Mapeamento realizado pela Aedas é um marco importante para a Bacia do Rio Doce. Até o momento, 31 coletivos, povos ou comunidades tradicionais já foram mapeados pelos assessores técnicos da instituição.

Roda de diálogos com membros do Quilombo Ilha Funda e Quilombo 14, em Naque (MG). Foto: Mariana Duarte

Para comunidades e povos tradicionais que tiveram suas vidas alteradas pelo rompimento de barragens, o processo de reparação integral precisa considerar a realidade e os danos específicos gerados pelo racismo ambiental. Neste novembro negro, a Aedas Médio Rio Doce reforça a organização e potência que pessoas negras atingidas têm demonstrado na luta por reparação, nesse que pode ser o maior crime estruturado por racismo ambiental da história do Brasil.    

A construção de mapeamentos, caracterizações de povos e comunidades tradicionais e a elaboração participativa e efetiva de Protocolos de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa-fé estão entre os trabalhos desenvolvidos pela Aedas dentro do Programa Médio Rio Doce. Até o momento, 31 coletivos, povos ou comunidades tradicionais já foram mapeados pelos assessores técnicos da instituição. A ação, desenvolvida pelas equipes das áreas temáticas de Povos e Comunidades Tradicionais e Raça e Gênero, é um marco importante para a Bacia do Rio Doce.

Francisco Phelipe, coordenador da área temática de Povos e Comunidades Tradicionais do programa Aedas Médio Rio Doce, explica que o mapeamento destes espaços vem sendo construído a partir das relações sociais e culturais estabelecidas dentro dos espaços participativos promovidos pela Aedas e que tem a autoidentificação e o autorreconhecimento das comunidades, grupos e povos tradicionais como ponto de partida.  

“Após a identificação e mapeamento dos grupos, coletivos e povos tradicionais, os assessores técnicos da Aedas entram em contato com as lideranças destes espaços e agendam reuniões para apresentação da Assessoria Técnica Independente, do Programa Médio Rio Doce e das equipes envolvidas. Além disso, é feita uma proposta para a realização de uma Oficina de Tradicionalidade, onde apresentamos a Política Nacional para os Povos e Comunidades Tradicionais e sua interface com o processo de reparação aos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão”, explica Francisco Phelipe.

As ações de mapeamento e identificação desses grupos tradicionais são contínuas e as equipes também podem ser acionadas pelas comunidades ou povos interessados na caracterização de seus territórios. Maria Aparecia Silva Guimarães, liderança do Quilombo Córrego 14, por exemplo, busca o reconhecimento junto aos órgãos públicos competentes e constrói com a assessoria o calendário de elaboração do protocolo de consulta da sua comunidade.

“O que eu puder fazer em busca desse registro, em busca de todos os direitos que é permitido para nós diante da legalidade da comunidade quilombola… Nós estamos ansiosos para que isso aconteça. A gente não vai abrir mão disso. Só vamos aquietar quando tudo estiver do jeito que nós temos direito”

Maria Aparecida, Quilombo Córrego 14
Maria Aparecia Silva Guimarães, liderança do Quilombo Córrego 14, em Naque (MG). Foto: Cleiton Santos

Para Mayara Costa, coordenadora de Raça e Gênero do programa médio Rio Doce da Aedas, buscar ativamente os povos quilombolas é importante para auxiliar na compreensão de seus direitos e entender os danos específicos que eles sofrem nos pós rompimento. “A maioria dos atingidos e atingidas serem pessoas negras não é coincidência, e muito menos é por acaso que a reparação demora a chegar para esses povos e comunidades tradicionais, que também são maioria negra em nossos territórios. Isso é um traço do racismo estrutural, da invisibilidade e principalmente da forma como a sociedade brasileira está estruturada desde a colonização”, afirma. 

Mayara Costa, coordenadora de Raça e Gênero do programa médio Rio Doce da Aedas. Foto: Cleiton Santos

De acordo com os dados do Registro Familiar, levantamento feito pela Aedas entre os meses de julho e setembro, 73,36% das pessoas atingidas ouvidas são negras e 72,60% das pessoas que se declararam povos e comunidades tradicionais também são.

Dos 31 agrupamentos mapeados entre grupos, coletivos, povos ind[igenas e comunidades tradicionais, temos: 

05 Quilombos nos municípios de Periquito, Belo Oriente, Santana do Paraíso, Naque e Ipatinga; 
06 Povos e comunidades de matriz africana nos municípios de Ipatinga, Resplendor e Santana do Paraíso;  
02 Coletivos de Congado em Ipatinga e na Comunidade Brauninha, em Belo Oriente; 
05 Grupos de Pescadores Artesanais entre os territórios do Distrito de Pedra Corrida, em Periquito; distrito de Cachoeira Escura, em Belo Oriente; Ilha do Rio Doce, em Caratinga, e nos municípios de Conselheiro Pena e Ipaba do Paraíso; 
04 Grupos de Ribeirinhos (sendo 3 grupos de ribeirinhos ilheiros) presente nos territórios da Ilha do Rio Doce, em Caratinga, e nos municípios de Resplendor, Conselheiro Pena e Aimorés; 
03 Povos indígenas nos municípios de Aimorés, Resplendor e no distrito de Calixto, em Resplendor; 
01 Comunidade Pomerana na Vila Neitzel, em Itueta; 
01 Grupo de Ilheiros, 01 grupo de Areeiros e 01 grupo de Carroceiros, todos em Conselheiro Pena; 
02 Comunidades tradicionais rurais em Resplendor. 

Sujeitos de Direito

O povo indígena da etnia Pury, Uchô Betlháro Purí, da cidade de Aimorés, assessorado pela Aedas, foi o primeiro a produzir o seu protocolo de consulta prévia no Médio Rio Doce. Para a Dauáma Meire Purí, representante da etnia, com esse protocolo é possível assegurar um dos vários direitos do seu povo.  

“Com esse protocolo, nós estamos reivindicando nossos direitos após o maior crime ambiental que ocorreu na bacia do rio doce. Ele representa a nossa existência dentro dos direitos comunitários”, afirma Meire. 

Povo indígena Uchô Betlháro Purí. Foto: Cleiton Santos

Garantida na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2002 e ratificada em 2004 pelo Decreto Presidencial nº 5051, os protocolos obrigam o estado brasileiro a consultar a posição dos povos e comunidades tradicionais sobre decisões que afetem suas vidas, garantindo e preservando, desta forma, seus direitos.

Além do povo indígena Uchô Betlháro Purí, em Aimorés, a Aedas também acompanha o povo indígena Puri – Ã Pukíu e a comunidade Krim Orutu – indígenas Puri, as duas estão situadas em Resplendor.

Saiba mais sobre o protocolo Purí

Conheça o protocolo Purí

Para a efetivação desses direitos na prática, o Programa Médio Rio Doce, através de suas equipes multidisciplinares, tem realizado uma série de instrumentos além do mapeamento de comunidades, todos em execução, quais sejam: 

Registro Familiar: Permite um levantamento inicial dos grupos, coletivos e povos que se identificam como tradicionais. Além de uma pequena caracterização de seus territórios e dos danos causados pelo rompimento. 

Espaços Participativos: A Metodologia Participativa da Aedas permite a mobilização e partilha segura de informação da reparação com os grupos. 

Espaços Formativos: As oficinas de Tradicionalidade e Reparação permitem a formação básica das comunidades e suas lideranças a respeito das políticas públicas para povos e comunidades tradicionais, seus marcos legais e instrumentos de governança e de garantia de direitos. 

Texto: Thiago Matos e Carmen Kemoly – Equipe de Comunicação Médio Rio Doce