chegada do Novo Acordo de Repactuação do Rio Doce. 

 Thiago lembrou ainda da jornada de lutas realizada em Brasília que possibilitou a aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e pontuou que o seminário, parte da programação da III Etapa da Formação Política do MAB (Turma Toninho Iussef), tem como objetivo construir propostas de projetos comunitários para as pessoas atingidas do Alto e Médio Rio Doce.

Thiago Alves, liderança do MAB em Minas Gerais Foto: Camila Quintana/Aedas

Luta popular garante direitos 

A atividade contou com a intervenção das pessoas atingidas, em falas que apontaram a importância de seguir em diálogo com os representantes do governo federal ali presentes, sobre propostas já desenhadas para este momento da reparação, além de indicação de problemas que precisam ser encarados. 
 
Nilda, de Santo Antônio do Rio Doce, distrito de Aimorés, destacou que a comunidade precisa de apoio, evidenciando que a juventude deve ganhar atenção específica nos próximos anos. “A comunidade está com vários projetos, os jovens querem participar, tem os projetos de futebol, futevôlei e skate, e temos a biblioteca comunitária (Fonte de Sabedoria). Queremos trabalhar teatro, literatura, educação e querem trazer as crianças para dentro da biblioteca”, afirma. 

Nilda, liderança de Aimorés, durante sua fala no seminário Foto: Camila Quintana/Aedas

Jovem liderança, Renata Rodrigues, do distrito de Ilha do Rio Doce, chama os(as) atingidos(as) para acompanhar os conselhos e participar das conferências da Assistência Social, destacando a importância da presença nestes espaços de decisão. O conselho faz parte do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e tem composição paritária, ou seja, com o mesmo número de representantes do governo e da sociedade civil, como previsto na legislação federal e estadual. 

Renata durante sua fala no seminário Foto: Camila Quintana/Aedas

Maria Madalena, do Quilombo Ilha Funda, de Periquito, destacou a importância da luta das mulheres atingidas. “Fui convidada para falar das mulheres, queria falar da criação, podemos fotografar esse momento. Eu vim da Igreja católica, vocês já ouviram falar que a mulher tem que ser obediente? Servidora? Tem que ser bonita para o marido? Mas as mulheres aprenderam a “fotografar” (entender a realidade) também, e viram de cima, que ‘eu tenho que ser bonita para mim também ué’. O homem tem que ser proprietário da mulher? Não. As mulheres são maioria e as suas lutas devem ser consideradas”, destacou chamando os(as) presentes para fechar o momento com um canto: “Para mudar a sociedade do jeito que a gente quer, participamos sem medo de ser mulher!”. 

Dona Madalena, liderança quilombola, durante sua participação no seminário Foto: Camila Quintana/Aedas

‘Este é um tempo de avançar’ 

Marcelo Fragoso, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República, destacou que a pasta tem sido, desde o início do governo em 2023, ‘a casa dos atingidos no governo federal’. “Temos acompanhado de perto não apenas o caso de Mariana e do Rio Doce, mas também pautas nacionais do MAB e situações em diversas regiões, como o Rio Grande do Sul, a Amazônia e, mais recentemente, as áreas na Bahia. Nosso compromisso é tratar de forma direta e contínua a pauta dos atingidos”, afirmou. 

Para Fragoso, Governo e pessoas atingidas estão ‘em sintonia com a ideia de que este é um tempo de avançar’. “Negociações sempre são complexas e nunca entregam tudo de imediato, mas o fundamental é não perder a oportunidade de concretizar avanços reais. O acordo firmado reflete essa visão: garantir, no momento possível, conquistas concretas para os atingidos”, pontuou. 

Um marco desse processo é a criação do Conselho Federal de Participação, cuja instalação está prevista para setembro, com reuniões ainda este ano. “Será um espaço de participação direta dos atingidos na reparação. Além disso, temos o Fundo de Participação Social, dotado de cerca de R$ 5,7 bilhões”, aponta Marcelo.  

Marcelo Fragoso, representante do Governo Federal Foto: Camila Quintana/Aedas

O representante da Secretaria Geral destacou também que já há aproximadamente R$ 330 milhões disponíveis no BNDES para o primeiro ciclo de execução, e ‘o desafio imediato é garantir que, nos próximos oito meses, esses recursos cheguem aos territórios em projetos [comunitários] concretos’. “Esse fundo deve ser compreendido como um instrumento de reparação percebido pela comunidade. Não basta construir um posto de saúde, por exemplo, se ele não for entendido como parte da reparação. Por isso, estamos estruturando um processo contínuo de orçamento participativo, em ciclos de consulta, decisão, fiscalização e acompanhamento junto aos atingidos”, afirmou Fragoso. 

Para Fragoso, o MAB desempenha também um papel essencial, ‘não apenas de denúncia e resistência, mas também de formulação de soluções’. “Esse acúmulo organizativo e político permitiu que estruturas de apoio fossem construídas nos territórios, transformando assessorias técnicas em verdadeiros instrumentos de tecnologia social, capazes de articular políticas públicas junto com o governo”, afirmou. 

“Nosso objetivo não é apenas reparar os danos, mas transformar a realidade: reduzir desigualdades, fortalecer políticas públicas e ampliar a consciência cidadã sobre o papel do Estado. É assim que queremos avançar, com participação popular e entregas concretas nos territórios”, concluiu Marcelo Fragoso.

Reparação justa e efetiva 

Elisa Costa, representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), destacou a relevância das propostas apresentadas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) durante o encontro. A gestora ressaltou que uma das principais responsabilidades do ministério é a execução do Programa de Retomada Econômica da Bacia do Rio Doce. 

Entre as ações já entregues, mencionou o Programa de Transferência de Renda (PTR), que vem garantindo apoio financeiro a pequenos agricultores e pescadores atingidos, beneficiando milhares de famílias atingidas. 

Elisa Costa, do MDA, participa do seminário os desafios e possibilidades para a bacia do rio Doce Foto: Camila Quintana/Aedas

Elisa também destacou a importância da atuação conjunta com as Assessorias Técnicas Independentes e do acompanhamento às comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e assentamentos da reforma agrária. Para ela, a reparação só será efetiva com organização social e participação popular nos espaços de decisão. “O governo federal tem a responsabilidade de planejar e executar, mas é a pressão dos movimentos que garante que a reparação aconteça de forma justa e efetiva”, afirmou.

Educação e Assistência Social 

Júlia Restori, ligada ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e referência técnica do Proforte SUAS (programa do Anexo 7 que fortalece o Sistema Único de Assistência Social na bacia do rio doce), afirmou durante o seminário ‘ter como compromisso consolidar o SUAS como direito do cidadão e dever do Estado, garantindo proteção social para quem mais precisa’. “Queremos que esse programa de fortalecimento da assistência na Bacia do Rio Doce dê frutos em forma de cuidado, proteção, participação popular e presença efetiva nos territórios”, explicou. 

O trabalho da equipe será organizado por microrregiões, com a realização de caravanas para conhecer a realidade e especificidades dos territórios atingidos, identificar vulnerabilidades e definir quais políticas de assistência precisam ser fortalecidas. “O primeiro repasse de recursos já foi feito aos municípios, e agora é fundamental que conselhos municipais e sociedade civil acompanhem a elaboração dos planos de aplicação para garantir que os recursos realmente fortaleçam o SUAS”, concluiu Julia. 

Ana Luisa (MEC) recebe carta-proposta de atingido Foto: Camila Quintana/Aedas

Ana Luisa, técnica do Ministério da Educação (MEC), apontou que programas já existentes podem ser fortalecidos e aplicados nas escolas da região, independentemente do acordo. “Especificamente sobre a proposta do filtro de nanotecnologia, estamos articulando um projeto conjunto com os Ministérios da Educação, de Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia: o Kit Escolas Resilientes, que reúne cisterna, energia fotovoltaica e filtros”. 

A ideia, segundo Ana Luisa, é integrar o filtro de nanotecnologia aos kits já distribuídos pelo órgão, garantindo que as escolas recebam a estrutura. “É claro que não atinge toda a população, mas é um passo inicial importante, pois beneficia diretamente estudantes e comunidades escolares”, concluiu. 

Carta-Proposta 

Durante o seminário, atingidos e atingidas do Alto e do Médio Rio Doce apresentaram propostas construídas ao longo dos últimos meses. Moradia digna, acesso à água limpa e produção de alimentos saudáveis no campo e na cidade estão entre as propostas prioritárias. Entre os projetos defendidos estão: 

  • Implantação de filtros de nanotecnologia para garantir água potável; 
  • Produção agroecológica com cisternas, irrigação e energia solar, em assentamentos coletivos e propriedades sem contaminação; 
  • Experiências de aquaponia (integração de criação de peixes e cultivo de hortaliças); 
  • Formação técnica para jovens agricultores; 
  • Redução de tarifas de energia, com alternativas como placas solares em residências e projetos inspirados no “Veredas Sol e Lares”. 

Na área da educação, a proposta “Ciranda na Escola” pretende unir hortas e jardins comunitários à formação ambiental, irradiando consciência para toda a cidade. Também foram apresentadas iniciativas culturais, como o cinema itinerante. As mulheres foram apontadas como protagonistas da transformação, com ações de geração de renda, produção e formação de arpilleras (técnica têxtil) e defesa de políticas afirmativas que priorizem seu acesso a recursos e titularidade fundiária. 

No campo da saúde, os atingidos propuseram a expansão do projeto de Vigilantes Populares da Saúde, desenvolvido com a Fiocruz, além de capacitação em práticas integrativas e complementares. Houve ainda demandas de articulação com políticas públicas já existentes, como o Luz para Todos, a Internet nas Escolas, a regularização fundiária e o acesso a habitações para famílias em áreas contaminadas ou de risco geológico.  

Outro ponto foi a reivindicação de maior apoio às comunidades tradicionais, especialmente quilombolas:  no Médio Rio Doce, são 35 agrupamentos de povos e comunidades tradicionais mapeados pela Aedas até o momento. Por fim, reivindicaram a criação de projetos de comunicação popular para informar, formar e fortalecer a organização social do povo atingido.

Confira mais fotos do Seminário

Texto: Thiago Matos e Glenda Uchôa – Equipe de Comunicação do Programa Médio Rio Doce da Aedas 
Imagens: Camila Quintana – Equipe de Comunicação do Programa Médio Rio Doce da Aedas