Negras e negros foram os mais afetados com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho impactou, e muito, a vida das pessoas atingidas. Tudo mudou após 25 janeiro de 2019, especialmente para negros e negras, de baixa renda, que são maioria no território.

Isso é o que evidencia um estudo amostral realizado pelo Grupo de Pesquisas em Política Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas), após o desastre-crime em Brumadinho.

O Poemas, realizado em 2019, levantou as características das populações atingidas nas áreas que sofrem os impactos do rejeito da barragem, englobando, inicialmente, as comunidades ao longo do córrego do Feijão até o bairro rural de Pires.

Os dados revelam que mais de 60% da população afetada é não branca (negros ou originários-indígenas). Esse percentual é maior do que o número de pessoas não-brancas no município de Brumadinho e no estado de Minas Gerais.

Nas áreas de Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, os percentuais de não brancos, no período do estudo, era de 70,5% e 58,8% respectivamente.


Dados extraídos dos Registros Familiares/Aedas (RFs) das regiões 1 e 2 do Paraopeba aproximam-se da realidade encontrada pelo levantamento do Poemas. Das 23.634 pessoas cadastradas, cerca de 69% se declaram não brancas (sendo 41% pardas, 18% pretas e 8% responderam “outros”). Também, 41% classificou como “muito alta” a diminuição da renda familiar enquanto um dano proveniente do rompimento.

Ainda em relação ao aspecto da renda, 48% das pessoas que, no ato do registro, informaram que algum membro de núcleo familiar procurava emprego nos últimos 6 meses, também eram pessoas auto-declaradas pardas e pretas.

Essa realidade não ocorre por acaso. De acordo com o Poemas, obras que tem alto grau de risco à vida e grande impacto, como é o caso da mineração, normalmente são pensadas e autorizadas em condições que atingem muito mais os que tem menos, os mais pobres, os que não tem poder político ou de decisão para impedir os abusos contra as pessoas, as comunidades e o meio ambiente.

Racismo ambiental

O conceito de racismo ambiental denuncia que a população não branca (pretos, pardos, originários, em sua maioria) é a parcela que mais sofre com os impactos negativos decorrentes do rompimento de barragens. Um exemplo disso, é o fato de que a alocação do “depósito temporário de rejeitos”, se dá próximo a diversas comunidades cuja maioria das pessoas que a compõem são negras.

Racismo religioso

Racismo religioso é um conjunto de práticas violentas que expressam a discriminação e o ódio pelas religiões de matriz africana e seus adeptos, assim como pelos territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras. No Brasil, as manifestações de violência contra grupos ou pessoas praticantes de religiões de matriz africana estão cada vez mais graves. A Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, instituiu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa com o objetivo de promover o respeito, o diálogo e pregar a liberdade religiosa e a paz. A Lei homenageia a Mãe Gilda de Ogum, do terreiro de candomblé Ilê Asé Abássa de Ogum, localizado em Itapuã (BA), falecida no dia 21 de janeiro de 2000, num contexto de intolerância religiosa.

Os principais alvos da intolerância são as religiosidades de matriz africana

No Brasil, os principais alvos da intolerância são as religiosidades de matriz africana: a Umbanda, o Candomblé, o Batuque, o Xangô, os Reinados entre outras que compartilhem uma origem negra/africana de acordo com dados da Ouvidoria de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2021, o número de denúncias sobre intolerância religiosa e racismo religioso, mais do que dobraram com relação à 2020, chegando à 571 casos. Dentre os estados da federação, Minas Gerais ocupa o terceiro lugar no “ranking” do racismo religioso.

O rompimento da barragem agrava as situações de racismo religioso, uma vez que, inviabilizou lugares antes utilizados pelos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) para realizar seus ritos. Eles foram obrigados a buscar outros locais, por vezes, desconhecidos e distante das suas Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs). É indispensável lembrar que a prática litúrgica é um dos pilares que os constituem como povos tradicionais.

 

 

As empresas mineradoras têm sido responsáveis por uma crescente quantidade de conflitos que impactam e inviabilizaram o modo de vida de diversas pessoas. No entanto, a luta das pessoas atingidas por barragens em todo país, tem se fortalecido, as pessoas têm criado uma maior percepção sobre os danos da mineração e tem cobrado outras formas de mover a economia que não coloque o lucro acima da vida nos seus territórios.

Nas regiões 1 e 2 do Paraopeba, vimos fortalecer a organização e o protagonismo dos Povos e Comunidades Tradicionais no combate ao Racismo Ambiental, seja por meio da resistência das suas práticas que preservam a natureza e o meio ambiente, seja na luta por reparação integral, justa, informada e livre de qualquer preconceito e violência.

CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

No começo, quando a gente chegou, de longe o pessoal já falava 'olha os macumbeiros'. Mas isso a gente já está meio que driblando. Temos que botar a bola pra frente e seguir o que é nosso… a intolerância religiosa nos prejudica muito.

Babá Rodrigo Cosme
da Casa de Umbanda Pai José
de Angola, Betim

PARTICIPAÇÃO DE NEGRAS E NEGROS

Tudo é mais difícil para uma pessoa negra. Você tem que provar cem vezes que é melhor devido ao racismo estrutural. Que toda pessoa preta tenha força e continue na luta pela reparação e por igualdade social

Ilza Márcia Ribeiro
Residencial Bela Vista, Brumadinho

RESISTÊNCIA DIANTE DA MINERAÇÃO

"É muito importante que os pretos em cidades de mineração sejam resistentes como são em todos os ramos da sociedade. Nesse caso, a resistência tem que ser um pouco maior. Por quê? O criminoso, o inimigo, é mais poderoso do que o comum que a gente costuma enfrentar."

Everton dos Santos
Quilombo Rodrigues, Brumadinho

CONSCIÊNCIA E UNIDADE NA LUTA

"O mês de novembro é muito importante porque ter consciência sobre a luta da população negra é o que a gente mais precisa. Estamos correndo atrás e trabalhando pelos nossos direitos. Mas nessa luta, uma andorinha só não faz verão. Precisamos da colaboração de todos, independente de cor, raça ou religião".

Zeni Alves Souto
Satélite I, Juatuba

Conheça algumas instituições que também combatem o racismo:

– Defensoria Pública de Minas Gerais – defensoria.mg.def.br

– Ministério Público – www.mpmg.mp.br

– Portal Geledés – geledes.org.br

– Alma Preta – almapreta.com

– Coalisão Negra Por Direitos – coalizaonegrapordireitos.org.br

– Movimento Negro Unificado – mnu.org.br

– Coordenadoria de Combate ao Racismo

– A Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (CCRAD) – (31) 3768-1515

– Disque Direitos Humanos – Disque 100

– Central de Atendimento à Mulher – Disque 180

Texto: Jaqueline dos Santos e Lucas Jerônimo
Edição: Elaine Bezerra