A contaminação de pessoas, qualidade da água, dos lençóis freáticos e nascentes não foram analisados nos relatórios, somente a contaminação de alimentos e pescados 

Estudo realizado pela empresa Aecom do Brasil, nomeada como perita oficial no eixo judicial que monitora os sedimentos nos leitos dos rios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão (Eixo 6), confirmou a insegurança de pescados e produtos agropecuários que utilizam a água dos rios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão (rio Doce, Carmo e Gualaxo do Norte) em suas produções. 

Rio Doce. Foto: Cleiton Santos

As equipes do Programa Médio Rio Doce, da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), estão se debruçando sobre os relatórios e seguirão fazendo o trabalho técnico necessário para garantir a participação informada das pessoas atingidas. Estão envolvidas neste trabalho: as equipes de Mobilização (MOB); Área Temática de Saúde e Serviços Socioassistencial (SAU); Socioambiental (SAM) e Diretrizes da Reparação Integral (DRI). 

Os documentos divulgados pela Aecom do Brasil, em novembro de 2023, apresentam um diagnóstico da área onde houve coleta de produtos para o estudo (Relatório nº58) e os resultados da análise realizada nos produtos agropecuários (Relatório nº59). Os resultados sobre os pescados foram divulgados em um documento anterior (Relatório nº36), em 2022. 

Segundo os relatórios, a coleta de amostragens dos produtos agropecuários aconteceu em 24 municípios atingidos. Nove municípios assessorados pela Aedas participaram da pesquisa, são eles: Aimorés, Belo Oriente, Bugre, Conselheiro Pena, Ipaba, Itueta, Naque, Periquito e Resplendor. Já o relatório dos pescados coletou amostras em três porções distintas da Bacia do Rio Doce e sua área de influência com relação ao rompimento da barragem de Fundão. 
 
Confira as principais dúvidas em relação aos estudos, e acesse os relatórios completos logo abaixo: 

1. O que são e sobre o que se trata os documentos divulgados pela Aecom?  

São dois relatórios que apresentam os resultados de estudos, onde foi avaliada a segurança dos pescados e produtos agropecuários que utilizam a água dos rios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão (rio Doce, Carmo e Gualaxo do Norte) em sua produção. O Relatório 58 faz um diagnóstico da área onde houve coleta de produtos para o estudo e o Relatório 59 traz os resultados da análise realizada nos produtos agropecuários. Os resultados sobre os pescados foram divulgados em um documento anterior (Relatório nº36), divulgado em 2022, pela AECOM, que é a perita oficial no eixo judicial que monitora os sedimentos nos leitos dos rios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão (Eixo 6). 

2. Como e onde o estudo foi realizado? 

A equipe de perícia aplicou questionários, realizou coletas e investigou um total de 59 substâncias químicas que possuem relação com os rejeitos da barragem de Fundão. O estudo cobriu os 42 municípios atingidos pelo rompimento da barragem, aplicou questionários em todos eles, mas realizou coletas de amostragens de forma diferente nesses locais. Em relação aos produtos agropecuários, as coletas de amostragens foram realizadas em apenas 24 municípios. Dos territórios que a Aedas acompanha, 9 fazem parte deste grupo onde houve coleta de amostragens: Aimorés, Belo Oriente, Bugre, Conselheiro Pena, Ipaba, Itueta, Naque, Periquito e Resplendor. Foram 46 tipos de produtos agropecuários coletados de forma variada, entre frutas, legumes, verduras, raízes e tubérculos, grãos, leite, mel, ovos, carnes e vísceras. Em relação aos pescados, as coletas foram realizadas nas regiões dulcícolas (águas doces), estuarinas (ambiente onde a água doce se mistura com a salgada) e marinha (águas salgadas).   

3. Quais as principais conclusões dos relatórios?  

Os resultados dos relatórios apontam que existe um quadro de insegurança alimentar e sanitária em relação a alguns dos alimentos investigados. Em alguns dos alimentos agropecuários foram identificados níveis de 15 substâncias químicas que representam preocupação à saúde, exceto no mel e verduras. É válido ressaltar que, as verduras consideradas na pesquisa foram alface, almeirão, couve e mostarda. Sobre demais verduras não podemos fazer afirmações, pois não foram analisadas. As frutas, as raízes e tubérculos, os grãos, o leite e as carnes foram os grupos de alimentos que mais apresentaram preocupação à saúde. No caso dos pescados, foram 4 substâncias encontradas. Os resultados variam de acordo com a faixa etária, o sexo e o consumo médio da população. Os grupos mais expostos aos efeitos químicos são os mais jovens, principalmente as crianças, devido seu peso corpóreo.

4. Isso significa que as pessoas estão contaminadas? 

Não exatamente. Os relatórios são bem diretos quanto a isso. Um estudo sobre segurança dos alimentos é diferente de um estudo de saúde humana. Ele não avalia o nível de intoxicação das pessoas ou os danos à saúde gerados por uma intoxicação.  O que ele consegue dizer é se há alguma preocupação em saúde relacionada à ingestão de determinados alimentos por determinadas pessoas. No relatório, os resultados são apresentados para cada grupo de alimentos (frutas, legumes, verduras, pescado, etc.) considerando algumas variáveis, como a faixa etária, o sexo e se a pessoa é um alto, médio ou baixo consumidor daquele alimento. Por exemplo, o pescado da região estuarina, relacionado às águas doce e salgada, apresentou preocupação em saúde apenas para altos consumidores, entre 1 a 6 anos, de ambos os sexos, e entre 7 a 17 anos do sexo masculino. Os resultados do pescado da região marinha já são diferentes. Então, assim, os dados divulgados são muito complexos e precisam ser interpretados com cuidado, por isso a recomendação é que órgãos competentes em vigilância sanitária se responsabilizem por monitorar esses alimentos e comunicar os seus riscos à população.

5. E o que torna um alimento inseguro?  

Os alimentos se tornam inseguros quando apresentam valores de segurança acima do permitido pelos órgãos reguladores e por isso precisam ser monitorados para que medidas de controle de risco, proteção e promoção da saúde sejam realizados. 

6. Os resultados indicam algum nexo de causalidade com o rompimento da barragem de Fundão? 

Sim. A equipe de perícia chegou à conclusão de que existe nexo de causalidade com o rompimento, ou seja, quando há ligação de um determinado ato com o dano enfrentado pelas vítimas. Isso foi feito comparando os resultados sobre a concentração das substâncias químicas nos territórios atingidos com os resultados de amostras coletadas em regiões que não foram atingidas pelo rompimento.  

7. Os relatórios falam sobre a contaminação de lençóis freáticos, águas de poço e nascentes?  

Não, os relatórios não falam da contaminação das águas, sejam elas dos lençóis freáticos, águas de poço ou nascentes. Os relatórios falam exclusivamente sobre a insegurança em relação a determinados produtos agropecuários e pescados. 

8. Quais são as recomendações dos relatórios acerca desses resultados?  

Os relatórios recomendam que programas de vigilância sejam realizados para monitorar as substâncias que apresentaram preocupação à saúde e que estudos confiáveis de avaliação toxicológica à saúde humana sejam realizados com a população. Também indicam que os resultados sejam divulgados de forma ampla pelos órgãos públicos para esclarecer à população suas consequências.  

9. O que pode ser feito pelas pessoas a partir das informações divulgadas? 

As pessoas podem compartilhar as informações corretas com vizinhos e amigos; fortalecer a organização comunitária local para cobrar a realização de gerenciamento e monitoramento de risco pelos órgãos públicos; exigir algum posicionamento e ações da Fundação Renova acerca dos resultados, bem como exigir transparência dos estudos que a Fundação realiza e os programas que ela executa, por exemplo, o Programa 14, de Apoio à Avaliação de saúde física e mental da população, onde são realizados os estudos de monitoramento à saúde humana e suporte às Secretarias Municipais de Saúde. Também é recomendado o acompanhamento do Comitê Interfederativo (CIF), que tem a função de orientar e validar as ações e programas da Fundação Renova diante da reparação dos territórios atingidos; e ainda a participação em suas Câmaras Técnicas, que são órgãos de consulta à população associados ao CIF, onde se realizam discussões temáticas. Pelo menos 03 Câmaras Técnicas envolvem a temática de segurança alimentar: Câmara Técnica (CT) de Saúde, CT de Segurança Hídrica e Qualidade da Água e CT de Gestão de Rejeitos e Segurança Ambiental. Além disso, é preciso pressionar as instituições de justiça para que os estudos de saúde sejam realizados nos territórios atingidos pelo rompimento, cobrando também que os Planos de Ação em Saúde, produzidos no âmbito do CIF, sejam efetivados. 

10. Preciso parar de consumir os alimentos citados nos estudos? 

Os relatórios têm caráter informativo e explicativo para embasar a análise do juiz quanto a segurança alimentar e sanitária na bacia do Rio Doce. Ou seja, os relatórios não trazem nenhuma orientação nesse sentido. A recomendação dos estudos é que se evite tirar conclusões sobre a intoxicação humana a partir de seus resultados, pois os laudos não foram produzidos e analisados com esse objetivo. É necessária uma decisão judicial ou manifestação e pronunciamento de autoridade de vigilância sanitária, como a Anvisa, para que se possa afirmar restrições no consumo de alimentos. A perícia sobre alimentos ainda será complementada com perícias sobre água e saúde humana. É importante que se oportunize o acesso a informações sobre esses estudos com linguagem acessível e que exista acompanhamento popular nas etapas periciais. A população deve saber e entender como é feito o monitoramento de risco, e é direito das pessoas atingidas ter respostas acerca da confiabilidade dos estudos realizados.

11. Quais os próximos passos da Aedas, enquanto assessoria técnica independente, diante dessas informações?  

A Aedas está realizando uma série de estudos internos, a fim de avaliar os resultados dos relatórios. A partir disso, irá dialogar sobre esse tema dentro dos seus espaços participativos, de acordo com a demanda dos atingidos, em diálogo com as lideranças e Comissões de Atingidos e Atingidas e Grupos de Atingidos e Atingidas ( GAAs ). A assessoria também está elaborando materiais didáticos comunicativos para facilitar o acesso à informação. 

Texto: Equipe de Diretrizes da Reparação Integral (DRI) e Equipe de Áreas Temática (Saúde e Serviços Socioassistenciais e Socioambiental) com edição da Equipe de Comunicação da Aedas Médio Rio Doce