Pescadores e pescadoras atingidos se reúnem com o Governo Federal para tratar de PTR Pesca, participação e novas agendas
No contexto da Bacia do Rio Doce, quase dez anos após o rompimento de Fundão, falar de pesca é abordar uma série de questões
Em uma rodada de conversa específica com a categoria de pescadores e pescadoras do Leste de Minas, na última terça-feira, 25 de março, o Governo Federal, representado pelos ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ouviu de grupos organizados as principais dúvidas e limitações percebidas pela categoria em relação ao novo acordo.

O espaço foi mais uma das reuniões realizadas durante a caravana interministerial, que percorreu a Bacia do Rio Doce e o Litoral Norte do Espírito Santo. No dia anterior, em assembleia realizada em Aimorés, os representantes da categoria entregaram aos representantes do Governo Federal uma carta com demandas comunitárias de pescadoras e pescadores do Médio Rio Doce, elaborada pelas Comissões Locais Territoriais com apoio da Aedas.
No contexto da Bacia do Rio Doce, quase dez anos após o rompimento de Fundão, falar de pesca é abordar uma série de questões. É falar sobre a contaminação da água, os riscos à saúde, a necessidade de investimentos e de reparação para famílias atingidas — muitas vezes invisibilizadas no processo de reparação pelo desastre-crime que alterou profundamente seus modos de vida.
“Precisamos de um canal de comunicação mais facilitado com o Ministério. Tem um rapaz que nos ajudou muito nesse processo do RPG, porque, com ele, consegui acertar mais de umas vinte carteiras. Mas o que sabemos é que são três pessoas nesse trabalho para atender o país todo. Queria ver também sobre a lista de pescadores. Como podemos acessar para saber quem tem direito e quem não tem sobre o PTR. Estamos esperando há quase 10 anos”, defende Joaquim, membro da Associação de Pescadores de Conselheiro Pena (ASPEC).
O RGP é o Registro de Atividade Pesqueira, instrumento exigido para que os pescadores e pescadoras acessem o Programa de Transferência de Renda (PTR), na modalidade Pesca, previsto no novo acordo. No entanto, a categoria relata dificuldade de acesso, atualização e manutenção do registro.
“A gente paga INSS da carteira de pesca porque somos profissionais, isso não é porque queremos, é porque é a profissão. Perdi a minha carteira por conta do rompimento, depois de quase vinte anos eu perdi minha carteira, porque fiquei impossibilitado de pescar e não quiseram renovar minha carteira. Tem muitos pescadores deixando de receber por causa da carteira de pesca, eu fui prejudicado, nunca recebi nada”, reforça Francisco Ribeiro, morador da Vila Crenaque, distrito de Resplendor.

As falas de Joaquim, Francisco e de outros pescadores e pescadoras evidenciam não apenas a urgência do reconhecimento da categoria nos processos reparatórios, mas também os efeitos persistentes da degradação ambiental sobre a pesca. Desde o rompimento da barragem, o desequilíbrio no ecossistema do Rio Doce atingiu duramente as espécies nativas e seus habitats, comprometendo a subsistência de centenas de famílias. Foi neste cenário que o Instituto Estadual de Florestas (IEF) publicou, ainda em 2017, a Portaria nº 40, que proibiu a pesca de espécies nativas e restringiu o uso de itens de pesca, permitindo apenas aqueles considerados seletivos, como linha e anzol ou tarrafa, e vetando o uso de redes de emalhe.
Segunda Natalia Ribeiro, representante do MPA, a lista com os pescadores e pescadoras com Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) ativo já está com a Casa Civil, que não compartilha amplamente o conteúdo por ter dados sensíveis. E sobre o contato mais direto das pessoas atingidas com o ministério, ela responde: “o ministério sofreu com todas essas mudanças de governo, está sendo reestruturado nestes dois anos e, recentemente, foi realizada contratação de funcionários para zerar essa questão da lista da RGP, tem muitos pescadores esperando, tem muita gente trabalhando para regularizar tudo. Vamos trazer o ministério para o território para regularizar essa situação para vocês”, reforça.
Neste cenário, com a assinatura do novo acordo de reparação, os investimentos voltados à recomposição dos estoques pesqueiros e à retomada e diversificação da pesca na região são aguardados. O acordo também prevê a revisão das regras atualmente em vigor, o que pode representar um novo horizonte para a atividade pesqueira no Rio Doce — desde que construído com participação efetiva das comunidades atingidas.
Thiago Alves, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), reforça essa necessidade de participação efetiva. “As comunidades, as associações, devem ter o direito de propor ações. Ouvimos várias propostas para a pesca artesanal em Brasília, boas propostas do Governo, mas a população precisa participar deste momento. Precisamos de reunião, antes da data do dia 23 de abril, com o Ministério da Pesca novamente nos territórios, para que os diferentes grupos possam ser parte”, destaca. No final deste mês de abril, o Ministério de Pesca e Aquicultura apresentará as propostas iniciais para os projetos referentes ao PROPESCA.
Direitos reivindicados
Os pescadoras e pescadores representados pelas Comissões de Atingidos e Atingidas dos territórios 03, região do Vale do Aço, 06, Conselheiro Pena, 07, Resplendor e Itueta, e 08, Aimorés, entregaram, durante Caravana Interministerial, uma carta com objetivo de expressar a necessidade de justiça e reparação pelos danos causados pelo rompimento de Fundão. Entre os pontos cobrados estão:
- Garantias de direitos as outras categorias de pescadores e pescadoras e a cadeia; produtiva da pesca, bem como seus filhos e filhas, que ficarão de fora de boa parte das medidas de reparação previstas no novo acordo, como os informais, amadores, de subsistência e os que ficaram impossibilitados de exercer a atividade após o rompimento;
- Fortalecimento da participação nas decisões sobre o processo de reparação;
- Participação na estruturação do PROPESCA e do ordenamento pesqueiro previstos no acordo de repactuação;
- Que sejam criados canais de comunicação diretos entre as pescadoras e pescadores e as autoridades competentes;
- Informações detalhadas sobre como será realizada a retomada das atividades pesqueiras, incluindo o tempo estimado para essa retomada, as condições exigidas para que as atividades sejam retomadas de forma segura e sustentável, e as providências a serem tomadas para garantir a regularização da pesca nas áreas atingidas;
- Criação de programas de incentivo à diversificação da produção pesqueira, a partir do diálogo com a população atingida e necessidades específicas locais;
- Estruturação de cursos técnicos e profissionalizantes voltados para a pesca e atividades relacionadas à cadeia produtiva;
- Medidas para garantir acesso facilitado ao crédito e financiamento;
- Fortalecimento das colônias de pesca e associações de pescadores;
- Criação de espaços de comercialização direta para pescadores e pescadoras,
- Monitoramento permanente e transparência sobre os danos do rompimento à fauna aquática, recursos pesqueiros e aos ecossistemas;
Propesca
O objetivo do PROPESCA é promover a reestruturação das cadeias produtivas da pesca e aquicultura; assegurar a preservação dos recursos naturais; e melhorar a qualidade de vida das comunidades pesqueiras. O Propesca pode ser um marco para a reestruturação e o fortalecimento da pesca, trazendo investimentos essenciais para a recuperação dos estoques pesqueiros, a melhoria das condições de trabalho e a sustentabilidade da atividade. No entanto, para que esses recursos gerem impactos reais, é fundamental que pescadores e pescadoras participem ativamente da formulação e implementação dos projetos. O alinhamento das ações com o conhecimento e as necessidades de quem vive da pesca não apenas fortalece a efetividade das políticas, mas também assegura que os investimentos atendam de forma justa e duradoura às comunidades pesqueiras, garantindo seu protagonismo e a continuidade da atividade.
O PROPESCA será dividido por eixos de atuação:
Comunicação;
Suporte técnico;
Fiscalização;
Infraestrutura;
Monitoramento, ordenamento e zoneamento pesqueiro;
Pesquisa, assistência técnica, qualificação e extensão pesqueira;
Estímulo à diversificação econômica, respeitando especificidades locais;
Medidas de amparo aos pescadores artesanais na retomada sustentável da pesca.
A governança do Propesca:
Será compartilhada entre a União, o Estado de Minas Gerais e o Estado do Espírito Santo, com coordenação geral da União.
A gestão dos recursos será feita de forma autônoma por cada ente federativo, buscando coesão entre as políticas públicas. A Fundação Renova e as empresas responsáveis pelo rompimento da barragem não terão qualquer obrigação adicional quanto à execução ou financiamento de novas ações do PROPESCA.
Valores
Cerca de R$2,4 bilhões serão destinados a ações desenvolvidas pelo poder público no âmbito do Propesca, para suscitar a reestruturação das cadeias produtivas da pesca e da aquicultura, o desenvolvimento sustentável do setor e a preservação dos recursos naturais e da qualidade de vida.
Durante a Caravana Interministerial, o governo apresentou as propostas de elaboração e/ou atualização do ordenamento pesqueiro, na forma da Lei n. 11.959, de 29 de junho de 2009; O desenvolvimento de ações de reparação, retomada, fortalecimento e diversificação das atividades aquícolas e pesqueiras, contemplando toda a cadeia produtiva; e a recomposição da biota, dos recursos e dos estoques pesqueiros do ecossistema como um todo na Bacia Hidrográfica do rio Doce, em sua foz e região costeira e marinha.
Do total de R$2,4 bilhões:
R$1,5 bilhão será depositado em um fundo perpétuo, denominado Fundo de Reestruturação da Aquicultura e Pesca (FRAP), sob responsabilidade da União;
R$489 milhões serão depositados em conta vinculada ao estado de Minas Gerais;
R$450 milhões serão depositados em conta vinculada ao estado do Espírito Santo, para formação do Fundo de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura (ES-FunPesca).
Texto: Glenda Uchôa – equipe de comunicação do Programa Médio Rio Doce com informações da equipe de Tacila Ale Economia, Trabalho e Renda (ETR)