Na última terça-feira (29), os Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), da região 2 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas) da Bacia do Paraopeba, se reuniram em uma Roda de Diálogo (RD) promovida pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), que presta Assessoria Técnica Independente (ATI) para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Espaços como esse são, sem dúvida, privilegiados, já que proporcionam trocas com povos e comunidades que resistiram e resistem para manter suas tradições, valorizando saberes, a natureza e todo o ciclo socioambiental. Na RD, foi ressaltada diversas vezes a conexão das pessoas, do rio e de todo o bioma no entorno.

A equipe da Aedas fez questão de salientar que só foi possível chegar a esse momento após um acúmulo de mais de três meses de trabalhos e diálogos, seguindo um Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-Fé. Foi justamente dentro desse contexto, que surgiu a demanda de que fosse realizada uma RD específica para esses povos e comunidades.

O objetivo das RDs é validar a sistematização, feita pela Aedas, que organiza as reflexões anteriormente apresentadas nos Grupos de Atingidas e Atingidos (GAAs), que tratam das medidas emergenciais para mitigação dos danos causados pelo rompimento, ou seja, medidas que visam a interrupção da geração de mais danos. Trata-se de um espaço para que as pessoas atingidas conheçam os argumentos apresentados nos outros GAAs e possam, a partir disso, apontar suas convergências e divergências sobre os temas. A síntese dessas discussões será levada para o Juiz.

Beatriz Borges, mobilizadora da Aedas, destacou que a Roda foi dividida em quatro momentos. “O primeiro de saudação e acolhimento foi realizado pelo Pai Eduardo, da nação Jeje, representante do Candomblé, com o Capitão Renato, do Reinado, e Mãe Ivonete, Zeladora da Umbanda”, relata.

Aprendizado valioso

No ciclo preparatório para a realização das RDs, a equipe da Aedas elabora um material em formato de cartilha, que apresenta os conteúdos que serão discutidos na Roda. A cartilha sobre os debates dos PCTRAMA está disponível no site da Associação. Clique e faça download do arquivo.

Validação de medidas

Os danos relatados pelos PCTRAMA foram sistematizados em subdivisões temáticas, que dialogam com as áreas temáticas da Aedas, como pode ser conferido no gráfico abaixo. Vale explicar que a sigla PCLE significa Patrimônio Cultural, Cultura, Lazer e Esporte.

Algumas medidas emergenciais apresentadas na Roda:

  • Em educação e serviços socioassistenciais, foram apontadas medidas de segurança pública e bem estar social em atenção aos PCTRAMA;
  • Em infraestrutura e patrimônio, foram cinco medidas comentadas e complementadas pelos atingidos e atingidas, dentre estruturas para abastecimento, fornecimento e análise da água e também de revitalização e construção de espaços para lazer e esporte;
  • Em patrimônio cultural, cultura, lazer e esporte foram seis medidas, como criadouro de peixes, recuperação da vegetação local, despoluição e revitalização do rio, doação de alimentos, espaço de uso coletivo com acesso a rio e matas e área de recuperação patrimonial;
  • Em saúde foram 2 medidas: fortalecimento do SUS e pesquisa diagnóstica sobre adoecimento e suas causas;
  • Sobre a questão socioambiental foram quatro medidas, dentre despoluição e análises gerais das condições do meio ambiente com garantia dos órgãos públicos.

Todas as áreas temáticas receberam comentários, complementos e elogios por parte das pessoas atingidas. A mobilizadora Beatriz ressaltou que a maioria dessas medidas foram recolhidas no GAA específico dos PCTRAMA e que ainda assim podem surgir novas questões, para as quais a Aedas está aberta.

União dos povos e comunidades

O motivo de todas essas reuniões foi relembrado e citado enquanto “crime”, com destaque para o descaso que as pessoas atingidas, não apenas os PCTRAMA, estão sofrendo. “Todos devemos estar unidos para isso, para que a Vale forneça ajuda emergencial, que não é pra amanhã, é pra ontem. Precisamos unir forças, olha bem como o Kandomblé está parado por conta da pandemia, mas continua fazendo suas oferendas e pra isso precisa do altar, do rio e das folhas. É necessário união”, ressaltou um atingido.

“É um trabalho muito bonito, se reuniu no papel tudo que vinha afligindo a todos e a gente não tinha ideia de como mensurar. Fizemos isso maravilhosamente bem, reunindo pontos principais e agora é esperar e ver o que a justiça decide e providencia”, destacou outro participante.

“A revitalização do rio é a continuidade do objetivo espiritual junto ao rio, o reparo na área da saúde ambiental e socioeconômica…são muitas perdas fragmentadas, não só a barragem rompeu e levou vidas, com o rompimento deixou muitos fragmentos na saúde e no bem estar, nos direitos religiosos, no lazer, no trabalho, na pesca… Por isso é importante estar em consonância com os outros grupos”, completou ele.

Beatriz ressaltou que a Assessoria Técnica Independente é um direito de todas as pessoas atingidas e que Aedas trabalha para escutá-las ativamente.