Durante aplicação de registro familiar, pessoas atingidas têm relatado às equipes da assessoria independente alterações em seus modos de vida e alimentação após o rompimento da barragem da Samarco
O RF é utilizado para identificar os danos persistentes enfrentados pelas pessoas atingidas – Foto: Thaís Martins

Em municípios do Leste de Minas e no Vale do Aço, a constatação de cenários de pobreza e vulnerabilidade das populações que vivem em municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, de responsabilidade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton; tem vindo à tona através do trabalho da Assessoria Técnica Independente, que iniciou a aplicação do Registro Familiar (RF). O instrumento é utilizado para identificar os danos persistentes enfrentados pelas pessoas atingidas ao longo da Bacia do Rio Doce.

Na primeira etapa, mais de 3100 pessoas de 15 municípios colaboraram com o questionário aplicado por técnicos da Aedas, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social, em 1048 núcleos familiares.

O período de quase oito anos após um dos maiores desastre-crime ambientais do país demonstra que a lama tóxica causada pelo rompimento gerou uma série de danos complexos que atingem as famílias e comunidades de diversas formas. Os danos provocados pelo rompimento foram agravados e milhares de pessoas não foram reparadas até hoje.

Eliana Gomes, da Ilha do Rio Doce, município de Caratinga, afirma que o pós-rompimento impôs uma rotina de dificuldades em questões primordiais como a água. “São quase oito anos do nosso grito de socorro, são quase oito anos sem água. Há pessoas que precisam de cinco galões para a família, mas não é todo dia que se tem dinheiro pra comprar. Com a morte do rio não tem mais peixe e as profissões foram embora”, destaca acrescentando que enchentes também se tornaram persistentes na comunidade e impactam, com recorrência, a vida das pessoas pelo contato com rejeitos ainda acumulados nas águas do Rio Doce.

São casos como os vividos por Eliana, de forma individual e coletiva, que são apontados durante a aplicação do Registro Familiar. O instrumento é utilizado instrumento é utilizado para caracterizar a situação das pessoas, através de perguntas sobre como era a vida antes e depois do rompimento da barragem.

Os danos provocados pelo rompimento foram agravados nos municípios – Foto: Cleiton Santos

O trabalho é realizado pelas equipes técnicas da Aedas em campo, que foi escolhida como Assessoria Técnica Independente dos municípios de Belo Oriente, Naque, Ipaba, Ipatinga, Periquito, Bugre, Iapu, Santana do Paraíso, Fernandes Tourinho, Sobrália e Caratinga, na Vale do Aço. Além de Conselheiro Pena, Resplendor, Itueta e Aimorés, no Leste de Minas. Esse é um direito conquistado recentemente pelas pessoas atingidas após sete anos de espera.

Perda de renda em comunidade

No Leste de Minas, o caso da comunidade tradicional Vila Crenaque, localizada no município de Resplendor, também expõe as dificuldades de renda intensificadas com o rompimento. As famílias moradoras da Vila Crenaque sustentavam-se por meio da pesca e da agricultura familiar, mas com o desastre-crime essas atividades tornaram-se inviáveis devido à contaminação de rejeitos do solo e do rio. Na região, muitas famílias perderam sua principal fonte de subsistência e, até hoje, lutam para se reerguer economicamente.

Julio Carneiro, membro da Comissão de Atingidos da Comunidade Ribeirinha de Vila Crenaque, define com tristeza a realidade das cerca de 50 famílias estabelecidas no local. “A comunidade continua triste, uns tiveram auxílio, mas a maioria não. A gente sempre dependeu do rio e o rompimento desestruturou nossa vida. Antigamente, a gente vivia do peixe, hoje, não tem essa possibilidade de estar pescando para dar o melhor pra família da gente. É difícil”, explica.

Julio Carneiro, da Comissão de Atingidos da Comunidade Ribeirinha de Vila Crenaque – Foto: Thaís Martins

Pesquisas realizadas por experts do Ministério Público Federal, como é o caso da Fundação Getúlio Vargas (FGV), atestam o cenário. Em documento de avaliação dos impactos e valoração dos danos socioeconômicos causados para as comunidades atingidas pelo rompimento, divulgado em outubro de 2021, a FGV afirma que o rompimento não alterou só a qualidade da água, mas também o modo de vida da população.

“Aliado à perda de alimentos antes disponíveis para consumo ou das possibilidades de produção, as narrativas e danos demonstram aumento do custo de vida com a compra de alimentos para as pessoas atingidas. […] o aumento de gastos para a aquisição de alimentos também se estende para a população em geral do território, pois a aquisição de produtos alimentares em outras regiões por parte dos comerciantes tem um custo maior de comercialização”, pontua o documento.

Élida Cândido, da equipe de Saúde e Serviços socioassistenciais da Aedas, reforça a importância desse levantamento que acontece nos municípios. “O Registro Familiar utiliza como referência o Direito Humano à Alimentação Adequada, reconhecido pelas normas internacionais como indispensável para a sobrevivência humana. De acordo com a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (2013), a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é estabelecida como a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente à alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e respeitando as questões étnicas, religiosas, culturais e a diversidade dos grupos e indivíduos nos seus diferentes territórios”, finaliza.

Texto: Glenda Uchôa – equipe de Comunicação/Aedas Médio Rio Doce