As pessoas atingidas, por meio de suas próprias fotografias, produziram filmes-memória e discutiram a importância da imagem e do som 

Pessoas atingidas da Região 2 assistem aos filmes sobre territórios e memória para, posteriormente, debatê-los | Foto: Júlia Rohden – Aedas

Nos dias 19 e 26 de outubro, a Aedas promoveu oficinas nas Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba com foco na comunicação popular. A oficina da Região 1, realizada em Brumadinho no dia 19, contou com a presença de pessoas atingidas de diversas comunidades, incluindo a Zona Quente, a Zona Rural e a Sede de Brumadinho. Já na oficina da Região 2, ocorrida no dia 26 em Juatuba, participaram atingidos de Betim, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Igarapé e Juatuba. 

As atividades fazem parte do ciclo de formação de Direitos Humanos da Aedas Paraopeba. O objetivo foi promover a participação informada e contribuir para um processo de comunicação popular que fortaleça a autonomia das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem B1 e pelo soterramento das barragens B-IV e B-IV A da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019, em Brumadinho, pertencente à mineradora Vale. 

Em cada oficina, foram formados três núcleos para debate, roteirização e edição dos filmes-memória, enquanto outro grupo cuidou da sonorização. As crianças também criaram seus próprios filmes-memória. 

Elaine Bezerra, coordenadora de comunicação da Aedas no Paraopeba | Foto: Júlia Rohden – Aedas

Elaine Bezerra, coordenadora de Comunicação da Aedas, avaliou as oficinas: “Foi um momento muito rico de debate e construção coletiva o que vivenciamos nas oficinas de comunicadores populares. As pessoas atingidas puderam experenciar a produção de narrativas em audiovisual a partir das memórias pessoais e coletivas. Como resultado, temos 7 filmes produzidos pelos adultos e 2 pelas crianças que participaram da ciranda. Está lindo de ver. Todo esse material será divulgado em nossas redes sociais”. 

A Comunicação como Direito Fundamental 

Na foto, o Núcleo de Criação Sonora da Região 2 | Foto: Felipe Cunha – Aedas

A realização dessas oficinas é parte do compromisso da Aedas em promover a comunicação como um direito humano fundamental, conforme destacado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O direito à liberdade de opinião e de expressão não se limita apenas à recepção de informações, mas também envolve a capacidade de produzir e disseminar conteúdo, especialmente em um contexto de vulnerabilidade como o enfrentado pelas comunidades atingidas. 

Portanto, a equipe de comunicação da Aedas construiu as oficinas visando: 

  • Promoção da Participação Informada: Mobilizar as pessoas e comunidades atingidas para que possam influenciar no processo de Reparação Integral, levando em consideração questões étnico-raciais, de gênero e socioeconômicas. 
  • Fortalecimento da Autonomia: Contribuir para processos de comunicação que permitam às comunidades utilizarem ferramentas de produção de conteúdo. 
  • Acesso à Linguagem Audiovisual: Garantir o direito de cada indivíduo de narrar sua própria história, a de seu território e a de seu coletivo por meio da imagem e do som. 

A Imagem como Ferramenta de Luta e Identidade 

Pessoas atingidas de Brumadinho, durante a manhã da oficina, debatem sobre imagens, direitos humanos e filmes-memória | Foto: Wagner Paulino – Aedas

Na parte da manhã, as pessoas atingidas analisaram e refletiram sobre a imagem e suas potencialidades, chegando em conclusões de que as imagens não apenas fortalecem a identidade das comunidades, mas também preservam a memória coletiva e são ferramentas essenciais para denunciar violações e promover os direitos humanos, funcionando como testemunhos visuais da realidade vivida e documentando a luta por reparação a partir de seus olhares e subjetividades. 

Durante essa parte da oficina, foram analisadas imagens dos territórios atingidos, incluindo uma com um caráter mais histórico do Brasil colonial. 

O Cinema como Ação Social 

Antes da exibição dos curta-metragens de Victor Vieira e Ana Galízia, ocorreu um debate sobre imagem, memória e direitos humanos | Foto em Brumadinho: Wagner Paulino – Aedas

Em seguida, foram exibidas duas produções audiovisuais. O primeiro, “Europa – Me Avise Quando Chegar”, de Victor Vieira, que apresenta o lugar onde ele vive, e que busca refletir sobre o corpo como território, tornando visível esse espaço de memória, disputa e construção de sentidos.  

O segundo curta, “Quem de Direito”, de Ana Galizia, explorou as relações afetivas das pessoas que lutam pelo direito à terra e moradia. Diante da relação simbólica entre as imagens e a pesquisa de arquivo, o trabalho da cineasta se insere em uma ação imbricada na luta social. O curta-metragem recupera material de arquivo desse território e o enquadra em uma micropolítica, atuando como signo de libertação e mapa de uma utopia que se recusa a morrer em face da expropriação capitalista. 

Núcleos de criação 

Na foto, um dos Núcles de Criação Audiovisual de Brumadinho | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Após o debate da manhã sobre fotografias e produção audiovisual, os atingidos e atingidas se dividiram em núcleos de criação para desenvolver seus filmes-memórias. 

Nos três núcleos que trabalharam com imagens, as pessoas atingidas observaram coletivamente as fotos que cada uma trouxe. Depois, conversaram a respeito, compartilhando memórias e vivências. A partir daí, os grupos organizaram roteiros, escrevendo em conjunto as falas para gravar a narração e selecionaram as imagens para cada cena. 

Já o núcleo de som compartilhou as vivências e memórias sonoras das pessoas atingidas. Elas experimentaram a gravação de diversos tipos sonoros, desde instrumentos musicais, até pássaros e sons de trem. As diferentes gravações foram compartilhadas com os núcleos que trabalharam com as imagens para compor suas trilhas sonoras.  

Ao final de cada formação, foram apresentados os filmes elaborados pelas pessoas atingidas. 

Expressões da Memória na Região 1  

Atingida traz fotos de momentos importantes e memoráveis de sua vida para compor seu filme-memória | Foto: Wagner Paulino – Aedas

Levi Duarte, do bairro Presidente, em Brumadinho, compartilhou suas experiências sobre a oficina: “Eu achei a oficina importante porque ela aborda comunicação e nos orienta a melhorar nossa habilidade de utilizar equipamentos que eu não saberia usar sozinho. Para mim, foi importante aprender mais sobre como focar na produção de vídeos, áudios e sons, permitindo que eu faça denúncias para alcançar as pessoas. No meu grupo, que trabalhava com sons, utilizamos diversos materiais, como o barulho de ventiladores, sons da natureza, pássaros lá fora, o trem e até mesmo torneiras pingando água, para criar diferentes sons e ritmos. Usamos objetos simples, como potes, pratinhos e copos com água, foi muito bom”.

Foto oficial com pessoas atingidas de Brumadinho e profissionais da Aedas durante a oficina no dia 19 de outubro | Foto: Felipe Cunha / Aedas

A atingida do Quilombo Sanhudo (Tejuco/Brumadinho), Mária de Fátima, conhecida como Zizinha, também esteve presente e relatou: “Gostei muito da oficina, especialmente no grupo em que participei. Discutimos projetos de comunicação, compartilhamos memórias e lembranças, além de falar sobre as dificuldades que estamos enfrentando e as que podemos ter no futuro. Assistimos a filmes e criamos narrativas baseadas nas nossas memórias. Trabalhamos com histórias e imagens, o que trouxe lembranças muito boas. Escolhi imagens da minha família e uma que representa o futuro do meio ambiente”.

O coordenador geral da equipe de mobilização da Região 1, Janderson Santos, falou sobre essa etapa do plano de trabalho da Aedas: “Acredito que essa foi uma das etapas que contribuiu para toda a população atingida que conseguiu participar do espaço. Tivemos uma percepção de que houve uma exploração da criatividade, com as pessoas se colocando ativamente nos espaços, fazendo boas análises e interpretações. Isso demonstra o engajamento nas atividades em grupo. Esperamos que essa oficina realmente ajude as pessoas a desenvolverem autonomia para produzir vídeos, tirar fotografias e dialogar tanto com a população atingida quanto com o país e o Estado de Minas Gerais. Minas é um estado fortemente impactado pela mineração e pelas barragens — algumas que se romperam e outras que apresentam instabilidade. Assim, essa oficina, em conjunto com a formação em direitos, oferece uma importante ferramenta de denúncia”. 

A Importância da Comunicação na Região 2 

Momento de gravação do roteiro para o filme-memória de um dos núcleos da Região 2 | Foto: Felipe Cunha – Aedas

A atingida Mellina Angel, da comunidade de Boa Esperança, em São Joaquim de Bicas, compartilhou sua opinião sobre a oficina na Região 2: “Hoje aprendemos diversas ferramentas de comunicação. Fizemos uma atividade em que trouxemos fotos que nos representassem em nossas comunidades e, a partir delas, criamos algo como um curta-metragem, expressando o sentimento e o significado dessas imagens para nós. Também aprendemos técnicas de gravação e edição, o que foi muito interessante. Sem comunicação, você não sai do lugar. É essencial ter uma comunicação que realmente expresse o que você quer transmitir”. 

Foto oficial com pessoas atingidas da Região 2 e profissionais da Aedas durante a oficina no dia 26 de outubro | Foto: Felipe Cunha / Aedas

Soraya Cristina, moradora atingida de Juatuba, da comunidade do Satélite, esteve presente na oficina realizada na Região e falou da importância da comunicação popular: “Se você não se comunica, nada se resolve. Quem vai resolver por você? Ninguém! A Vale se comunica do jeito dela, só nos conta o que acha que precisamos saber. Aqui, lutamos pela comunicação como um direito. Adorei as oficinas; foram ótimas! Acho que deveriam durar mais de um dia!”.

César Silva, coordenador geral da equipe de mobilização da Região 2, destacou a presença das mulheres atingidas e a avaliação positiva da formação: “As pessoas atingidas estiveram presentes, em sua maioria mulheres, e mulheres que são das comissões das comunidades, ou seja, elas são lideranças e referências em sua comunidade. Muitas vezes elas são tiradas da oportunidade de ter acesso a instrumentos de comunicação por causa da vida cotidiana. Por isso, é importante favorecer o acesso delas, o que favorece a sua luta diária, a sua luta na comunidade e qualifica o seu entendimento sobre a reparação. E elas trouxeram avaliações de que gostaram de mexer na ferramenta, que a experiência foi boa e tocaram na possibilidade delas continuarem a desenvolver não só na proposta de reparação, mas como um processo de conhecimento para a vida delas também”.

Adriana Cristina participa do Núcleo Sonora e explora criações sonoras para os filmes-memória. | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Adriana Cristina, da regional de Citrolandia, no bairro São Salvador em Betim, participou do Núcleo Sonoro e compartilhou suas impressões: “Nós testamos algumas coisas e percebemos que cada coisa que nós brincamos lá, mexemos, identificava um som diferenciado. Por exemplo, nós sacudia a marmita e identificou três tipos de barulhos diferentes. O barulho da água caindo também. O apito. O chocalho, o pandeiro. A gente foi identificando barulhos diferentes que identificava várias coisas. Foi muito interessante. Para mim, que sou deficiente visual, a questão do som é muito importante, pois é através dele que eu me direciono em boa parte das situações. Achei isso muito relevante, porque percebi que não posso me basear apenas no que escuto. Os sons têm diferenças sutis. Por exemplo, posso achar que estou ouvindo o barulho de um carro, mas, na verdade, pode ser o som de uma esteira de uma empresa fazendo barulho”.

Memórias em Movimento: Crianças Criam Filmes e Vozes pela Justiça 

Crianças atingidas da Região 2, durante a Ciranda, produzem desenhos relacionados ao rompimento da barragem para compor o filme-memória | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Durante as oficinas, a equipe de Pedagogia da Aedas trabalhou o conteúdo com as crianças atingidas das Regiões 1 e 2. Nesse espaço, as crianças também criaram seus filmes-memória e tiraram fotos umas das outras, documentando suas vivências. 

Thayla Tomé, de 9 anos, da comunidade Monte Calvário, em Betim, compartilhou um pouco sobre a experiência: “A gente está falando sobre o rompimento da barragem de Brumadinho. Fizemos um filme com nossas fotos para mostrar depois, lá na frente [durante a exibição]. Eu vou cantar uma música: ‘Não foi acidente. A Vale mata rio, mata peixe, mata gente’. Também vou fazer dois gritos. O primeiro é: ‘Fora Vale’. E o segundo: ‘A Ciranda é a energia do movimento’.” 

Crianças atingidas de Brumadinho que participaram da oficina no dia 19 de outubro | Foto: Janaina Rocha – Aedas

Luana Farias, gestora operacional e que coordena a Ciranda da Aedas, disse da importância da oficina para as crianças: “A oficina de comunicação é fundamental para dar continuidade ao trabalho pedagógico e metodológico de audiovisual e fotografia que já desenvolvemos na Ciranda. Essa atividade amplia o repertório das crianças e permite uma conexão mais próxima com os espaços dos adultos. Um momento significativo da oficina foi a culminância na apresentação dos grupos, onde crianças, adolescentes e adultos puderam compartilhar suas produções. Cada faixa etária, com metodologias específicas e adequadas, desenvolveu trabalhos que se conectam por meio dos filmes-memória de cada grupo. Esse processo constrói um percurso coletivo e intergeracional, uma verdadeira curadoria de filmes-memória dos territórios, integrando todas as gerações”.

Em breve, divulgaremos os filmes criados pelas pessoas atingidas!  

Viva a comunicação popular! 

Veja mais fotos da Região 1:

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Texto: Felipe Cunha e Júlia Rohden | Aedas
Fotos: Felipe Cunha, Júlia Rohden e Wagner Paulino | Aedas