PCTs atingidos por grandes empreendimentos: a situação de comunidades quilombolas em Brumadinho
Sapé, Marinhos, Rodrigues e Ribeirão têm modo de vida tradicional ameaçado por grandes empresas que atravessam suas comunidades

Comunidade quilombola de Marinhos, em Brumadinho | Foto: Felipe Cunha/Aedas
No Brasil, diversos povos e comunidades tradicionais buscam preservar, em seus territórios, seus modos de vida, suas tradições e transmitir para os jovens e crianças o que aprenderam com seus ancestrais. Em muitas dessas comunidades, os moradores enfrentam dificuldades em manter seus modos de vida por conta de empresas que, muitas vezes, chegam nos seus territórios sem a sua autorização e constroem empreendimentos e ações que afetam diretamente as suas vidas.
Diversas dessas empresas apenas ignoram o direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define que os Povos e Comunidades Tradicionais (PCT) devem ser consultados sobre qualquer ação realizada por empresa, Estado ou grupos externos que possam impactar as suas comunidades.
Os PCT são grupos atingidos por essas empresas, pois são historicamente vulneráveis e impactados de formas diferentes a de outros grupos da sociedade. Esse tipo de ação dos grandes empreendimentos nos territórios dos PCT é caracterizado por muitos como racismo ambiental, pois justamente prejudica com maior força essas populações. Ou seja, enquanto as populações vulneráveis sofrem com rejeitos por rompimentos de barragem e enchentes pela poluição de rios, por exemplo, as grandes empresas seguem com altos lucros as custas dessas populações.
As comunidades quilombolas de Sapé, Marinhos, Rodrigues e Ribeirão, localizadas no distrito de São José do Paraopeba, município de Brumadinho, também fazem parte das diversas comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em 25 de janeiro de 2019. Desde lá, assim como todos os outros atingidos por esse desastre, os moradores sofrem com esse rompimento que mudou completamente suas vidas e lutam por reparação.

Comunidade quilombola de Ribeirão, em Brumadinho | Foto: Felipe Cunha/Aedas
A atividade minerária em Brumadinho também atinge os quilombos a partir da passagem de trens na ferrovia, operada pela empresa MRS, que passa pelos arredores das suas comunidades carregando toneladas de minérios, causando problemas como o aumento da poeira nas casas e na comunidade como um todo e a poluição sonora ao longo das 24 horas do dia.
Desde 2019, as comunidades realizam reuniões, participam de estudos, entrevistas, entre outros com a consultoria Ecology, responsável por fazer um estudo específico dos danos sofridos pelos quatro quilombos, causados do rompimento da barragem. O processo ainda está em andamento e um plano de reparação está sendo construído com medidas de compensação e reparação para os danos que foram coletados ao longo desses anos, como a alteração dos seus modos de vida, a interrupção das suas festividades, a poeira em suas casas, os problemas de saúde psicológicos, entre outros.
Além do desastre de 2019, as comunidades também são atingidas por empreendimentos e ações de outras empresas no seu território. Uma delas é Furnas, responsável pela transmissão de energia de alta tensão no país. A empresa possui linhas de transmissão que passam pelas comunidades quilombolas de Marinhos, Rodrigues e Sapé e afetam seus moradores há cerca de dez anos. Por conta disso, eles realizam reuniões com as empresas para que ela realize projetos de compensação que diminuam os impactos desse empreendimento na vida dos moradores. Esse processo não está finalizado e as comunidades lutam diariamente para que Furnas realize os acordos firmados com elas.


Festividades nas comunidades quilombolas Rodrigues, em 2022, e Sapé, em 2021 | Fotos: Felipe Cunha e Rurian Valentino
Outra atividade que também ocorre nas comunidades quilombolas é realizada pela empresa Transpetro, que possui três gasodutos para passagem de gases e petróleo, em Marinhos. Esses gasodutos estão na comunidade desde 1963, antes da certificação pela Fundação Cultural Palmares, da Convenção 169 da OIT e de diversas legislações que resguardam os PCT, que definem que essas empresas devem realizar uma compensação às comunidades pelos impactos que causam nos seus modos de vida.
Atualmente, os moradores de Marinhos possuem várias dúvidas sobre a segurança desses dutos, que estão localizados ao lado da escola da comunidade. Questões como ‘qual o risco de uma explosão?’ e se ‘há risco de vazamento e inalação do gás?’ são algumas das perguntas realizadas para a empresa. Assim como acontece com Furnas, a comunidade de Marinhos tem realizado reuniões com a empresa Transpetro sobre ações que podem ser realizadas na comunidade para compensar seus moradores por essa atividade.
Ao acompanhar essas comunidades, percebe-se que seus moradores ainda aguardam que tanto a Vale, MRS, Furnas, Transpetro e outras empresas que impactam seus territórios sejam responsabilizadas pelos impactos que causam em suas vidas diariamente e que os órgãos como Fundação Palmares, Incra, Defensoria Pública, entre outros, responsáveis por garantir os seus direitos, possam contribuir com sua luta para manter as suas tradições, seus modos de vida e promover cada vez mais melhorias para suas comunidades.
Texto: Élida de Oliveira – Equipe de Povos e Comunidades Tradicionais, da Aedas Paraopeba