O RECURSO É NOSSO: atingidos lançam Carta e exigem protagonismo nas decisões de gestão dos R$ 3 bi do Anexo 1.1
Atingidos de Brumadinho e de outros 25 municípios afetados pelo rompimento da barragem da Vale S.A lançaram uma carta aberta exigindo mais protagonismo nas decisões de gestão do Anexo 1.1. O anexo faz parte do acordo firmado em 2021 entre Vale, Governo de Minas e Instituições de Justiça, e prevê R$ 3 bilhões para projetos de demandas das comunidades.
O documento também aponta para a criação de um Sistema de Participação que fortaleça as decisões e a fiscalização da população atingida nas medidas de reparação. A carta foi lançada no dia 12 de junho, após Encontro de Atingidos e Atingidas da Bacia do Paraopeba e Lago de Três Marias, que reuniu mais de 150 atingidos de várias regiões e reforçou cobranças por participação no processo de reparação.
“Em síntese, essa carta é uma mensagem a toda a sociedade mineira e do Brasil e internacional, dos debates que vêm sendo construídos nos territórios, com mais de 2 mil pessoas debatendo os temas em torno do Anexo 1.1 e de um possível Sistema de Participação que garanta uma participação informada, efetiva e deliberativa de todas as pessoas atingidas no acordo judicial e na reparação integral”, explica Juliana Funari, da coordenação de Áreas Temáticas da Aedas.
A carta traz algumas pautas centrais, afirmando que o recurso é das pessoas atingidas. Nela, também é evidenciada a necessidade de apoio das Instituições de Justiça para que os direitos que estão no acordo sejam de fato efetivados.
Tatiana Rodrigues, de São Joaquim de Bicas, comentou sobre a importância de se respeitar a Carta Aberta enquanto uma voz coletiva dos atingidos da bacia.
“Eu espero que tenha pelo menos um mínimo de respeito. Que ela possa ser ouvida e direcionada a todos os atingidos, não só os que vieram aqui, todos precisam saber. Claramente não ficar só no papel. Ela tem que sair do papel e ser resistente para que a gente consiga os nossos direitos”, afirmou.
Planejar para participar

Para ajudar nesse processo de participação nos R$ 3 bilhões do Anexo 1.1, está sendo construído um Plano Participativo que vai apontar etapas de planejamento, entre os atingidos de Brumadinho e dos demais 25 municípios afetados pelo rompimento.
“A ideia do Plano (Participativo) é ser um guia. Ele vai conter temas, grandes temas, ligados aos danos que a população atingida sofreu e vamos usá-los para orientar o processo de desenvolvimento do que a gente chama de crédito e microcrédito, do que chamamos de gestão popular”, explica Ísis Táboas, coordenadora geral de projeto da Aedas em Brumadinho.
O Anexo 1.1 do acordo também é chamado de Projetos Demandas das Comunidades. Esse anexo tem sido considerado uma conquista da luta coletiva das pessoas atingidas, pois é a única parte do Acordo que prevê a participação das comunidades em todas as fases do processo.
O Plano Participativo ainda não foi fechado. Sua construção vai se dar ao longo da discussão que envolve o Anexo 1.1. Janderson Santos, coordenador na Aedas, falou sobre a relação entre o Plano Participativo e os projetos de demandas das comunidades.
“O Plano Participativo tem uma relação direta, tanto com os projetos das comunidades, como projetos que estão voltados para crédito e microcrédito. Então, a resolução final que saiu da carta, a ideia foi trazer apontamentos nesse sentido, para que o plano seja construído de fato pela população atingida em conjunto com as ATIs, que tem o papel de assessorar toda a população atingida”.
Carta exige punição da Vale
A Carta Aberta dos atingidos e atingidas se solidariza com as famílias e amigos de todas as 272 vítimas fatais do rompimento. “Exigimos a punição efetiva da Vale S/A, da Tüv Süd e de todas as empresas e pessoas que colocaram e colocam o lucro acima da vida”, aponta o documento.
Na abertura do Encontro, Josiane Melo, da Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão), reforçou a cobrança por justiça.
“Não podemos esquecer que tudo isso está acontecendo porque a Vale escolheu a produção, o lucro e deixou os trabalhadores, a comunidade, os turistas, frente a uma bomba-relógio que poderia estourar a qualquer minuto. Não podemos esquecer que houve derramamento de sangue de 272 vidas de uma forma cruel e brutal. Esse acordo que tanto se discute, em tantas reuniões, só existe porque essas vidas foram ceifadas”.
Plano Participativo para Projetos e para Crédito e Microcrédito

Algumas afirmações feitas pelas pessoas atingidas que têm sido registradas:
- É necessário que o recurso seja usado como forma de reparar os danos coletivos e difusos.
- É importante que o Plano Participativo de Reparação e Desenvolvimento do Anexo 1.1 seja aplicado, garantindo a construção e participação nos projetos de demandas das comunidades.
- As pessoas atingidas querem escolher a entidade gestora.
- Para a escolha da entidade gestora é necessário: 1) formulação de um edital com regras definidas de forma participativa; 2) escolha feita pelas próprias pessoas atingidas; 3) instituições sem fins lucrativos e com experiência de trabalho na região mineira e sem qualquer ligação com a empresa Vale, entre outros critérios;
- Para o crédito e microcrédito, devem ser previstos mecanismos de facilitação com foco no não endividamento (agentes de crédito e outras formas de orientação adequada, taxas de juros subsidiadas, prazos de pagamento longos etc.).
- O rendimento dos recursos parados deve ser utilizado em benefício das próprias pessoas atingidas e segundo decisão participativa.
Você pode assistir o vídeo do Encontro e conferir os depoimentos de pessoas atingidas de diversos municípios sobre os temas citados no texto acima. Confira: https://www.youtube.com/watch?v=e8EZJ72s8r4
Este texto faz parte da 8ª edição do Vozes do Paraopeba. Saiba mais: https://aedasmg.org/8-edicao-vozes-do-paraopeba/
Texto: Valmir Macedo.